O Globo
O que a China fez com os bilionários
americanos das big techs e com Donald Trump foi uma malvadeza histórica.
No dia 20 de janeiro, o novo presidente
anunciou em seu discurso de posse: “A partir de agora, terminou o declínio
americano” e prometeu o início de uma “Era de Ouro” para o país.
Entre os convidados, aplaudindo-o, estavam os
bilionários Elon (Tesla) Musk, Mark (Meta) Zuckerberg, Jeff (Amazon) Bezos, Tim
(Apple) Cook, Sundar (Google) Pichai e Sam (Open-AI) Altman.
Com jeito de quem não queria nada, naquele
dia, a empresa DeepSeek, do chinês Liang Wenfeng, soltou seu aplicativo de
inteligência artificial R1. Em seguida, republicou um artigo de 22 páginas
assinado por 193 autores (todos chineses) e a estrutura do seu programa.
O R1 da DeepSeek foi lançado no dia da posse de Trump de caso pensado. A China já fez coisa parecida em 2023, às vésperas de uma visita da secretária do Comércio dos EUA.
Segundo a DeepSeek, o R1 custou 5,6 milhões
de dólares. Os programas de inteligência artificial das empresas americanas
custam entre 100 milhões e 1 bilhão de dólares. O R1 é grátis, enquanto alguns
similares americanos cobram aos usuários pelo menos 20 dólares mensais.
No dia 25, o R1 era o aplicativo mais baixado
nos Estados Unidos e em outros 50 países. Dois dias depois, as sete grandes
empresas americanas de tecnologia, conhecidas como “the magnificent seven”
(Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla) perderam 1 trilhão
de dólares em valor de mercado. Os CEOs de cinco delas estavam na cena da
posse, e só a Apple não micou. A fabricante de chips Nvidia, princesinha do
mercado de inteligência artificial, tomou a maior pancada, com uma perda de 589
bilhões de dólares, a maior da história de Wall Street. Elon Musk perdeu 5,3
bilhões de dólares. Como as ações sobem e descem, a Nvidia recuperou parte da
queda.
O segredo do R1 estava no fato que uma
unidade de custo que no mercado das big techs vale 15 dólares, na DeepSeek sai
por apenas 55 centavos. Além disso, o R1 é grátis e aberto para programadores
mundo afora. A Microsoft e a Dell já incorporaram o R1 às suas plataformas.
Nos próximos meses, artigos e livros contarão
o que aconteceu antes do mico de 20 de janeiro. Uma coisa é certa: os
bilionários das big techs sabiam que a DeepSeek existia e que não era coisa de
chinês em fundo de garagem.
Desde 2023 ela publica seus códigos. Desde
maio de 2024 ela mostrava que fazia muito, gastando menos. No mundo da
inteligência artificial corria o murmúrio de que a DeepSeek tinha uma “arma
secreta”. Em setembro ela soltou a versão V2.5 que, em poucos dias, ficou entre
os aplicativos líderes de inteligência artificial com códigos abertos. A
primeira versão do R1 é de novembro de 2024.
Os bilionários americanos acreditaram na
própria superioridade. Erraram. Diante da ameaça dos avanços tecnológicos da
China, acreditaram na imposição de barreiras comerciais e durante o governo de
Biden embargaram as vendas de chips. Erraram de novo.
No dia 20 de janeiro, exibiram-se
mostrando-se próximos do poder. Violaram a regra da discrição dos magnatas dos
verdadeiros tempos dourados dos Estados Unidos. John D. (Standard Oil)
Rockefeller, Andrew (U.S.Steel) Carnegie e J.P. Morgan, o do banco, nunca
enfeitaram festas de posse de presidentes em Washington.
(Perguntado quais bilionários estavam na
posse de Trump, DeepSeek disse que não tinha informações sobre eventos futuros,
esclarecendo que seu conhecimento se estende “até outubro de 2023”.
Feita a mesma pergunta ao Google, ele
ofereceu dezenas de links e o primeiro dizia: Musk, Bezos e Zuckerberg:
bilionários na posse de Trump.”)
