domingo, 2 de fevereiro de 2025

Quem é a direita da direita que apoia Trump na Europa - João Gabriel de Lima

Folha de S. Paulo

Ultradireitistas veem na proximidade com presidente americano uma chance de ganhar influência e promover-se para eleitorado

[RESUMO] A volta de Donald Trump ao poder marca um realinhamento na direita global, notadamente na Europa, onde a fragmentação do espectro político avança junto com seu poder de influência. O autor sustenta que grupos posicionados à direita da direita tradicional buscam, na proximidade com o presidente americano, formas de promoção ideológica. Com posturas mais radicalizadas e sem respostas para problemas complexos, esses grupos, assim como Trump, também miram sua retórica contra os imigrantes.

A posse de Donald Trump rendeu selfies entusiasmadas no Instagram de vários líderes europeus. Em uma dessas fotos, o presidente americano aparece sorridente ao lado de Giorgia Meloni. "Estou certa de que a amizade entre nossas nações e os valores que nos unem continuarão a reforçar a colaboração entre Itália e Estados Unidos, enfrentando juntos os desafios globais e construindo um futuro de prosperidade e segurança para nossos povos", escreveu a primeira-ministra italiana.

No perfil de Meloni, há um vídeo de Trump em que ele define a premiê como "uma líder e pessoa fantástica" e outra foto de ambos com a legenda "prontos para trabalhar juntos".

O espanhol Santiago Abascal, líder do partido político Vox, ecoou o discurso de Trump em uma de suas postagens. "Felicidades aos defensores da liberdade e do senso comum no mundo inteiro. Este é o nosso momento." Os dois políticos aparecem na foto com o polegar para cima.

Casado com uma influenciadora, Lidia Bedman, Abascal fez uma cobertura completa do evento. Em uma sequência de vídeos com imagens de Washington ao fundo, chama o premiê espanhol Pedro Sánchez de charlatão, ataca os "burocratas de Bruxelas" e abraça efusivamente o presidente argentino Javier Milei.

A selfie de Tino Chrupalla, um dos líderes do partido político alemão AfD (Alternativa para a Alemanha), teve como cenário a festa de Trump dentro da arena Capitol One. Ele escreveu sob a foto: "Podia-se sentir o otimismo e a esperança em um presidente que cumpre imediatamente as promessas eleitorais e quer proteger o interesse dos cidadãos, da mesma forma que nós nos preocupamos com os interesses dos cidadãos alemães".

Em sua posse, Trump pouco falou de assuntos internacionais —"América primeiro!"—, mas abriu um precedente ao convidar vários líderes estrangeiros para uma festa à qual tradicionalmente só comparecem americanos. Com o gesto, demarcou quem seria sua turma no mundo.

Da América Latina, foram convidados Javier Milei, o presidente salvadorenho Nayib Bukele e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que não pôde comparecer por ter tido o passaporte retido pela Justiça. Um olhar sobre os líderes europeus, como Meloni, Abascal e Chrupalla, deixa mais claro, no entanto, o perfil dos escolhidos por Trump.

Parlamento Europeu é ocupado por partidos que agrupam siglas de diferentes países. O maior deles é o PPE (Partido Popular Europeu), de direita, à qual pertence a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, e a presidente do próprio Parlamento Europeu, a maltesa Roberta Metsola. A esquerda se agrupa no guarda-chuva S&D (Socialistas e Democratas), ao qual pertencem os premiês da Espanha, Pedro Sánchez, e da Alemanha, Olaf Scholz, que disputa a reeleição em pleito marcado para o dia 23 de fevereiro.

Direita e esquerda fazem parte da coligação de centro que governa a Europa atualmente. O Partido Popular Europeu e o Socialistas e Democratas formaram maioria ao incorporar o Renovar a Europa, que reúne vários partidos de centro e centro-direita —entre eles o Renascimento, fundado pelo presidente francês Emmanuel Macron— e os verdes, que são fortes apenas na Alemanha mas ganham peso por ter representantes em vários países europeus.

Nos últimos anos, no entanto, surgiram no Parlamento Europeu vários grupos à direita da direita. O mais tradicional é o ECR (Conservadores e Reformistas Europeus), que tem como principal estrela justamente Giorgia Meloni e representa a direita à direita da direita.

Santiago Abascal, do Vox, é o presidente do recém-fundado Patriotas pela Europa, articulado pelo premiê húngaro Viktor Orbán, a direita à direita da direita da direita. A turma de Orbán se opõe ao poder central de Bruxelas de forma mais veemente que Meloni.

Considerado radical demais mesmo nesse espectro —um de seus integrantes já foi condenado por brandir slogans nazistas—, a AfD de Tino Chrupalla é a direita à direita da direita à direita da direita. O partido integra, com outras siglas extremistas do leste do continente, a família Europa das Nações Soberanas.

Na Europa delineiam-se três grupos políticos bem claros: esquerda, direita e ultradireita. O termo ultradireita foi consagrado na ciência política pelo holandês Cas Mudde e reúne os representantes da direita radical e da extrema direita.

