sábado, 8 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Em vez de 25, governo deveria ter duas prioridades

O Globo

Executivo e Legislativo precisam se unir para conter gastos públicos e limitar emendas parlamentares

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou ao novo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), uma relação com 25 projetos que considera prioritários para a economia. Ora, quem tem 25 prioridades, na realidade, não tem nenhuma. O problema é ainda mais grave. Estão fora da lista de Haddad as duas — apenas duas — prioridades a que Executivo e Legislativo deveriam se dedicar neste ano e no próximo. Primeira: um ajuste fiscal capaz de estabilizar a dívida pública em horizonte tangível. Segunda: impor transparência e limites à farra das emendas parlamentares, as maiores do mundo quando medidas em proporção ao Orçamento.

A dívida pública brasileira cresce sem parar. Neste governo, deverá aumentar entre 12 e 14 pontos percentuais pelas previsões. À medida que o tempo passa, fica mais caro financiá-la. Prova disso são as atuais ofertas de títulos públicos indexados à inflação, com taxas de retorno real próximas de 8% ao ano. Até agora, o governo finge que o problema não existe. Insiste em dizer estar cumprindo as metas do arcabouço fiscal, sem reconhecer que as atuais regras, cheias de buracos e exceções, são insuficientes para estancar o endividamento. Diante do tsunami em formação, se gaba de erguer uma mureta de 30 centímetros.

Resort do crime - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Atribuir responsabilidade sobre a segurança na cidade ao STF é hipocrisia

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da ADPF 635, a chamada ADPF das Favelas, pela qual se busca a elaboração de um plano para a redução da letalidade policial no Rio de Janeiro. Para muitos, ao propor limites para o uso da força letal em operações policiais, o Supremo estaria inibindo o combate ao crime organizado. Mais do que isso, estaria invadindo competência que foi conferida aos Estados.

Embora tenham forte ressonância junto ao eleitor, ambos argumentos são equivocados.

Em primeiro lugar, o surgimento, crescimento, enraizamento e domínio do crime organizado no Rio de Janeiro, ou em outras regiões do Brasil, precede, em muito, qualquer intervenção do Supremo.

Se o Rio está se tornando um "resort do crime organizado", como sugere o prefeito, isso decorre diretamente da conduta de muitas gerações de governantes que negligenciaram, por completo, o direito dos cidadãos à segurança. Atribuir responsabilidade ao Supremo é ato de hipocrisia.

Também não procede o argumento de que a intervenção do Supremo seja indevida. Embora a competência primária pela política de segurança seja do Executivo, tanto no plano estadual como no federal, cumpre ao Judiciário, quando devidamente provocado, aferir a compatibilidade de uma determinada política pública com preceitos fundamentais da Constituição. E é exatamente isso o que está ocorrendo nessa ADPF.

Prece atendida, punição efetivada - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Mudanças políticas desejadas décadas atrás acabaram se tornando realidade, mas resultado é ruim

"Quando os deuses querem nos punir, eles atendem a nossas preces", escreveu Oscar Wilde.

Não muito tempo atrás, nos não tão longínquos anos 1990, cientistas políticos, jornalistas e grande parte do público informado se queixavam da pouca diferenciação ideológica entre os principais partidos políticos do Ocidente. Brincava-se que não fazia muita diferença se vencesse Bill Clinton ou Bob Dole, desde que Alan Greenspan permanecesse à frente do banco central americano.

Dando nomes aos bois, pedia-se mais polarização. Ela veio, mas chegou em duas modalidades, a política, que era a desejada, e também a afetiva, que é a que envenena o ambiente, separa famílias e rompe amizades.

'Quando a política significa bandidagem - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Mudança na Lei da Ficha Limpa derruba moralidade para tentar favorecer Bolsonaro

Nas redes sociais há um conceito comum aos dois grupos que vivem a trocar provocações, xingamentos e ameaças. Diz o seguinte: "Não tenho bandido de estimação", com bandido significando político.

Banalidade que só serve para alimentar a rinha, é uma falsa manifestação de independência. Em regra, quem a escreve é um fanático que está ali a defender o bandido predileto.

Lula armou a arapuca para o BC – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

A política econômica é inflacionária, aumenta a dívida e gera desvalorização do real

Não foi o Banco Central que colocou o governo Lula numa arapuca. É o contrário. O Banco Central está tentando desarmar as arapucas deixadas pela política econômica.

Todo mundo sabe que a cotação do dólar depende do que acontece nos Estados Unidos. Quando o dólar se fortalece nos Estados Unidos, todas as demais moedas se desvalorizam. Algumas mais que outras. O real é a que, em geral, se desvaloriza mais. Só pode ser por questões internas — e não é pela ação do Banco Central, como diz o presidente Lula.

