Tarifas de Trump exigem cautela do Brasil
O Globo
Política comercial americana é péssima para o
mundo. Diplomacia brasileira deve tentar contornar efeitos negativos
A tarifa de 25% anunciada por Donald Trump sobre
importações de aço e alumínio afetará as exportações brasileiras, mas seus
efeitos ainda devem ser analisados de modo mais detido. No ano passado, o
Brasil exportou US$ 4,1 bilhões em aço aos Estados Unidos.
Com 15% do mercado local, ficou em segundo lugar entre os fornecedores
externos. No alumínio, as exportações e a participação brasileira são bem
menores, inferiores a US$ 800 milhões e a 1%. Embora medidas de retaliação
sejam a resposta natural a esperar em casos do tipo, o governo brasileiro
precisa primeiro avaliar as consequências antes de tomar decisões. Apesar de
Trump dizer que não haverá exceção às tarifas, o passado pode servir de guia.
Sob o pretexto de defender a segurança nacional, no início de 2018, ainda no primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados. Duas semanas mais tarde, a Casa Branca informou que, para a União Europeia e para seis países, entre eles o Brasil, as tarifas seriam suspensas até o fim de negociações. Em maio, Trump impôs cotas às exportações brasileiras. Em agosto, nem mais isso estava em vigor. Se o importador americano comprovasse falta de matéria-prima no mercado interno, poderia comprar o produto brasileiro sem pagar 25% a mais em imposto.
É verdade que a intervenção de Trump teve
impacto nas siderúrgicas brasileiras. Mas não foi a catástrofe inicialmente
prevista. A quantidade embarcada no primeiro semestre de 2018 para os Estados
Unidos sofreu queda de 5,7% na comparação com o período em 2017. Porém, em
dólares, as vendas brasileiras cresceram 16%, devido ao encarecimento do
produto. No fim de 2018, a produção em toneladas e a exportação total em
dólares aumentaram em relação ao ano anterior. Ao GLOBO, José Augusto de
Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil
(AEB), defendeu que o caminho diante das tarifas é o diálogo. A diplomacia
brasileira precisa buscar informações, entender os objetivos dos americanos e
dar início a negociações, porque “qualquer decisão agora pode piorar a
situação”.
É incerto se voltará a se repetir o que
aconteceu em 2018. O discurso falacioso de Trump para justificar o
protecionismo é idêntico. Ele afirma trabalhar para diminuir o déficit
comercial e aumentar a produção local. Em 2018, as siderúrgicas americanas até
ampliaram um pouco o volume de produção, mas aproveitaram para aumentar
bastante o preço. Empresas consumidoras de aço, como as montadoras de
automóveis, não demoraram a reclamar. É possível que agora ocorra o mesmo.
Várias indústrias têm investido em veículos elétricos e enfrentam mais
dificuldade de absorver altas no custo de matérias-primas. Em anúncios a
investidores, antevendo a guerra tarifária, já previram rentabilidade menor.
Trump despreza as vantagens do
livre-comércio, aproveita politicamente a insatisfação de eleitores com a
economia aberta e promete radicalizar o ímpeto protecionista. Ainda assim, é
necessário separar suas declarações iniciais dos objetivos finais. É possível
que o surto tarifário seja uma estratégia para dar início a negociações. Por
isso o Brasil precisa evitar decisões apressadas. A política comercial de Trump
é péssima para os Estados Unidos e para o mundo. O dever da diplomacia
brasileira é buscar soluções para neutralizar ou minimizar seus efeitos
negativos.
Governo Lula ainda deve resposta para conter
armas em poder de civis
O Globo
Da prisão, líder da maior quadrilha de roubo
de carros no Rio orienta ladrões a comprar armamento legal de CACs
Logo ao assumir, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva revogou decretos armamentistas da gestão Jair Bolsonaro, com o objetivo
de conter a proliferação de armas nas mãos da população. Em especial, aquelas
registradas legalmente na categoria identificada pela sigla CAC (colecionador,
atirador desportivo ou caçador). Infelizmente, os resultados até agora foram
insuficientes diante dos riscos. Persiste o fluxo contínuo de armas legalizadas
a reforçar o arsenal da criminalidade, seja por perda, roubo, furto ou mesmo
venda. É o que mostrou na semana passada reportagem do noticiário RJ2, da TV
Globo, revelando como um preso considerado o maior responsável pela adulteração
de carros roubados no Rio de Janeiro instruía, de dentro da cadeia, um comparsa
que queria comprar armas a procurar CACs, porque vendiam pistolas “barato”.