A direita radical questiona os aspectos liberais da democracia, como os direitos de imigrantes e cidadãos LGBTQIA+, mas aceita, de forma geral, as regras do jogo eleitoral. A extrema direita, na definição de Cas Mudde, não teria o mesmo apreço pela democracia, trabalhando para corroê-la por dentro.

De forma simétrica, existem na União Europeia líderes e partidos de esquerda radical e extrema esquerda, que toleram e defendem, por exemplo, ditaduras como as da Coreia do Norte, Nicarágua ou Venezuela. Essas forças, no entanto, não são expressivas nem no Parlamento Europeu nem dentro dos países, onde, em geral, os partidos com densidade eleitoral reproduzem a tríade esquerda-direita-ultradireita. É assim em Portugal (PS-PSD-Chega), Espanha (PSOE-PP-Vox), Alemanha (SPD-CDU-AfD) e assim por diante.

Nos Estados Unidos, onde vigora o bipartidarismo, muitos eleitores da direita mais moderada votam em Donald Trump, vendo-o como única alternativa para evitar que os rivais democratas ocupem o poder. Há, no entanto, vários republicanos históricos que não se identificam com Trump. Estão neste caso os escritores Anne Applebaum e David Brooks.

Applebaum começa seu livro "O Crepúsculo da Democracia" descrevendo uma festa de Réveillon na véspera do ano 2000 em que um grupo de amigos que admiravam Ronald Reagan e Margaret Thatcher celebram o que consideravam o "fim da história". Nada pode ser mais oposto ao ideal de um mundo liberal e globalizado que o combo de economia fechada e populismo autoritário de Trump.

Ao longo do livro, escrito em 2020, Applebaum identifica os primeiros sinais da colaboração entre Trump e os partidos de ultradireita Fidesz, da Hungria, e Lei e Justiça, da Polônia, precursores do clube da ultradireita que acaba de viralizar no Instagram.

Em artigo recente no jornal The New York Times, David Brooks, que se define como um conservador moderado, delineia o que pode ser o ponto comum entre Trump e seus admiradores europeus. Na visão de Brooks, Trump seria alguém sem competência para lidar com as complexidades do mundo moderno —diversos polos econômicos e militares, poder decrescente dos governantes eleitos, abismo educacional que gera desigualdade social. O método e o discurso do presidente americano seriam consequência dessa incompetência.

Como não existem respostas simples para problemas complexos —e as soluções complexas e viáveis estão na academia, que Trump rejeita—, resta inventar culpados e puni-los: os imigrantes.

Nisso, Trump e a ultradireita europeia estão de acordo. A Europa vive um paradoxo. A população do continente envelhece, a União Europeia precisa desesperadamente de imigrantes, principalmente jovens, mas os partidos com discursos xenófobos prosperam. Recentemente, o Parlamento Europeu aprovou uma nova e necessária regulação sobre o tema. Socialistas, populares, liberais e verdes apoiaram. A ultradireita, com exceção de Giorgia Meloni, nem quis discutir.

Na Europa, os líderes da direita à direita da direita veem na proximidade com Trump um meio de ganhar influência internacional e promover-se junto aos próprios eleitorados. Giorgia Meloni largou na frente. Visitou Trump em Mar-a-Lago três semanas antes da posse e saiu de lá com o convite VIP.

O premiê húngaro Viktor Orbán não esteve em Washington, mas é o organizador da sucursal europeia da CPAC, a Conferência de Ação Política Conservadora, o braço ideológico do trumpismo. No semestre passado, a Hungria ocupou a presidência rotativa da União Europeia e Orbán, inspirado em Trump, propagou o slogan MEGA, "make Europe great again".

Para o cientista político espanhol Francisco Rodríguez Jiménez, autor de um livro sobre a primeira Presidência de Donald Trump, se trata de um jogo de ganha-ganha. O presidente americano também lucra ao promover líderes de ultradireita e dividir a Europa —muitos deles são críticos das políticas unificadoras de Bruxelas.

Faria parte desse plano a aproximação entre o empresário Elon Musk e Alice Weidel, candidata ao parlamento alemão pela AfD. O supracitado partido da direita à direita da direita à direita da direita combina, por seu prontuário, com o polêmico gesto de Musk no dia da posse.

O espanhol Santiago Abascal ambiciona ser o líder da ultradireita em um espaço que ele próprio definiu como iberosfera e que engloba Portugal, Espanha e os países da América Latina. Para isso, seu partido, o Vox, criou a Fundação Dissenso, que promove eventos, produz documentários e edita a Gazeta da Iberosfera.

Cinco anos atrás, Abascal foi a uma CPAC em Maryland, nos Estados Unidos, mas, ao contrário de Giorgia Meloni e Marine Le Pen, que também estavam lá, não foi convidado a falar porque ninguém sabia direito quem ele era. Dessa vez, fez vídeo com Milei e tirou foto com Trump. A teia da ultradireita vem se tecendo aos poucos e consistentemente, com transmissão ao vivo no Instagram de Mark Zuckerberg.

 

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