Projeto que enfraquece Ficha Limpa é um escárnio - Roberto Livianu

O Globo

Punição de dois anos equivaleria a condenar um homicida a doar cestas básicas ou um estuprador a prestar serviços à comunidade

Há muito poucas leis no Brasil originadas de projetos de iniciativa popular. Uma dessas raridades é a Lei da Ficha Limpa, que visa a tirar da urna eletrônica e afastar da vida política os maus políticos. Sua principal arma jurídica, registre-se, é a inelegibilidade por oito anos. Entendeu-se pela constitucionalidade e decidiu-se, no Supremo Tribunal Federal, que a pena deve ser aplicada após o trânsito em julgado da sentença (após ela se tornar definitiva, não cabendo mais recurso).

Regular mídias sociais é tarefa do Congresso – Pablo Ortellado

O Globo

Regramento precisa ser acordado entre as forças políticas do país

Em entrevista a rádios da Bahia, na quinta-feira, Lula disse que, se o Congresso não regular as mídias sociais, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve fazê-lo. Ele está errado. A regulação das mídias sociais deve ser tarefa do Parlamento, e não do Supremo. Em matéria tão controversa, o regramento precisa ser acordado entre as forças políticas do país.

Faz cinco anos que o Brasil discute a regulação das mídias sociais, desde que o Projeto de Lei 2630 foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira, em 2020. Depois de quatro anos de debate intenso e escrutínio público, a proposta foi engavetada, em abril do ano passado, pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele reconheceu que o projeto não havia atingido grau mínimo de consenso.

Receita para regular as redes - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Surge uma nova oportunidade, que será desperdiçada

As ditaduras buscam o controle dos grandes meios de comunicação. Trump resolveu imitá-las, estabelecendo uma aliança entre a Casa Branca e as plataformas globais de Musk e Zuckerberg. O evento reativa, no Brasil, o debate sobre a regulação das redes (anti)sociais. Na nova legislatura, o governo Lula tentará avançar algum projeto regulatório.

Do ponto de vista puramente intelectual, é fácil delinear os princípios de uma regulação democrática das redes:

Entrevista | José Roberto Mendonça de Barros: ‘O pior da inflação dos alimentos já passou’

O Estado de S. Paulo

Economista diz que safra maior de grãos deve conter preços e que facilitar importações não resolve Economista, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda; é sócio da MB Associados

“Importar talvez não vá resolver o problema, porque o Brasil é mais competitivo na maior parte dos produtos agrícolas. Há poucos itens que poderíamos importar, cujos preços lá fora possam ser menores que os locais’

O economista José Roberto Mendonça de Barros avalia que “o pior já passou” em relação à inflação dos alimentos, o que deve implicar em menor pressão inflacionária de alimentos neste ano. A previsão da MB Associados, consultoria da qual é sócio, é de aumento de 6% neste ano, ante 8,2% de 2024. Em 2024, segundo ele, houve uma tempestade perfeita, com demanda aquecida e choques na oferta.

O alívio neste ano vem da maior produção de grãos, enquanto carnes, café e laranja devem continuar com preços elevados, aponta o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Deve haver melhora a partir do segundo trimestre, até aparecer os efeitos da entrada da safra no atacado, na indústria e varejo”, disse o economista em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Os guizos falsos da alegria - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Com um pé nas costas, apresentamos como reais coisas que, examinadas com cuidado, são meras contrafações

De uma coisa nós, brasileiros, não podemos nos queixar: o mundo nos admira; nos vê como um povo alegre e notavelmente criativo.

E não é para menos. Vejam só. Não há outro país que, trabalhando só 161 dias por ano, como o professor José Pastore calculou a partir da proposta de regime 4x3, se mantenha na posição de oitava economia do mundo. Quando alguém nos lembra disso, nos enchemos de orgulho e deixamos de lado o fato de termos uma população de mais de 210 milhões, da qual pelo menos 30% é semianalfabeta.

Relatora da CPMI do 8/1, Eliziane Gama rebate Hugo Motta: "Houve tentativa de golpe"

Gabriella Braz / Correio Braziliense

Na manhã desta sexta, Hugo Motta afirmou que os atentados de 8 de janeiro não foram uma tentativa golpe

A relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro de 2023, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), rebateu comentário do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que disse não ter havido tentativa de golpe no 8/1. Em publicação no X nesta sexta-feira (7/2), a parlamentar afirmou que não há dúvidas da tentativa de golpe e que ofensiva contra o Estado Democrático foi orquestrada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

“Como relatora da CPMI posso atestar categoricamente: após 5 meses de investigação, de receber centenas de documentos e de ouvir dezenas de testemunhas, houve tentativa de golpe e o responsável por liderar esses ataques tem nome e sobrenome”, escreveu. Eliziane ainda convidou “quem, por ventura, ainda tiver alguma dúvida”, a ler o relatório final da CPMI, publicado em outubro de 2023. 