É verdade que as estatísticas mostram
desaceleração no crescimento dos CACs. De dezembro de 2020 a dezembro de 2022,
a quantidade de armas em poder deles deu um salto de 120%. No governo Lula,
dados até julho do ano passado mostram crescimento de 18%. “A situação ficou
mais manejável”, diz Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé,
especialista em segurança pública. “Mas não se parou de comprar armas.” E os
registros de CACs continuam a ser feitos no Exército — ainda não foram
transferidos à Polícia Federal (PF), como anunciado no início do governo.
Com o tempo, argumenta o governo, o ritmo se
reduzirá até estagnar. O cenário político no Congresso, porém, não é favorável.
A bancada da bala tem obtido vitórias, como a recente aprovação na Câmara de um
Projeto de Lei enfraquecendo o Estatuto do Desarmamento, ao permitir a compra
de armas por quem é investigado ou condenado por certos crimes, desde que ainda
não tenha saído a sentença definitiva — medida sem cabimento que deveria ser
rejeitada pelo Senado.
Ao mesmo tempo, projetos do governo requerem
intensa negociação, e a posse e o porte de armas têm sido com frequência objeto
de concessões para fazer avançar outras pautas. A postura rígida contra a
proliferação de armas com que o governo Lula tomou posse desapareceu. Tanto
que, apesar da iniciativa de recadastramento, o arsenal em poder da população
continua imenso — estima-se em 1 milhão apenas as armas dos CACs, sem contar as
centenas de milhares das forças de segurança em situação irregular.
Risso cita outra evidência do recuo do governo: um “decreto envergonhado”, publicado em 31 de dezembro, transferindo ao campo do esporte uma questão que deveria ser tratada pela ótica da segurança pública. Além das classificações já existentes para CACs, o decreto cria uma categoria especial para atiradores profissionais de competição, de “alto rendimento”. A nova elite de atiradores poderá comprar até 16 armas, oito delas de uso restrito (alto calibre), e ainda terá acesso a 20% mais munição. Criminosos como o ladrão de automóveis que encara os CACs como bons fornecedores de armas e munições devem estar comemorando.
Guerra tarifária de Trump se amplia e atinge
o Brasil
Valor Econômico
O acordo Mercosul-União Europeia abre um caminho que o Brasil deveria explorar assiduamente, procurando novos acordos e mercados para minimizar perdas com eventuais bloqueios temporários no comércio com os EUA
A pior ameaça do presidente Donald Trump pode
ser sempre a próxima. Depois de estabelecer ontem taxação de 25% sobre todas as
importações de aço e alumínio - “sem exceções ou isenções” - reafirmou que
outras penalidades virão para os países que não pratiquem “reciprocidade” de
tarifas. No limite, isso significaria a imposição do sistema vigente nos EUA,
até há pouco um dos com as menores tarifas do mundo, a todos os países que
Trump escolhesse, a seu bel prazer. O Brasil, um dos países mais protegidos do
mundo, estará de novo na mira, como o presidente americano deixou escapar nas
várias vezes em que o mencionou em suas entrevistas. Trump rompeu todas as
regras do comércio global, e o preço do ingresso no maior mercado do mundo será
o que ele determinar, com base em suas idiossincrasias.
Em 2018, em seu primeiro mandato, ele
instituiu imposto de importação de 25% ao aço e 15% ao alumínio, para depois
abrir exceções a seus parceiros comerciais, Canadá e México. O Brasil ficou com
sobretaxa no alumínio e cota para o aço semiacabado de 3,5 milhões de
toneladas. Essas restrições seriam revistas no fim do ano, mas a determinação
de ontem põe fim a regimes de exceção e passam a valer as tarifas extravagantes
de 25%. Entre 2018 e 2019, as vendas brasileiras de ferro e aço foram reduzidas
em pouco mais de 1 milhão de toneladas, devido, na maior parte, à taxação
americana - o ferro não teve sobretaxa. Em 2024, o Brasil exportou US$ 4,67
bilhões em aço aos EUA, ou 15% do total do importado do produto.
