terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarifas de Trump exigem cautela do Brasil

O Globo

Política comercial americana é péssima para o mundo. Diplomacia brasileira deve tentar contornar efeitos negativos

A tarifa de 25% anunciada por Donald Trump sobre importações de aço e alumínio afetará as exportações brasileiras, mas seus efeitos ainda devem ser analisados de modo mais detido. No ano passado, o Brasil exportou US$ 4,1 bilhões em aço aos Estados Unidos. Com 15% do mercado local, ficou em segundo lugar entre os fornecedores externos. No alumínio, as exportações e a participação brasileira são bem menores, inferiores a US$ 800 milhões e a 1%. Embora medidas de retaliação sejam a resposta natural a esperar em casos do tipo, o governo brasileiro precisa primeiro avaliar as consequências antes de tomar decisões. Apesar de Trump dizer que não haverá exceção às tarifas, o passado pode servir de guia.

Sob o pretexto de defender a segurança nacional, no início de 2018, ainda no primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados. Duas semanas mais tarde, a Casa Branca informou que, para a União Europeia e para seis países, entre eles o Brasil, as tarifas seriam suspensas até o fim de negociações. Em maio, Trump impôs cotas às exportações brasileiras. Em agosto, nem mais isso estava em vigor. Se o importador americano comprovasse falta de matéria-prima no mercado interno, poderia comprar o produto brasileiro sem pagar 25% a mais em imposto.

É verdade que a intervenção de Trump teve impacto nas siderúrgicas brasileiras. Mas não foi a catástrofe inicialmente prevista. A quantidade embarcada no primeiro semestre de 2018 para os Estados Unidos sofreu queda de 5,7% na comparação com o período em 2017. Porém, em dólares, as vendas brasileiras cresceram 16%, devido ao encarecimento do produto. No fim de 2018, a produção em toneladas e a exportação total em dólares aumentaram em relação ao ano anterior. Ao GLOBO, José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), defendeu que o caminho diante das tarifas é o diálogo. A diplomacia brasileira precisa buscar informações, entender os objetivos dos americanos e dar início a negociações, porque “qualquer decisão agora pode piorar a situação”.

É incerto se voltará a se repetir o que aconteceu em 2018. O discurso falacioso de Trump para justificar o protecionismo é idêntico. Ele afirma trabalhar para diminuir o déficit comercial e aumentar a produção local. Em 2018, as siderúrgicas americanas até ampliaram um pouco o volume de produção, mas aproveitaram para aumentar bastante o preço. Empresas consumidoras de aço, como as montadoras de automóveis, não demoraram a reclamar. É possível que agora ocorra o mesmo. Várias indústrias têm investido em veículos elétricos e enfrentam mais dificuldade de absorver altas no custo de matérias-primas. Em anúncios a investidores, antevendo a guerra tarifária, já previram rentabilidade menor.

Trump despreza as vantagens do livre-comércio, aproveita politicamente a insatisfação de eleitores com a economia aberta e promete radicalizar o ímpeto protecionista. Ainda assim, é necessário separar suas declarações iniciais dos objetivos finais. É possível que o surto tarifário seja uma estratégia para dar início a negociações. Por isso o Brasil precisa evitar decisões apressadas. A política comercial de Trump é péssima para os Estados Unidos e para o mundo. O dever da diplomacia brasileira é buscar soluções para neutralizar ou minimizar seus efeitos negativos.

Governo Lula ainda deve resposta para conter armas em poder de civis

O Globo

Da prisão, líder da maior quadrilha de roubo de carros no Rio orienta ladrões a comprar armamento legal de CACs

Logo ao assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou decretos armamentistas da gestão Jair Bolsonaro, com o objetivo de conter a proliferação de armas nas mãos da população. Em especial, aquelas registradas legalmente na categoria identificada pela sigla CAC (colecionador, atirador desportivo ou caçador). Infelizmente, os resultados até agora foram insuficientes diante dos riscos. Persiste o fluxo contínuo de armas legalizadas a reforçar o arsenal da criminalidade, seja por perda, roubo, furto ou mesmo venda. É o que mostrou na semana passada reportagem do noticiário RJ2, da TV Globo, revelando como um preso considerado o maior responsável pela adulteração de carros roubados no Rio de Janeiro instruía, de dentro da cadeia, um comparsa que queria comprar armas a procurar CACs, porque vendiam pistolas “barato”.

