domingo, 2 de fevereiro de 2025

O grande mico do 20 de janeiro de Donald Trump - Elio Gaspari

O Globo

O que a China fez com os bilionários americanos das big techs e com Donald Trump foi uma malvadeza histórica.

No dia 20 de janeiro, o novo presidente anunciou em seu discurso de posse: “A partir de agora, terminou o declínio americano” e prometeu o início de uma “Era de Ouro” para o país.

Entre os convidados, aplaudindo-o, estavam os bilionários Elon (Tesla) Musk, Mark (Meta) Zuckerberg, Jeff (Amazon) Bezos, Tim (Apple) Cook, Sundar (Google) Pichai e Sam (Open-AI) Altman.

Com jeito de quem não queria nada, naquele dia, a empresa DeepSeek, do chinês Liang Wenfeng, soltou seu aplicativo de inteligência artificial R1. Em seguida, republicou um artigo de 22 páginas assinado por 193 autores (todos chineses) e a estrutura do seu programa.

O R1 da DeepSeek foi lançado no dia da posse de Trump de caso pensado. A China já fez coisa parecida em 2023, às vésperas de uma visita da secretária do Comércio dos EUA.

Segundo a DeepSeek, o R1 custou 5,6 milhões de dólares. Os programas de inteligência artificial das empresas americanas custam entre 100 milhões e 1 bilhão de dólares. O R1 é grátis, enquanto alguns similares americanos cobram aos usuários pelo menos 20 dólares mensais.

No dia 25, o R1 era o aplicativo mais baixado nos Estados Unidos e em outros 50 países. Dois dias depois, as sete grandes empresas americanas de tecnologia, conhecidas como “the magnificent seven” (Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla) perderam 1 trilhão de dólares em valor de mercado. Os CEOs de cinco delas estavam na cena da posse, e só a Apple não micou. A fabricante de chips Nvidia, princesinha do mercado de inteligência artificial, tomou a maior pancada, com uma perda de 589 bilhões de dólares, a maior da história de Wall Street. Elon Musk perdeu 5,3 bilhões de dólares. Como as ações sobem e descem, a Nvidia recuperou parte da queda.

O segredo do R1 estava no fato que uma unidade de custo que no mercado das big techs vale 15 dólares, na DeepSeek sai por apenas 55 centavos. Além disso, o R1 é grátis e aberto para programadores mundo afora. A Microsoft e a Dell já incorporaram o R1 às suas plataformas.

Nos próximos meses, artigos e livros contarão o que aconteceu antes do mico de 20 de janeiro. Uma coisa é certa: os bilionários das big techs sabiam que a DeepSeek existia e que não era coisa de chinês em fundo de garagem.

Desde 2023 ela publica seus códigos. Desde maio de 2024 ela mostrava que fazia muito, gastando menos. No mundo da inteligência artificial corria o murmúrio de que a DeepSeek tinha uma “arma secreta”. Em setembro ela soltou a versão V2.5 que, em poucos dias, ficou entre os aplicativos líderes de inteligência artificial com códigos abertos. A primeira versão do R1 é de novembro de 2024.

Os bilionários americanos acreditaram na própria superioridade. Erraram. Diante da ameaça dos avanços tecnológicos da China, acreditaram na imposição de barreiras comerciais e durante o governo de Biden embargaram as vendas de chips. Erraram de novo.

No dia 20 de janeiro, exibiram-se mostrando-se próximos do poder. Violaram a regra da discrição dos magnatas dos verdadeiros tempos dourados dos Estados Unidos. John D. (Standard Oil) Rockefeller, Andrew (U.S.Steel) Carnegie e J.P. Morgan, o do banco, nunca enfeitaram festas de posse de presidentes em Washington.

(Perguntado quais bilionários estavam na posse de Trump, DeepSeek disse que não tinha informações sobre eventos futuros, esclarecendo que seu conhecimento se estende “até outubro de 2023”.