A solução de Trump, porém, será um grande
problema para os EUA. Não há inteligência, só lei do mais forte, em aumentar os
preços de bens de que o país necessita quando ele não é autossuficiente, ainda
mais punindo seus principais parceiros comerciais, com os quais os EUA têm um
tratado de livre comércio, agora rasgado em mil pedaços. Os preços de alumínio,
cobre e aço começaram a subir ontem diante da procura preventiva de suprimento
antes que as sobretaxas sejam instituídas. Os EUA são o quinto maior produtor
de aço bruto, e importaram US$ 82,1 bilhões de aço e ferro e US$ 27,4 bilhões
de alumínio em 2023. No caso do alumínio, a situação é mais grave: os EUA
importam 80% do que consomem.
Relações comerciais são também relações de
poder, e Trump pretende usar o da nação mais rica do mundo para submeter os
demais países a sua vontade. Ao fechar os canais do comércio do país,
fazendo-os passar por um filtro tarifário aleatório, irracional, mas sob seu
controle, o presidente sabe que os EUA sofrerão pressão enorme de preços. Uma
parte do jogo é que Trump quer escolher os países que podem vender para os EUA,
uma das maneiras de poder influir também nos preços das mercadorias. Ao
substituir regras e diálogo por ultimatos e ameaças, ele pode desencadear uma
guerra comercial cujas consequências seriam o recuo do comércio mundial e
estagflação americana. Não há vencedores neste conflito.
O mundo mudou e os EUA não são mais a única
superpotência. A ascensão chinesa mostrou as vulnerabilidades americanas que,
caso pudessem ser revertidas, como Trump quer, teriam um custo enorme para o
bolso dos consumidores e das empresas. A China é o parque industrial global, de
onde parte um de cada três produtos manufaturados no mundo. No caso do aço em
questão, os países do Brics original (China, Índia, Brasil e Rússia) produzem
dois terços do total global. A especialização criada pelas cadeias de produção,
formadas ao longo de décadas de livre comércio, tem como um corolário que os
EUA e muitos outros países não têm competitividade em uma vasta gama de bens e
serviços - e nem precisariam, dada a redução de custos que a divisão da
produção e do suprimento proporcionou. Querer girar a roda para trás,
empilhando custos sobre a indústria americana, é um enorme retrocesso e não tem
como dar certo.
Os estragos que Trump causa e causará
penalizarão os EUA, mas trarão danos à economia mundial. Os países emergentes,
como o Brasil, já se queixavam da invasão do aço chinês a baixo preço, fruto do
escoamento de sua superprodução diante de um consumo doméstico em baixa. Ela
deve aumentar com o protecionismo americano. Dificilmente a agressão de Trump
deixará de engendrar retaliações, nem sempre a resposta mais apropriada. De
nada adiantaria, por exemplo, o Brasil retaliar aço e alumínio americanos, pois
a quantidade importada é irrisória. A tributação pode ser arma poderosa de
retribuição (Dani Rodrik, Valor,
ontem). Não será um ambiente saudável, mas essa disputa não foi escolhida por
ninguém, exceto Trump.
Ao se tornarem um predador econômico, os EUA
levarão os países a buscar alianças comerciais e oportunidades de negócio em
outros países. O acordo Mercosul-União Europeia abre um caminho que o Brasil
deveria explorar assiduamente, procurando novos acordos e mercados para
minimizar perdas com eventuais bloqueios temporários no comércio com os EUA.
Hostilizar os EUA seria perda de tempo e dinheiro, até mesmo porque Trump já
recuou em outras ocasiões e pode voltar a fazê-lo de novo. Obter a manutenção
das cotas do aço, diante da tempestade tarifária, não seria um mau negócio.
