domingo, 9 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Enfraquecer Lei da Ficha Limpa é ofensa ao eleitor

O Globo

Projeto oportunista que quer reduzir prazo de inelegibilidade representa retrocesso institucional

É um acinte o Projeto de Lei Complementar (PLP) que propõe mudar a Lei da Ficha Limpa, para reduzir de oito anos a apenas dois o prazo de inelegibilidade de políticos condenados em segunda instância. A proposta do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aguardando parecer do relator, deputado Filipe Barros (PL-PR). Nunes alega que o prazo de oito anos é “absurdo”. Ora, absurdo é abrir as portas do Executivo e do Legislativo a criminosos condenados.

Apesar de pernicioso para a sociedade e para a democracia, o projeto tem ganhado fôlego. Já soma mais de 70 assinaturas, reunindo deputados da oposição bolsonarista e da base governista. Nos últimos dias, foi endossado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Oito anos representam quatro eleições no modelo democrático que temos, e quatro eleições são basicamente uma eternidade”, disse Motta. Trata-se de uma declaração sem sentido. O Brasil tem pautas muito mais relevantes e urgentes.

Ainda em choque – Dorrit Harazim

O Globo

A ideia de Donald Trump é atordoar até obter submissão, nem que seja por cansaço

Estão equivocados os analistas que, à falta de ferramenta mais adequada para explicar o método de poder performático usado por Donald Trump, recorrem à conhecida “teoria do louco”. Ela foi adotada por Richard Nixon em meados do século passado, quando os Estados Unidos já não conseguiam mais extricar-se do atoleiro militar no Vietnã. Nixon fora eleito presidente em 1968 e queria fazer chegar aos ouvidos dos comunistas de Hanoi e apoiadores no Kremlin que sua paciência tinha limites. Segundo o livro de memórias de H.R. Haldeman, então chefe da Casa Civil, Nixon usou agentes e diplomatas para disseminar a ideia de ser irascível, homem de rompantes irracionais. Segundo o relato do próprio Haldeman, ele lhe disse:

— Quero que os norte-vietnamitas pensem que farei qualquer coisa para acabar com a guerra, que tenho obsessão por comunistas, que ninguém pode me conter e que tenho uma mão no botão nuclear.

Como se soube depois, os norte-vietnamitas realmente consideravam Nixon o líder capitalista mais perigoso do mundo, mas nem por isso aceitaram uma paz qualquer. Combateram até a vitória final.

Pondo os números da comida na mesa - Míriam Leitão

O Globo

Alguns preços continuarão pressionados, mas a inflação de alimentos deste ano será mais baixa do que no ano passado

No preço dos alimentos, o pior passou. Quem diz é o economista José Roberto Mendonça de Barros. Isso não significa vida fácil. Alguns preços continuarão pressionados, mas a inflação de alimentos deste ano será mais baixa do que no ano passado. A supersafra de soja deve derrubar deve derrubar as cotações internacionais, reduzir o preços da ração, que, por sua vez, diminui o custo de aves e suínos. Carne bovina continua no ciclo altista do boi. O café continuará amargo.

O custo do alimento é o mais sensível, bate no orçamento familiar, aumenta o mau humor da população com os governos, mas as intervenções estatais no passado deram muito errado. Há medidas que o governo pode tomar, mas é bem menos óbvio do que parece aos políticos. O assunto virou parte da guerra dos bonés, mas, nesse ponto, a oposição não tem razão alguma: os preços de alimentos explodiram no governo Bolsonaro. Quando a demagogia entra no assunto, o melhor remédio é olhar os números.

O semipresidencialismo é uma jabuticaba política – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O semipresidencialismo da emenda Hauly é um eufemismo, um parlamentarismo de inspiração francesa, no qual o presidente da República ainda tem muito poder

A proposta de emenda à Constituição (PEC) que propõe o semipresidencialismo e o voto distrital misto no Brasil a partir das eleições de 2030, apresentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly-PR) e outros parlamentares de Centro à Câmara dos Deputados, é vista por muitos caciques do Congresso como a melhor alternativa para evitar novos impeachments. Resgata uma antiga proposição (PEC 20/29) do ex-deputado Eduardo Jorge, que hoje lidera movimento em rede denominado Livres da Polarização, ao lado do ex-deputado Roberto Freire, do cientista político Augusto de Franco e do vereador Gilberto Natalini (PV).

No semipresidencialismo, o presidente eleito pelo voto popular direto divide o poder com um primeiro-ministro nomeado por ele, ouvindo os partidos com maiores representações na Câmara. O Brasil teve dois regimes semelhantes, o "parlamentarismo às avessas" do Segundo Reinado, cujo poder moderador era exercido pelo imperador Pedro II, uma grande jabuticaba institucional, e a "República Parlamentarista" do começo dos anos 1960, no governo João Goulart.

Em 1847, o Imperador deixou de nomear todos os ministros, passando a nomear apenas o presidente do Conselho, que, por sua vez, escolhia os demais integrantes do ministério, de acordo com o parlamento. Evitava o desgaste político, sem que este tivesse diminuída sua autoridade, em um sistema inspirado no parlamentarismo britânico. O  modelo durou 42 anos, ou seja, até a proclamação da República.