Feita a mesma pergunta ao Google, ele ofereceu dezenas de links e o primeiro dizia: Musk, Bezos e Zuckerberg: bilionários na posse de Trump.”)

Momento Sputnik

Na tarde de domingo passado, o guru tecnológico Marc Andressen descreveu o impacto da DeepSeek sobre o mercado americano:

Momento Sputnik. O comentário de Andressen refletiu o pânico que tomou conta dos Estados Unidos em 1957, depois que a União Soviética colocou em órbita o primeiro satélite artificial, pesando 83 quilos. Em 1961 veio a humilhação: Yuri Gagarin entrou em órbita e revelou: “A Terra é azul.’

Pelo menos nove foguetes americanos haviam explodido, mas o presidente John Kennedy anunciou que os americanos iriam à Lua antes do fim da década.

Na outra ponta, o regime russo não revelava que havia perdido sete foguetes, um astronauta e mais de cem pessoas mortas numa explosão em seu centro espacial, inclusive um marechal. Em 1966, Sergei Korolev, pai do programa espacial russo, morreu durante uma cirurgia. Meses depois o astronauta Sergei Komarov foi carbonizado ao retornar à Terra.

Americanos e russos faziam maravilhas no espaço, mas o jogo virou em 1969. Os foguetes soviéticos continuavam com eventuais falhas, e no dia 3 de julho o N-1 explodiu no Cazaquistão, destruindo parte da base de lançamentos.

Duas semanas depois, três astronautas partiram de Cabo Kennedy. No dia 20 de julho, Neil Armstrong fincou a bandeira americana no Mar da Tranquilidade.

A corrida espacial estava terminada, e o Sputnik tornou-se coisa do passado.

Começava outra competição, com os americanos na frente. Três meses depois, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos criou, em segredo, a primeira rede de computadores, chamava-se Arpanet. Era o embrião da internet.

Quem ouviu os bips do Sputnik e acreditou no declínio americano perdeu seu tempo.

2015 x 1936

Em maio de 1936 o matemático inglês Alan Turing publicou na revista da London Mathematical Society seu artigo intitulado “Sobre números computáveis”. Nele, prenunciava a “máquina universal”.

Um ano depois, escrevia à mãe, queixando-se de que a revista havia recebido apenas dois pedidos de cópias do artigo. A “máquina universal” de Turing era o computador. Homossexual, ele foi condenado a submeter-se a um tratamento hormonal e matou-se em 1954. Em 2013 um raro exemplar de seu artigo de 1936 foi comprado por 205 mil libras (R$ 1,5 milhão na cotação de hoje). Desde 2024 seu retrato está no verso da nota de 50 libras.

O mundo de 2025 é outro. O artigo acadêmico que descreveu o modelo R1 da DeepSeek saiu no início de janeiro e tinha cerca de 200 autores, todos chineses. Em menos de um mês o aplicativo de inteligência artificial foi baixado mais de 3 milhões de vezes.

Ministério da Defesa

Desde quando se soube que o ministro da Defesa, José Múcio, decidiu ir embora, a bolsa de apostas para sua substituição colocou o vice Geraldo Alckmin como favorito.

Vá lá, mas convém colocar Alexandre Padilha na lista.

Lula em novo estilo

Lula estreou o estilo Sidônio Palmeira conversando por mais de uma hora com jornalistas. Foi uma vitória do novo secretário de Comunicação do governo.

Lula disse que Fernando Haddad é um grande ministro da Fazenda porque no início do governo conseguiu aprovar a legislação que permitiu gastos imediatos. Verdade, mas Gilberto Kassab disse que Haddad é um ministro fraco porque não consegue convencer seus pares a gastar menos.

Lula gosta de jornalistas em tese, e prefere evitá-los na prática. É improvável que conversas como a da semana passada venham a se repetir com a frequência desejada. Até porque nela, depois de mostrar a força de Haddad no passado, revelou sua fraqueza no futuro:

“Se depender de mim, não tem outra medida fiscal”.

 

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