Baixa produtividade explica o atraso
brasileiro
Folha de S. Paulo
País ocupa 78ª lugar em ranking; agenda para
avanço inclui educação, infraestrutura, reforma tributária e ajuste fiscal
Há muito tempo o país permanece preso em
discussões econômicas conjunturais sobre temas que deveriam estar resolvidos no
meio político, como a necessidade de equilíbrio orçamentário para impulsionar o
desenvolvimento sustentável.
Enquanto isso, perdem-se de vista o
diagnóstico amplo e medidas efetivas a respeito da questão mais essencial para
o progresso —como reverter a estagnação da produtividade do trabalho que já
perdura por quatro décadas.
Se no início dos anos 1980 a produtividade do
trabalhador brasileiro chegou a quase 40% da americana, desde então, e de
maneira continuada, foi se ampliando o distanciamento.
Segundo dados da organização de pesquisa
Conference Board, em 2024 a produtividade por hora trabalhada no Brasil foi de
cerca de US$ 21,44 (numa paridade de poder de compra que evita distorções de
movimentos cambiais), o
que coloca o país na vexatória 78ª posição e abaixo da média numa
amostra de 131 países.
A má colocação brasileira deve-se à
combinação de paralisia doméstica com avanço continuado nos países
desenvolvidos e em outras regiões, notadamente a Ásia. Mesmo na América do
Sul, estão na nossa frente Uruguai (48º
lugar), Argentina (56º)
e Chile (59º),
o que sugere predominância de explicações locais para o fenômeno.
As causas são muitas e devem ser consideradas
no conjunto de suas interações. Uma óbvia, com implicações de longo prazo, é a
baixa qualidade da educação básica,
além da insuficiente conexão entre centros de pesquisa e o mercado de trabalho.
Outro problema grave é a insuficiência
de infraestrutura,
que eleva o custo da produção local. O protecionismo excessivo, com altas
tarifas de importação, também prejudica a competitividade e dificulta a
inserção de empresas brasileiras no mercado mundial.
O sistema tributário também é prejudicial.
Com a
reforma que criou o imposto sobre valor agregado, ao menos, devem ser
minimizados os maus incentivos à estrutura produtiva das empresas, hoje não
raro norteadas apenas pelo acesso a benefícios fiscais.
É necessário, ainda, rever os regimes
especiais, como o Simples, que levam à atomização de negócios em unidades
menores e menos produtivas. O debate sobre esse tema deve superar o populismo e
lidar com o fato de que escala e inserção nas cadeias globais são essenciais.
O alto custo de contratação de mão de obra
com carteira assinada é outro empecilho, pois incentiva a informalidade.
Por fim, é preciso reorientar as prioridades
do Estado, o que depende
de um ajuste fiscal e gerencial que permita manter os gastos sociais,
aprimorar a qualidade do ensino e expandir aportes em infraestrutura e
pesquisa.
Levar a cabo tal agenda demanda alinhamento
de lideranças empresariais, sindicais e do setor público, o que ocorre de forma
lentíssima devido a resistências setoriais e corporativistas.
Mais câmeras policiais, menos mortes
Folha de S. Paulo
Com tecnologia, letalidade causada por PMs na
Bahia cai 8,5%; transparência em operações é crucial para coibir abusos
Novos dados corroboram o princípio de que
políticas públicas devem se basear em evidências, não em ideologia.
As forças de segurança da Bahia registraram,
em 2024, ano da implementação de câmeras nos uniformes das tropas, uma
diminuição de 8,5% nas mortes causadas pela polícia em
relação a 2023.
Embora pareça modesta à primeira vista, a
redução é significativa pois reverte anos de movimento ascendente nas taxas de
letalidade policial do estado, que detém o recorde nefasto em número absoluto
de mortes decorrentes de intervenções de agentes de segurança pública.
Segundo dados do Ministério
da Justiça levantados pela Folha, em 2020 foram registrados 1.140
óbitos desse tipo. Em
2023, o número chegou a 1.702 e, no ano passado, caiu para 1.557.
Mesmo com a redução, a Bahia supera São Paulo,
estado muito mais populoso que está em segundo lugar, com 749 mortes.
Apesar da queda nos números, portanto, o
cenário baiano permanece inaceitável sob o ponto de vista dos direitos humanos.