É verdade que as estatísticas mostram desaceleração no crescimento dos CACs. De dezembro de 2020 a dezembro de 2022, a quantidade de armas em poder deles deu um salto de 120%. No governo Lula, dados até julho do ano passado mostram crescimento de 18%. “A situação ficou mais manejável”, diz Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, especialista em segurança pública. “Mas não se parou de comprar armas.” E os registros de CACs continuam a ser feitos no Exército — ainda não foram transferidos à Polícia Federal (PF), como anunciado no início do governo.

Com o tempo, argumenta o governo, o ritmo se reduzirá até estagnar. O cenário político no Congresso, porém, não é favorável. A bancada da bala tem obtido vitórias, como a recente aprovação na Câmara de um Projeto de Lei enfraquecendo o Estatuto do Desarmamento, ao permitir a compra de armas por quem é investigado ou condenado por certos crimes, desde que ainda não tenha saído a sentença definitiva — medida sem cabimento que deveria ser rejeitada pelo Senado.

Ao mesmo tempo, projetos do governo requerem intensa negociação, e a posse e o porte de armas têm sido com frequência objeto de concessões para fazer avançar outras pautas. A postura rígida contra a proliferação de armas com que o governo Lula tomou posse desapareceu. Tanto que, apesar da iniciativa de recadastramento, o arsenal em poder da população continua imenso — estima-se em 1 milhão apenas as armas dos CACs, sem contar as centenas de milhares das forças de segurança em situação irregular.

Risso cita outra evidência do recuo do governo: um “decreto envergonhado”, publicado em 31 de dezembro, transferindo ao campo do esporte uma questão que deveria ser tratada pela ótica da segurança pública. Além das classificações já existentes para CACs, o decreto cria uma categoria especial para atiradores profissionais de competição, de “alto rendimento”. A nova elite de atiradores poderá comprar até 16 armas, oito delas de uso restrito (alto calibre), e ainda terá acesso a 20% mais munição. Criminosos como o ladrão de automóveis que encara os CACs como bons fornecedores de armas e munições devem estar comemorando.

Guerra tarifária de Trump se amplia e atinge o Brasil

Valor Econômico

O acordo Mercosul-União Europeia abre um caminho que o Brasil deveria explorar assiduamente, procurando novos acordos e mercados para minimizar perdas com eventuais bloqueios temporários no comércio com os EUA

A pior ameaça do presidente Donald Trump pode ser sempre a próxima. Depois de estabelecer ontem taxação de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio - “sem exceções ou isenções” - reafirmou que outras penalidades virão para os países que não pratiquem “reciprocidade” de tarifas. No limite, isso significaria a imposição do sistema vigente nos EUA, até há pouco um dos com as menores tarifas do mundo, a todos os países que Trump escolhesse, a seu bel prazer. O Brasil, um dos países mais protegidos do mundo, estará de novo na mira, como o presidente americano deixou escapar nas várias vezes em que o mencionou em suas entrevistas. Trump rompeu todas as regras do comércio global, e o preço do ingresso no maior mercado do mundo será o que ele determinar, com base em suas idiossincrasias.

Em 2018, em seu primeiro mandato, ele instituiu imposto de importação de 25% ao aço e 15% ao alumínio, para depois abrir exceções a seus parceiros comerciais, Canadá e México. O Brasil ficou com sobretaxa no alumínio e cota para o aço semiacabado de 3,5 milhões de toneladas. Essas restrições seriam revistas no fim do ano, mas a determinação de ontem põe fim a regimes de exceção e passam a valer as tarifas extravagantes de 25%. Entre 2018 e 2019, as vendas brasileiras de ferro e aço foram reduzidas em pouco mais de 1 milhão de toneladas, devido, na maior parte, à taxação americana - o ferro não teve sobretaxa. Em 2024, o Brasil exportou US$ 4,67 bilhões em aço aos EUA, ou 15% do total do importado do produto.