Momento Sputnik
Na tarde de domingo passado, o guru
tecnológico Marc Andressen descreveu o impacto da DeepSeek sobre o mercado
americano:
Momento Sputnik. O comentário de Andressen
refletiu o pânico que tomou conta dos Estados Unidos em 1957, depois que a
União Soviética colocou em órbita o primeiro satélite artificial, pesando 83
quilos. Em 1961 veio a humilhação: Yuri Gagarin entrou em órbita e revelou: “A
Terra é azul.’
Pelo menos nove foguetes americanos haviam
explodido, mas o presidente John Kennedy anunciou que os americanos iriam à Lua
antes do fim da década.
Na outra ponta, o regime russo não revelava
que havia perdido sete foguetes, um astronauta e mais de cem pessoas mortas
numa explosão em seu centro espacial, inclusive um marechal. Em 1966, Sergei
Korolev, pai do programa espacial russo, morreu durante uma cirurgia. Meses
depois o astronauta Sergei Komarov foi carbonizado ao retornar à Terra.
Americanos e russos faziam maravilhas no
espaço, mas o jogo virou em 1969. Os foguetes soviéticos continuavam com
eventuais falhas, e no dia 3 de julho o N-1 explodiu no Cazaquistão, destruindo
parte da base de lançamentos.
Duas semanas depois, três astronautas
partiram de Cabo Kennedy. No dia 20 de julho, Neil Armstrong fincou a bandeira
americana no Mar da Tranquilidade.
A corrida espacial estava terminada, e o
Sputnik tornou-se coisa do passado.
Começava outra competição, com os americanos
na frente. Três meses depois, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos
criou, em segredo, a primeira rede de computadores, chamava-se Arpanet. Era o
embrião da internet.
Quem ouviu os bips do Sputnik e acreditou no
declínio americano perdeu seu tempo.
2015 x 1936
Em maio de 1936 o matemático inglês Alan
Turing publicou na revista da London Mathematical Society seu artigo intitulado
“Sobre números computáveis”. Nele, prenunciava a “máquina universal”.
Um ano depois, escrevia à mãe, queixando-se
de que a revista havia recebido apenas dois pedidos de cópias do artigo. A
“máquina universal” de Turing era o computador. Homossexual, ele foi condenado
a submeter-se a um tratamento hormonal e matou-se em 1954. Em 2013 um raro
exemplar de seu artigo de 1936 foi comprado por 205 mil libras (R$ 1,5 milhão
na cotação de hoje). Desde 2024 seu retrato está no verso da nota de 50 libras.
O mundo de 2025 é outro. O artigo acadêmico
que descreveu o modelo R1 da DeepSeek saiu no início de janeiro e tinha cerca
de 200 autores, todos chineses. Em menos de um mês o aplicativo de inteligência
artificial foi baixado mais de 3 milhões de vezes.
Ministério da Defesa
Desde quando se soube que o ministro da
Defesa, José Múcio, decidiu ir embora, a bolsa de apostas para sua substituição
colocou o vice Geraldo Alckmin como favorito.
Vá lá, mas convém colocar Alexandre Padilha
na lista.
Lula em novo estilo
Lula estreou o estilo Sidônio Palmeira
conversando por mais de uma hora com jornalistas. Foi uma vitória do novo
secretário de Comunicação do governo.
Lula disse que Fernando Haddad é um grande
ministro da Fazenda porque no início do governo conseguiu aprovar a legislação
que permitiu gastos imediatos. Verdade, mas Gilberto Kassab disse que Haddad é
um ministro fraco porque não consegue convencer seus pares a gastar menos.
Lula gosta de jornalistas em tese, e prefere
evitá-los na prática. É improvável que conversas como a da semana passada
venham a se repetir com a frequência desejada. Até porque nela, depois de
mostrar a força de Haddad no passado, revelou sua fraqueza no futuro:
“Se depender de mim, não tem outra medida
fiscal”.
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