Mas a redução sinaliza para a eficácia das
câmeras. Após um longo processo de licitação iniciado na gestão de Rui Costa (PT), que comandou o
estado de 2015 a 2022 e hoje é ministro da Casa Civil,
o governo de Jerônimo Rodrigues (PT) instituiu o uso de 1.300 dispositivos em
2024.
Os equipamentos foram incorporados ao
trabalho de dez unidades operacionais da Polícia
Militar em Salvador.
Considerando que o efetivo estadual é de cerca de 33 mil PMs, a medida precisa
ser expandida e avaliada a partir de seus resultados práticos.
A reversão da curva ascendente na letalidade
policial baiana é um indício promissor, mas especialistas concordam que câmeras
corporais não constituem, por si só, uma panaceia.
A tecnologia deve ser acompanhada de vontade
política para reduzir mortes, com treinamento de agentes, monitoramento
contínuo da atuação policial e fortalecimento de órgãos de controle, como
ouvidorias e corregedorias. Trata-se de eliminar a cultura policial que reduz a
segurança pública a enfrentamento ostensivo, que não raro descamba em abusos de
força.
O exemplo da Bahia soma-se ao de outros
estados. Em São Paulo, após expansão do programa, os 18 batalhões que passaram
a usar os dispositivos apresentaram redução
de 85% na letalidade policial entre 2020 e 2021.
As câmeras mostram que o caminho para bons resultados em segurança pública é aquele baseado em inteligência e transparência, não em ações truculentas.
Não se transige com o golpismo
O Estado de S. Paulo
Fala de Hugo Motta, para quem o 8 de Janeiro
‘não foi uma tentativa de golpe’, compõe mosaico de atitudes que se prestam a
relativizar a evidente gravidade da insurgência bolsonarista
O presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), afirmou que “foi grave” o assalto às sedes dos Poderes em
Brasília por uma malta de bolsonaristas inconformados com a eleição do
presidente Lula da Silva, no dia 8 de janeiro de 2023, mas “não uma tentativa
de golpe”. A opinião do deputado sobre o que houve naquele fatídico dia foi
dada durante uma entrevista à Rádio Arapuan FM, de João Pessoa (PB), na
sexta-feira passada.
Segundo Motta, “o que aconteceu não pode ser
admitido novamente, foi uma agressão às instituições”, mas tentativa de golpe
não teria sido porque, em sua visão, “golpe tem de ter um líder, uma pessoa
estimulando, tem de ter o apoio de outras instituições interessadas”. “E não
houve isso”, concluiu. O presidente da Câmara também avaliou que as penas
impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos condenados pela participação
no 8 de Janeiro são “muito severas”.
Independentemente do que pense sobre o 8 de
Janeiro ou, principalmente, sobre o que vai fazer como presidente da Câmara,
Motta tem seus motivos para ter dito o que disse. Decerto não foram poucos os
compromissos que o deputado teve de assumir para viabilizar a aclamação de seu
nome como o sucessor de Arthur Lira (PP-AL). Sejam quais forem, porém, nenhum é
relevante o bastante, à luz do melhor interesse público, para que se admita
qualquer tipo de transigência com o golpismo. Caso contrário, a jovem democracia
brasileira, prestes a completar 40 anos, restará mais fraca, e não mais
vigorosa, passado seu maior teste de estresse sob a égide da Constituição de
1988.
Em que pese sua importância, sendo ele quem
é, a opinião do presidente da Câmara sobre o 8 de Janeiro não pode ser tomada
de forma isolada. Ela compõe um mosaico de atitudes e palavras de
parlamentares, governadores, prefeitos, setores da imprensa e formadores de
opinião que, ao fim e ao cabo, se prestam à relativização da gravidade do que
aconteceu em Brasília.
Há quem reduza a destruição do Palácio do
Planalto, do Congresso e do STF a mera “baderna”, sem que por trás da razia
houvesse uma intenção de subverter a vontade popular consagrada nas urnas em
2022. Fala-se com tremenda naturalidade e desfaçatez em anistiar os
insurgentes, como se todos lá reunidos fossem pacatos senhoras e senhores
“patriotas” preocupados, ora vejam, com o bem do Brasil.