A solução de Trump, porém, será um grande problema para os EUA. Não há inteligência, só lei do mais forte, em aumentar os preços de bens de que o país necessita quando ele não é autossuficiente, ainda mais punindo seus principais parceiros comerciais, com os quais os EUA têm um tratado de livre comércio, agora rasgado em mil pedaços. Os preços de alumínio, cobre e aço começaram a subir ontem diante da procura preventiva de suprimento antes que as sobretaxas sejam instituídas. Os EUA são o quinto maior produtor de aço bruto, e importaram US$ 82,1 bilhões de aço e ferro e US$ 27,4 bilhões de alumínio em 2023. No caso do alumínio, a situação é mais grave: os EUA importam 80% do que consomem.

Relações comerciais são também relações de poder, e Trump pretende usar o da nação mais rica do mundo para submeter os demais países a sua vontade. Ao fechar os canais do comércio do país, fazendo-os passar por um filtro tarifário aleatório, irracional, mas sob seu controle, o presidente sabe que os EUA sofrerão pressão enorme de preços. Uma parte do jogo é que Trump quer escolher os países que podem vender para os EUA, uma das maneiras de poder influir também nos preços das mercadorias. Ao substituir regras e diálogo por ultimatos e ameaças, ele pode desencadear uma guerra comercial cujas consequências seriam o recuo do comércio mundial e estagflação americana. Não há vencedores neste conflito.

O mundo mudou e os EUA não são mais a única superpotência. A ascensão chinesa mostrou as vulnerabilidades americanas que, caso pudessem ser revertidas, como Trump quer, teriam um custo enorme para o bolso dos consumidores e das empresas. A China é o parque industrial global, de onde parte um de cada três produtos manufaturados no mundo. No caso do aço em questão, os países do Brics original (China, Índia, Brasil e Rússia) produzem dois terços do total global. A especialização criada pelas cadeias de produção, formadas ao longo de décadas de livre comércio, tem como um corolário que os EUA e muitos outros países não têm competitividade em uma vasta gama de bens e serviços - e nem precisariam, dada a redução de custos que a divisão da produção e do suprimento proporcionou. Querer girar a roda para trás, empilhando custos sobre a indústria americana, é um enorme retrocesso e não tem como dar certo.

Os estragos que Trump causa e causará penalizarão os EUA, mas trarão danos à economia mundial. Os países emergentes, como o Brasil, já se queixavam da invasão do aço chinês a baixo preço, fruto do escoamento de sua superprodução diante de um consumo doméstico em baixa. Ela deve aumentar com o protecionismo americano. Dificilmente a agressão de Trump deixará de engendrar retaliações, nem sempre a resposta mais apropriada. De nada adiantaria, por exemplo, o Brasil retaliar aço e alumínio americanos, pois a quantidade importada é irrisória. A tributação pode ser arma poderosa de retribuição (Dani Rodrik, Valor, ontem). Não será um ambiente saudável, mas essa disputa não foi escolhida por ninguém, exceto Trump.

Ao se tornarem um predador econômico, os EUA levarão os países a buscar alianças comerciais e oportunidades de negócio em outros países. O acordo Mercosul-União Europeia abre um caminho que o Brasil deveria explorar assiduamente, procurando novos acordos e mercados para minimizar perdas com eventuais bloqueios temporários no comércio com os EUA. Hostilizar os EUA seria perda de tempo e dinheiro, até mesmo porque Trump já recuou em outras ocasiões e pode voltar a fazê-lo de novo. Obter a manutenção das cotas do aço, diante da tempestade tarifária, não seria um mau negócio.