Um novo Nero - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Os dirigentes ocidentais estão muito assustados. O brasileiro faz o que pode para se desviar das estocadas originadas em Washington. Mas, um dia haverá, algum tipo de confronto

Inflação não derruba governo, mas prejudica muito a administração. O governante, diante da alta de preços, é levado a fazer acordos e negociações que não faria em tempos normais. No Brasil, na época da hiperinflação, o governo tentou vários planos, elaborados pelos economistas da casa e todos fracassaram. O Brasil chegou a ter inflação perto de 100% em apenas um mês. Os militares foram obrigados a entregar o poder, entre outras razões, por causa da inflação forte. O fenômeno desestabiliza.

O presidente Lula está assustado com a subida dos preços. Fala disso a todo momento e anuncia reuniões e mais reuniões. É uma característica da atual administração. Convoca reuniões, cria grupos de trabalho que é o melhor caminho para não resolver absolutamente nada. De tudo o que foi falado, desde que os números oficiais começaram a desabar no Palácio do Planalto,  falou-se em diversos encontros entre autoridades de um lado e de outro e os números continuam subindo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com sua pinta de professor universitário, explica o problema, mas não o resolve.

A economia e os economistas - Marcus Pestana

Ninguém tem dúvidas sobre a centralidade da economia na vida da sociedade. Não é um vetor absoluto, mas preponderante. Produção, circulação de mercadorias, moeda, juros, distribuição de riquezas, formas de organização do trabalho, crédito, consumo, renda, inflação, câmbio, orçamento, investimento são traços fundamentais de um país e de qualquer ciclo histórico. É evidente que as dimensões políticas e culturais têm forte papel no desenho da dinâmica social. Mas a base de tudo é a economia.  

Para os leigos, o economês – língua fechada dos economistas, às vezes, ininteligível e árida – torna a compreensão do funcionamento da economia ainda mais complexa e difícil. O engessamento da cabeça dos economistas com modelos teóricos rígidos e o distanciamento do cotidiano das pessoas comuns dificultam a comunicação com os pobres mortais não especialistas. O diálogo é obstruído por ruídos excessivos e evitáveis. A abstração excessiva, a falta de paciência e didática, a inabilidade emocional e a complexidade do assunto tornam quase impossível à população digerir e processar as informações oferecidas pelos especialistas.

País órfão - Cristovam Buarque

Veja  

As prioridades mais urgentes dependem da educação de base

A educação é órfã da República, tanto quanto foi do Império. Independentemente do partido e da ideologia dos dirigentes em cada momento, o ensino de qualidade para todos nunca foi tratado como vetor de nosso progresso. Não tivemos presidente educacionista que implantasse um sistema com qualidade e equidade para cada criança brasileira desde seu nascimento. Nestes quarenta anos de democracia, tivemos nove eleições presidenciais, mas o número de adultos analfabetos plenos continua praticamente o mesmo, acima de 10 milhões. O número de escolas, de vagas e o dinheiro aplicado cresceram, mas não melhoramos nossa posição como um dos países com pior qualidade na educação e provavelmente aquele com maior desigualdade conforme a renda da família.

Vila Alegria – Um Conto de Terror - Cláudio Carraly*

Foi um ano difícil. Aproveitei o recesso do trabalho para pegar a estrada e fazer um balanço do ano que passara e do que estava por vir. Sabia mais ou menos onde queria chegar, mas o tempo não era importante. Iria parando aqui e pernoitando lá, sem pressa de chegar ao meu destino. A tarde caía pesadamente sobre a estrada poeirenta que serpenteava um local chamado Vila Alegria. Seus raios dourados, em vez de trazerem o calor reconfortante, lançavam uma sombra que bruxuleava sobre o lugar, como se o próprio sol temesse iluminar totalmente os segredos enterrados sob o véu da história e da tradição. Como estava perto do anoitecer, resolvi ficar por ali essa noite.

Ao adentrar os limites da vila, fui recebido por um silêncio que não costumamos conhecer, como se as próprias ruas desertas guardassem segredos proibidos. Os moradores, pareciam pálidas de suas próprias existências, trocavam entre si saudações vazias, seus olhares desprovidos de qualquer brilho. — Bem-vindo à Vila Alegria, murmurou um velho pescador, suas palavras pairando no ar eram desconexas de seu olhar perdido e vazio. Instalei-me na modesta pousada na rua principal da cidade, onde o proprietário, um homem taciturno de semblante cansado, murmurou advertências sombrias sobre cuidados na estadia, deixando-me inquieto com suas meias-palavras e sugestões de prudência. Vários moradores rondavam o lugar com curiosidade. À medida que a noite caía, uma sensação de inquietação se apossava de mim.

Poesia | Quem sabe um dia! de Mário Quintana

 

Música | Casuarina - A Roda Morreu