No Congresso, há quem queira reduzir o tempo
de inelegibilidade de políticos condenados pela Justiça com o descarado
propósito de reabilitar Jair Bolsonaro – sem o qual não teria havido o 8 de
Janeiro, é bom enfatizar – com vistas à eleição presidencial do ano que vem.
Como se sabe, Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral à
inelegibilidade até 2030 por abuso de poder político e econômico e uso indevido
dos meios de comunicação.
A rigor, caberá exclusivamente ao Poder
Judiciário dizer se a tomada violenta da capital federal pelos camisas pardas
do bolsonarismo foi ou não uma tentativa de golpe de Estado, à luz da chamada
Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. A Polícia Federal concluiu as
investigações sobre o caso, indiciou dezenas de suspeitos de participação
direta ou indireta na “agressão às instituições”, para usarmos a expressão
empregada por Hugo Motta, e remeteu os autos do inquérito à Procuradoria-Geral
da República (PGR), a quem cabe oferecer ou não denúncia contra os suspeitos à
Justiça.
A decisão sobre a tipificação do 8 de
Janeiro, portanto, está nas mãos da PGR e da Justiça. Dito isso, seria
ingenuidade desconhecer que os terríveis atos havidos em 8 de janeiro de 2023
não representaram, no mínimo, uma clara ameaça à estabilidade institucional do
País, mal saído de uma eleição muitíssimo acirrada. Os danos causados à
democracia não estão circunscritos à destruição material dos prédios públicos,
mas se estendem ao ataque frontal ao processo eleitoral, algo que Bolsonaro
estimulou desde o início de seu tenebroso mandato presidencial.
O País não pode, a quaisquer pretextos,
relativizar o 8 de Janeiro. É de uma Justiça equilibrada, porém implacável, que
advirá a garantia de que uma violência como aquela jamais se repetirá.
Os novos horizontes do crime organizado
O Estado de S. Paulo
Após avançar sobre o mercado e o Estado, a
hidra do crime agora manipula movimentos sociais e influencia a cultura. O mal
é sistêmico e só será debelado com ampla articulação republicana
Turbinadas pelo narcotráfico, as organizações
criminosas brasileiras se expandem pelo mundo com a mesma velocidade
vertiginosa com que se infiltram na economia legal e no Estado nacional.
O Brasil, outrora um mercado consumidor de
cocaína na América Latina, se transformou num dos principais exportadores para
o mundo. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) estima um faturamento
de R$ 335 bilhões, cerca de 4% do PIB nacional. Além disso, as facções exploram
crimes patrimoniais, corrupção de agentes públicos, contrabando, fraudes
digitais, extorsão, lavagem de dinheiro e crimes ambientais.
Com 3% dos habitantes do planeta, o Brasil
responde por 10% dos homicídios. O crime organizado está na raiz do morticínio.
O FBSP estima que o País tenha 72 organizações criminosas – duas delas, o
Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), transnacionais –,
que influenciam diretamente o cotidiano de pelo menos 23 milhões de
brasileiros.
As organizações nascem da ausência do Estado
e prosperam infiltrando-se nele. As duas principais, o CV e o PCC, nasceram nos
presídios e os transformaram em QGs. Na Amazônia, o ecossistema do crime
consolida um Estado paralelo. Em metrópoles como o Rio de Janeiro elas dominam
amplos pedaços do território. As milícias surgiram de bandas podres da polícia
que ofereciam proteção às populações atemorizadas, diversificaram seus negócios
oferecendo serviços públicos clandestinos, até começarem a explorar o narcotráfico.
As facções seguem o caminho inverso. Em São Paulo, há inúmeros indícios de
empresas controladas pelo PCC prestando serviços ao poder público.
Alastrando seus tentáculos sobre a economia e
a política, a hidra do crime organizado se sente confortável para influenciar
políticas públicas e aliciar a cultura. O Ministério Público de São Paulo
recentemente denunciou uma ONG, chamada Pacto Social & Carcerário, que
seria um braço do PCC para atuar supostamente em favor dos direitos dos
encarcerados. Tudo indica que ela tenha participado da produção de um
documentário, O Grito, sobre as condições dos presídios e que está
disponível na Netflix. A presidente da tal ONG participou de reuniões nos
Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos e no Conselho Nacional de
Justiça.