Baixa produtividade explica o atraso brasileiro

Folha de S. Paulo

País ocupa 78ª lugar em ranking; agenda para avanço inclui educação, infraestrutura, reforma tributária e ajuste fiscal

Há muito tempo o país permanece preso em discussões econômicas conjunturais sobre temas que deveriam estar resolvidos no meio político, como a necessidade de equilíbrio orçamentário para impulsionar o desenvolvimento sustentável.

Enquanto isso, perdem-se de vista o diagnóstico amplo e medidas efetivas a respeito da questão mais essencial para o progresso —como reverter a estagnação da produtividade do trabalho que já perdura por quatro décadas.

Se no início dos anos 1980 a produtividade do trabalhador brasileiro chegou a quase 40% da americana, desde então, e de maneira continuada, foi se ampliando o distanciamento.

Segundo dados da organização de pesquisa Conference Board, em 2024 a produtividade por hora trabalhada no Brasil foi de cerca de US$ 21,44 (numa paridade de poder de compra que evita distorções de movimentos cambiais), o que coloca o país na vexatória 78ª posição e abaixo da média numa amostra de 131 países.

A má colocação brasileira deve-se à combinação de paralisia doméstica com avanço continuado nos países desenvolvidos e em outras regiões, notadamente a Ásia. Mesmo na América do Sul, estão na nossa frente Uruguai (48º lugar), Argentina (56º) e Chile (59º), o que sugere predominância de explicações locais para o fenômeno.

As causas são muitas e devem ser consideradas no conjunto de suas interações. Uma óbvia, com implicações de longo prazo, é a baixa qualidade da educação básica, além da insuficiente conexão entre centros de pesquisa e o mercado de trabalho.

Outro problema grave é a insuficiência de infraestrutura, que eleva o custo da produção local. O protecionismo excessivo, com altas tarifas de importação, também prejudica a competitividade e dificulta a inserção de empresas brasileiras no mercado mundial.

O sistema tributário também é prejudicial. Com a reforma que criou o imposto sobre valor agregado, ao menos, devem ser minimizados os maus incentivos à estrutura produtiva das empresas, hoje não raro norteadas apenas pelo acesso a benefícios fiscais.

É necessário, ainda, rever os regimes especiais, como o Simples, que levam à atomização de negócios em unidades menores e menos produtivas. O debate sobre esse tema deve superar o populismo e lidar com o fato de que escala e inserção nas cadeias globais são essenciais.

O alto custo de contratação de mão de obra com carteira assinada é outro empecilho, pois incentiva a informalidade.

Por fim, é preciso reorientar as prioridades do Estado, o que depende de um ajuste fiscal e gerencial que permita manter os gastos sociais, aprimorar a qualidade do ensino e expandir aportes em infraestrutura e pesquisa.

Levar a cabo tal agenda demanda alinhamento de lideranças empresariais, sindicais e do setor público, o que ocorre de forma lentíssima devido a resistências setoriais e corporativistas.

Mais câmeras policiais, menos mortes

Folha de S. Paulo

Com tecnologia, letalidade causada por PMs na Bahia cai 8,5%; transparência em operações é crucial para coibir abusos

Novos dados corroboram o princípio de que políticas públicas devem se basear em evidências, não em ideologia.

As forças de segurança da Bahia registraram, em 2024, ano da implementação de câmeras nos uniformes das tropas, uma diminuição de 8,5% nas mortes causadas pela polícia em relação a 2023.

Embora pareça modesta à primeira vista, a redução é significativa pois reverte anos de movimento ascendente nas taxas de letalidade policial do estado, que detém o recorde nefasto em número absoluto de mortes decorrentes de intervenções de agentes de segurança pública.

Segundo dados do Ministério da Justiça levantados pela Folha, em 2020 foram registrados 1.140 óbitos desse tipo. Em 2023, o número chegou a 1.702 e, no ano passado, caiu para 1.557.

Mesmo com a redução, a Bahia supera São Paulo, estado muito mais populoso que está em segundo lugar, com 749 mortes.

Apesar da queda nos números, portanto, o cenário baiano permanece inaceitável sob o ponto de vista dos direitos humanos.

Mas a redução sinaliza para a eficácia das câmeras. Após um longo processo de licitação iniciado na gestão de Rui Costa (PT), que comandou o estado de 2015 a 2022 e hoje é ministro da Casa Civil, o governo de Jerônimo Rodrigues (PT) instituiu o uso de 1.300 dispositivos em 2024.

Os equipamentos foram incorporados ao trabalho de dez unidades operacionais da Polícia Militar em Salvador. Considerando que o efetivo estadual é de cerca de 33 mil PMs, a medida precisa ser expandida e avaliada a partir de seus resultados práticos.

A reversão da curva ascendente na letalidade policial baiana é um indício promissor, mas especialistas concordam que câmeras corporais não constituem, por si só, uma panaceia.

A tecnologia deve ser acompanhada de vontade política para reduzir mortes, com treinamento de agentes, monitoramento contínuo da atuação policial e fortalecimento de órgãos de controle, como ouvidorias e corregedorias. Trata-se de eliminar a cultura policial que reduz a segurança pública a enfrentamento ostensivo, que não raro descamba em abusos de força.

O exemplo da Bahia soma-se ao de outros estados. Em São Paulo, após expansão do programa, os 18 batalhões que passaram a usar os dispositivos apresentaram redução de 85% na letalidade policial entre 2020 e 2021.

As câmeras mostram que o caminho para bons resultados em segurança pública é aquele baseado em inteligência e transparência, não em ações truculentas.

Não se transige com o golpismo

O Estado de S. Paulo

Fala de Hugo Motta, para quem o 8 de Janeiro ‘não foi uma tentativa de golpe’, compõe mosaico de atitudes que se prestam a relativizar a evidente gravidade da insurgência bolsonarista

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que “foi grave” o assalto às sedes dos Poderes em Brasília por uma malta de bolsonaristas inconformados com a eleição do presidente Lula da Silva, no dia 8 de janeiro de 2023, mas “não uma tentativa de golpe”. A opinião do deputado sobre o que houve naquele fatídico dia foi dada durante uma entrevista à Rádio Arapuan FM, de João Pessoa (PB), na sexta-feira passada.

Segundo Motta, “o que aconteceu não pode ser admitido novamente, foi uma agressão às instituições”, mas tentativa de golpe não teria sido porque, em sua visão, “golpe tem de ter um líder, uma pessoa estimulando, tem de ter o apoio de outras instituições interessadas”. “E não houve isso”, concluiu. O presidente da Câmara também avaliou que as penas impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos condenados pela participação no 8 de Janeiro são “muito severas”.

Independentemente do que pense sobre o 8 de Janeiro ou, principalmente, sobre o que vai fazer como presidente da Câmara, Motta tem seus motivos para ter dito o que disse. Decerto não foram poucos os compromissos que o deputado teve de assumir para viabilizar a aclamação de seu nome como o sucessor de Arthur Lira (PP-AL). Sejam quais forem, porém, nenhum é relevante o bastante, à luz do melhor interesse público, para que se admita qualquer tipo de transigência com o golpismo. Caso contrário, a jovem democracia brasileira, prestes a completar 40 anos, restará mais fraca, e não mais vigorosa, passado seu maior teste de estresse sob a égide da Constituição de 1988.

Em que pese sua importância, sendo ele quem é, a opinião do presidente da Câmara sobre o 8 de Janeiro não pode ser tomada de forma isolada. Ela compõe um mosaico de atitudes e palavras de parlamentares, governadores, prefeitos, setores da imprensa e formadores de opinião que, ao fim e ao cabo, se prestam à relativização da gravidade do que aconteceu em Brasília.

Há quem reduza a destruição do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF a mera “baderna”, sem que por trás da razia houvesse uma intenção de subverter a vontade popular consagrada nas urnas em 2022. Fala-se com tremenda naturalidade e desfaçatez em anistiar os insurgentes, como se todos lá reunidos fossem pacatos senhoras e senhores “patriotas” preocupados, ora vejam, com o bem do Brasil.