O caso ilustra o círculo vicioso
retroalimentado por miopias à direita e à esquerda. Uma direita adepta da lei
do mais forte resume a segurança pública a penas draconianas e à truculência da
polícia, e se compraz em perpetuar os presídios como sucursais do inferno,
precisamente o que os torna um celeiro de oportunidades para as facções. Em
contraposição, tem-se uma esquerda tatibitate que reduz as causas do crime às
“injustiças sociais” e toda repressão policial a uma certa opressão classista,
como se bastasse substituí-la por programas sociais para eliminar o mal pela
raiz. A narrativa é de que, não fossem as condições degradantes das
penitenciárias, o PCC e o CV jamais teriam surgido. Mas, se o caos carcerário é
condição necessária para explicar o surgimento das facções, não é suficiente
nem a causa principal. Nesse vácuo de sensatez, as organizações criminosas e
seus fantoches prosperam.
É preciso melhorar as condições da população
carente, mas punir duramente os delinquentes. A repressão deve ser implacável,
mas feita com inteligência e nos limites da lei. Para enfrentar o crime
organizado, o País precisa de um Estado organizado. Mais do que endurecer penas
de crimes comuns, é necessária uma legislação antimáfia. Mais do que concentrar
poderes no governo federal, é preciso mais coordenação entre os entes
federados.
O País pode estar longe de se tornar um
narcoestado, mas está mais perto do que na geração passada, acelera o passo e
em alguns territórios já o é. O mal é sistêmico, infecta a economia, a política
e a cultura, e combatê-lo não é tarefa só da polícia ou da Justiça, nem de
políticos, lideranças civis, muito menos dos cidadãos comuns, mas de todos.
Debelar a metástase exigirá uma mobilização popular materializada numa frente
tão ampla, articulada e plural quanto a que sepultou a ditadura militar e
restaurou a democracia.
Hora do alarme
O Estado de S. Paulo
O País deve enfrentar o pior ano de dengue, e
a população precisa entender o tamanho do perigo em curso
Um em cada quatro municípios paulistas está
em epidemia de dengue, informa o Painel de Arboviroses da Secretaria Estadual
de Saúde. Ao longo do mês de janeiro, constatou-se um avanço perturbador do
número de casos – o dobro, quando comparado a 2024, que foi disparadamente o
ano mais trágico na incidência e nas mortes por dengue em todo o País. Chamou a
atenção, também no Estado, o número de óbitos, tanto aqueles já confirmados
como os ainda sob investigação, fechando janeiro com a marca de 45 municípios
em estado de emergência. O perigo, contudo, não está restrito às divisas de São
Paulo: há cenários preocupantes no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins e
Paraná. Até no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde até cinco anos atrás
nem sequer se falava em dengue, o vírus transmitido pelo Aedes aegypti tem
circulado.
Se essas evidências não bastarem para emitir
alertas, em alto e bom som, sobre a gravidade da situação em curso, seria bom
pelo menos ouvir o que disse ao Estadão o infectologista Alexandre
Naime Barbosa, professor de Medicina na Unesp e coordenador científico da
Sociedade Brasileira de Infectologia. “Não há dúvidas em dizer que 2025 vai
ficar marcado, e não estou sendo alarmista ou pessimista. Será o pior ano de
epidemia de dengue de toda a série histórica, não só no Estado de São Paulo,
mas também no Brasil”, disse ele, prevendo que 2025 deve ultrapassar o ano
anterior em número de casos e taxa de mortalidade. Se, portanto, 2024 foi
desastroso – com mais de 6 milhões de casos e quase 6 mil vidas perdidas –,
2025 tende a ser pior, se considerarmos o ritmo deste início de ano.
Ministério da Saúde e autoridades estaduais
costumam ser cautelosos ao antecipar cenários futuros e têm sido cuidadosos ao
expor os prognósticos mais sombrios. Talvez cautelosos demais. Afinal, o
problema existe e há condições propícias a uma maior proliferação do mosquito
transmissor da dengue, entre as quais mais chuvas e temperaturas mais altas,
extremos decorrentes das mudanças climáticas, além de vários sorotipos
circulando simultaneamente, algo que não acontecia havia muitos anos. E o mais
grave: tudo isso convivendo com “uma enorme falta de percepção de risco da
população”, como lembrou o professor. Em outras palavras, anos e anos de
convivência criaram uma sensação de normalidade que, neste momento, se mostra
um perigo.