No Congresso, há quem queira reduzir o tempo de inelegibilidade de políticos condenados pela Justiça com o descarado propósito de reabilitar Jair Bolsonaro – sem o qual não teria havido o 8 de Janeiro, é bom enfatizar – com vistas à eleição presidencial do ano que vem. Como se sabe, Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral à inelegibilidade até 2030 por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação.

A rigor, caberá exclusivamente ao Poder Judiciário dizer se a tomada violenta da capital federal pelos camisas pardas do bolsonarismo foi ou não uma tentativa de golpe de Estado, à luz da chamada Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. A Polícia Federal concluiu as investigações sobre o caso, indiciou dezenas de suspeitos de participação direta ou indireta na “agressão às instituições”, para usarmos a expressão empregada por Hugo Motta, e remeteu os autos do inquérito à Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe oferecer ou não denúncia contra os suspeitos à Justiça.

A decisão sobre a tipificação do 8 de Janeiro, portanto, está nas mãos da PGR e da Justiça. Dito isso, seria ingenuidade desconhecer que os terríveis atos havidos em 8 de janeiro de 2023 não representaram, no mínimo, uma clara ameaça à estabilidade institucional do País, mal saído de uma eleição muitíssimo acirrada. Os danos causados à democracia não estão circunscritos à destruição material dos prédios públicos, mas se estendem ao ataque frontal ao processo eleitoral, algo que Bolsonaro estimulou desde o início de seu tenebroso mandato presidencial.

O País não pode, a quaisquer pretextos, relativizar o 8 de Janeiro. É de uma Justiça equilibrada, porém implacável, que advirá a garantia de que uma violência como aquela jamais se repetirá.

Os novos horizontes do crime organizado

O Estado de S. Paulo

Após avançar sobre o mercado e o Estado, a hidra do crime agora manipula movimentos sociais e influencia a cultura. O mal é sistêmico e só será debelado com ampla articulação republicana

Turbinadas pelo narcotráfico, as organizações criminosas brasileiras se expandem pelo mundo com a mesma velocidade vertiginosa com que se infiltram na economia legal e no Estado nacional.

O Brasil, outrora um mercado consumidor de cocaína na América Latina, se transformou num dos principais exportadores para o mundo. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) estima um faturamento de R$ 335 bilhões, cerca de 4% do PIB nacional. Além disso, as facções exploram crimes patrimoniais, corrupção de agentes públicos, contrabando, fraudes digitais, extorsão, lavagem de dinheiro e crimes ambientais.

Com 3% dos habitantes do planeta, o Brasil responde por 10% dos homicídios. O crime organizado está na raiz do morticínio. O FBSP estima que o País tenha 72 organizações criminosas – duas delas, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), transnacionais –, que influenciam diretamente o cotidiano de pelo menos 23 milhões de brasileiros.

As organizações nascem da ausência do Estado e prosperam infiltrando-se nele. As duas principais, o CV e o PCC, nasceram nos presídios e os transformaram em QGs. Na Amazônia, o ecossistema do crime consolida um Estado paralelo. Em metrópoles como o Rio de Janeiro elas dominam amplos pedaços do território. As milícias surgiram de bandas podres da polícia que ofereciam proteção às populações atemorizadas, diversificaram seus negócios oferecendo serviços públicos clandestinos, até começarem a explorar o narcotráfico. As facções seguem o caminho inverso. Em São Paulo, há inúmeros indícios de empresas controladas pelo PCC prestando serviços ao poder público.

Alastrando seus tentáculos sobre a economia e a política, a hidra do crime organizado se sente confortável para influenciar políticas públicas e aliciar a cultura. O Ministério Público de São Paulo recentemente denunciou uma ONG, chamada Pacto Social & Carcerário, que seria um braço do PCC para atuar supostamente em favor dos direitos dos encarcerados. Tudo indica que ela tenha participado da produção de um documentário, O Grito, sobre as condições dos presídios e que está disponível na Netflix. A presidente da tal ONG participou de reuniões nos Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos e no Conselho Nacional de Justiça.

O caso ilustra o círculo vicioso retroalimentado por miopias à direita e à esquerda. Uma direita adepta da lei do mais forte resume a segurança pública a penas draconianas e à truculência da polícia, e se compraz em perpetuar os presídios como sucursais do inferno, precisamente o que os torna um celeiro de oportunidades para as facções. Em contraposição, tem-se uma esquerda tatibitate que reduz as causas do crime às “injustiças sociais” e toda repressão policial a uma certa opressão classista, como se bastasse substituí-la por programas sociais para eliminar o mal pela raiz. A narrativa é de que, não fossem as condições degradantes das penitenciárias, o PCC e o CV jamais teriam surgido. Mas, se o caos carcerário é condição necessária para explicar o surgimento das facções, não é suficiente nem a causa principal. Nesse vácuo de sensatez, as organizações criminosas e seus fantoches prosperam.

É preciso melhorar as condições da população carente, mas punir duramente os delinquentes. A repressão deve ser implacável, mas feita com inteligência e nos limites da lei. Para enfrentar o crime organizado, o País precisa de um Estado organizado. Mais do que endurecer penas de crimes comuns, é necessária uma legislação antimáfia. Mais do que concentrar poderes no governo federal, é preciso mais coordenação entre os entes federados.

O País pode estar longe de se tornar um narcoestado, mas está mais perto do que na geração passada, acelera o passo e em alguns territórios já o é. O mal é sistêmico, infecta a economia, a política e a cultura, e combatê-lo não é tarefa só da polícia ou da Justiça, nem de políticos, lideranças civis, muito menos dos cidadãos comuns, mas de todos. Debelar a metástase exigirá uma mobilização popular materializada numa frente tão ampla, articulada e plural quanto a que sepultou a ditadura militar e restaurou a democracia.

Hora do alarme

O Estado de S. Paulo

O País deve enfrentar o pior ano de dengue, e a população precisa entender o tamanho do perigo em curso

Um em cada quatro municípios paulistas está em epidemia de dengue, informa o Painel de Arboviroses da Secretaria Estadual de Saúde. Ao longo do mês de janeiro, constatou-se um avanço perturbador do número de casos – o dobro, quando comparado a 2024, que foi disparadamente o ano mais trágico na incidência e nas mortes por dengue em todo o País. Chamou a atenção, também no Estado, o número de óbitos, tanto aqueles já confirmados como os ainda sob investigação, fechando janeiro com a marca de 45 municípios em estado de emergência. O perigo, contudo, não está restrito às divisas de São Paulo: há cenários preocupantes no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins e Paraná. Até no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde até cinco anos atrás nem sequer se falava em dengue, o vírus transmitido pelo Aedes aegypti tem circulado.

Se essas evidências não bastarem para emitir alertas, em alto e bom som, sobre a gravidade da situação em curso, seria bom pelo menos ouvir o que disse ao Estadão o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor de Medicina na Unesp e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Não há dúvidas em dizer que 2025 vai ficar marcado, e não estou sendo alarmista ou pessimista. Será o pior ano de epidemia de dengue de toda a série histórica, não só no Estado de São Paulo, mas também no Brasil”, disse ele, prevendo que 2025 deve ultrapassar o ano anterior em número de casos e taxa de mortalidade. Se, portanto, 2024 foi desastroso – com mais de 6 milhões de casos e quase 6 mil vidas perdidas –, 2025 tende a ser pior, se considerarmos o ritmo deste início de ano.

Ministério da Saúde e autoridades estaduais costumam ser cautelosos ao antecipar cenários futuros e têm sido cuidadosos ao expor os prognósticos mais sombrios. Talvez cautelosos demais. Afinal, o problema existe e há condições propícias a uma maior proliferação do mosquito transmissor da dengue, entre as quais mais chuvas e temperaturas mais altas, extremos decorrentes das mudanças climáticas, além de vários sorotipos circulando simultaneamente, algo que não acontecia havia muitos anos. E o mais grave: tudo isso convivendo com “uma enorme falta de percepção de risco da população”, como lembrou o professor. Em outras palavras, anos e anos de convivência criaram uma sensação de normalidade que, neste momento, se mostra um perigo.