É preciso dizer com todas as letras: a dengue mata. E boa parte do problema está dentro de casa, com ambientes propícios à proliferação do mosquito. Há medidas corretas em curso envolvendo os governos federal, estaduais e municipais, existe tecnologia disponível para mitigar riscos e, aos poucos, a vacina deve avançar – ainda que se vejam situações de estoques guardados por baixa adesão, limites de quantidade e, portanto, uma vacinação restrita a poucas faixas da população. Enquanto isso, trabalho coletivo, informação, sensibilização e mobilização são tão necessários quanto o alerta, isto é, dizer com clareza para quem puder ouvir que o momento é grave e o risco, elevadíssimo.
Pragmatismo ante ameaça de Trump
Correio Braziliense
Por ora, o que se deve evitar, por ser
contraproducente, é bravatas contra as ameaças da Casa Branca. Expressões como
"se Trump nos taxar, taxamos de volta"
Antes mesmo da posse de Donald Trump na
Presidência dos Estados Unidos, o governo brasileiro trabalhava com um alto
percentual de certeza de que, em poucos dias na Casa Branca, ele deflagraria
uma guerra comercial global de grandes proporções. Não havia qualquer dúvida,
da parte de diplomatas e assessores dos ministérios e agências ligadas ao
comércio exterior brasileiro, de que a China seria alvo na primeira onda e que
seríamos atingidos na segunda ou terceira fase de taxações. A tarifação de 25%
ao aço e ao alumínio que os norte-americanos importam assusta pelo percentual,
e não pelo gesto em si.
De todos os países que entraram na alça de
mira do protecionismo de Trump, a China, inegavelmente, é o mais bem preparado
para retaliar com força e, lá na frente, buscar um acordo que lhe seja
interessante. Os demais, como Canadá, Brasil e México — os três maiores
exportadores de aço, aço semiacabado, laminados, alumínio, sucata de alumínio e
liga de alumínio —, terão de negociar intensamente e estar preparados para
aumentar a cota de venda para outros países, a fim de não amargar prejuízos.
Essa guinada no transatlântico comercial, porém, é lenta, e o horizonte a médio
prazo para a indústria brasileira do setor é de preocupação.
Isso porque, apesar do Brics e do acordo
Mercosul-União Europeia, não é simples propor a um país que compre mais do que
ele está disposto a consumir — ainda mais aos chineses, cujos séculos de
transações comerciais fazem deles negociadores hábeis. Além disso, há um xadrez
geopolítico que deve ser manobrado sem precipitações. Intensificar ainda mais o
fluxo comercial entre Brasil e China nos colocaria na pauta do palavrório
ameaçador de Trump. Algo que, definitivamente, não é interessante.
O que vem aí, a partir da taxação que será
imposta pelos EUA, já se sabe: muita conversa para baixar a tensão, que inclui
a busca de um regime progressivo de tarifação, que empurre para longe o
percentual máximo, a fim de que jamais seja alcançado. Em paralelo, o Brasil
buscará alternativas para desafogar o prejuízo, que começa a ser calculado — e
inclui desemprego e redução da produção.
No sentido oposto, a indústria
norte-americana — como a de semicondutores e a de refino de petróleo —, que tem
no Brasil um mercado forte e seguro, teme a perda de espaço para os chineses,
sempre dispostos a ocupá-lo. Haverá pressão de parte do empresariado dos EUA
para que a participação do Império do Meio na nossa produção de base continue
nas atuais proporções. Isso é um ponto a nosso favor nas tratativas sobre o aço
e o alumínio.
Mas, por ora, o que se deve evitar, por ser contraproducente, é bravatas contra as ameaças da Casa Branca. Expressões como "se Trump nos taxar, taxamos de volta" animam a claque, só que não trazem solução e alimentam maus-humores. O pragmatismo, portanto, é recomendável.
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