É preciso dizer com todas as letras: a dengue mata. E boa parte do problema está dentro de casa, com ambientes propícios à proliferação do mosquito. Há medidas corretas em curso envolvendo os governos federal, estaduais e municipais, existe tecnologia disponível para mitigar riscos e, aos poucos, a vacina deve avançar – ainda que se vejam situações de estoques guardados por baixa adesão, limites de quantidade e, portanto, uma vacinação restrita a poucas faixas da população. Enquanto isso, trabalho coletivo, informação, sensibilização e mobilização são tão necessários quanto o alerta, isto é, dizer com clareza para quem puder ouvir que o momento é grave e o risco, elevadíssimo.

Pragmatismo ante ameaça de Trump

Correio Braziliense

Por ora, o que se deve evitar, por ser contraproducente, é bravatas contra as ameaças da Casa Branca. Expressões como "se Trump nos taxar, taxamos de volta"

Antes mesmo da posse de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos, o governo brasileiro trabalhava com um alto percentual de certeza de que, em poucos dias na Casa Branca, ele deflagraria uma guerra comercial global de grandes proporções. Não havia qualquer dúvida, da parte de diplomatas e assessores dos ministérios e agências ligadas ao comércio exterior brasileiro, de que a China seria alvo na primeira onda e que seríamos atingidos na segunda ou terceira fase de taxações. A tarifação de 25% ao aço e ao alumínio que os norte-americanos importam assusta pelo percentual, e não pelo gesto em si.

De todos os países que entraram na alça de mira do protecionismo de Trump, a China, inegavelmente, é o mais bem preparado para retaliar com força e, lá na frente, buscar um acordo que lhe seja interessante. Os demais, como Canadá, Brasil e México — os três maiores exportadores de aço, aço semiacabado, laminados, alumínio, sucata de alumínio e liga de alumínio —, terão de negociar intensamente e estar preparados para aumentar a cota de venda para outros países, a fim de não amargar prejuízos. Essa guinada no transatlântico comercial, porém, é lenta, e o horizonte a médio prazo para a indústria brasileira do setor é de preocupação.

Isso porque, apesar do Brics e do acordo Mercosul-União Europeia, não é simples propor a um país que compre mais do que ele está disposto a consumir — ainda mais aos chineses, cujos séculos de transações comerciais fazem deles negociadores hábeis. Além disso, há um xadrez geopolítico que deve ser manobrado sem precipitações. Intensificar ainda mais o fluxo comercial entre Brasil e China nos colocaria na pauta do palavrório ameaçador de Trump. Algo que, definitivamente, não é interessante.

O que vem aí, a partir da taxação que será imposta pelos EUA, já se sabe: muita conversa para baixar a tensão, que inclui a busca de um regime progressivo de tarifação, que empurre para longe o percentual máximo, a fim de que jamais seja alcançado. Em paralelo, o Brasil buscará alternativas para desafogar o prejuízo, que começa a ser calculado — e inclui desemprego e redução da produção.

No sentido oposto, a indústria norte-americana — como a de semicondutores e a de refino de petróleo —, que tem no Brasil um mercado forte e seguro, teme a perda de espaço para os chineses, sempre dispostos a ocupá-lo. Haverá pressão de parte do empresariado dos EUA para que a participação do Império do Meio na nossa produção de base continue nas atuais proporções. Isso é um ponto a nosso favor nas tratativas sobre o aço e o alumínio.

Mas, por ora, o que se deve evitar, por ser contraproducente, é bravatas contra as ameaças da Casa Branca. Expressões como "se Trump nos taxar, taxamos de volta" animam a claque, só que não trazem solução e alimentam maus-humores. O pragmatismo, portanto, é recomendável.

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