A segunda experiência foi a breve "República Parlamentarista", uma fase do governo João Goulart, de 8 de setembro de 1961 a 24 de janeiro de 1963, o que corresponde a 1 ano, 4 meses e 17 dias (504 dias). Em meio a uma crise militar, a adoção do parlamentarismo foi a contrapartida para a posse de João Goulart (PTB), o vice-presidente eleito pelo voto direto, que viria a substituir Jânio Quadros (UDN), que renunciara.

Foi um período conturbado, com três primeiros-ministros: Tancredo Neves (307 dias) e Francisco Brochado da Rocha (68 dias), do PSD;  e Hermes Lima (128 dias), do PTB. Um referendo restabeleceu o presidencialismo pelo voto popular em 1963. Em 31 de março do ano seguinte, Jango seria deposto pelos militares, o que resultou em 21 anos de ditadura.

Durante a Constituinte de 1987, havia uma maioria favorável ao parlamentarismo, mas o regime não foi adotado. Futuros candidatos a presidente da República, Ulysses Guimarães e Mario Covas inviabilizaram a proposta. O presidente José Sarney até estava disposto a apoiar o parlamentarismo, desde que o seu mandato presidencial, que era de seis anos, não fosse encurtado de cinco para quatro anos, mas não houve acordo.

Entretanto, um plebiscito sobre a adoção do parlamentarismo e a volta à monarquia foi convocado pelos próprios constituintes. Cerca de 36,6 milhões de eleitores (55,41%) votaram pelo presidencialismo, contra 16,4 milhões de parlamentaristas (24,79%). A República foi a opção de 43,8 milhões de eleitores (66,28%), contra 6,8 milhões de monarquistas (10,29%). Participaram do plebiscito 90,2 milhões de eleitores.

À francesa

O semipresidencialismo da emenda Hauly é um eufemismo de inspiração francesa, no qual o presidente da República compartilha o governo com o parlamento, porém mantém muito poder. É uma jabuticaba sugerida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ao ex-presidente Michel Temer, que empoderou o Congresso durante seu governo e pretendia levá-la adiante. A emenda Hauly divide o poder do presidente eleito pelo voto direto com um primeiro-ministro nomeado por ele, ouvido os partidos com maiores representações na Câmara. De acordo com a proposta, o primeiro-ministro será um dos integrantes do Congresso Nacional maiores de 35 anos.

O presidente da República atua como chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas, com o dever de garantir a unidade e a independência da República, a defesa nacional e o livre exercício das instituições democráticas. Já o primeiro-ministro, juntamente com o conselho de ministros de Estado, chefia o governo.

O primeiro-ministro elabora e apresenta ao presidente da República o programa de governo e, uma vez aprovado, comunica seu teor à Câmara dos Deputados. Deve comparecer mensalmente ao Congresso, para explicar a execução do programa de governo ou expor assuntos de relevância para o país. Sustenta-se no apoio da Câmara dos Deputados. Quando esse apoio faltar, todos os ministros devem renunciar. Ou a Câmara pode votar a destituição do governo, por meio do voto de censura.

A emenda Hauly muda também o sistema eleitoral no Brasil, instituindo o voto distrital misto para a Câmara dos Deputados. Pelo sistema sugerido, o eleitor terá dois votos desvinculados: um para o candidato de seu distrito eleitoral e outro para o partido de sua preferência. Segundo o deputado Hauly, o "presidencialismo arcaico praticado no Brasil" já não tem sustentabilidade. "Esse quadro institucional precisa ser revisto para que o Brasil não enfrente as prolongadas e incertas crises políticas que antecederam as quedas de Collor e Dilma e acabam afetando também o quadro econômico brasileiro", justifica.

A bala de prata de Eremildo, o idiota – Elio Gaspari

O Globo

Eremildo é um idiota e pedirá uma audiência ao governador Tarcísio de Freitas e ao seu secretário de Segurança, o capitão da PM Guilherme Derrite. O cretino levará aos dois a sua ideia de criação do Sindicato dos Bandidos Autônomos do Estado de São Paulo. Seria um projeto piloto, capaz de ser estendido a outros estados.

O Sindicato dos Bandidos Autônomos só aceitaria a filiação de companheiros sem ligação com o crime organizado. De saída, combateria policiais que exercem ilegalmente a profissão de delinquentes, praticando uma flagrante concorrência desleal contra bandidos que trabalham regularmente no estado.

A instituição firmaria convênios para troca de informações com o Ministério Público e as Corregedorias das polícias civil e militar, pois a bandidagem tem muito a oferecer.

Brinde Ulysses, beba Eduardo Cunha - Miguel Caballero

O Globo

Já na primeira semana no posto, Hugo Motta defendeu afrouxar a Lei da Ficha Limpa e negou golpismo no 8 de Janeiro

Teatralmente, Hugo Motta se levantou e brandiu a Constituição brasileira, repetindo três vezes “Viva a democracia!”, no momento mais performático de seu pronunciamento depois da vitória no sábado 1º de fevereiro. A cena imitava o gesto de Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição, daquela mesma cadeira, em 5 de outubro de 1988. Deputado mais jovem a ser eleito presidente da Câmara, Motta nem sequer era nascido na ocasião, mas não se furtou a desenvolver uma interpretação bastante própria do discurso histórico.

Houve a reprodução da palavra de ordem ulyssiana “ódio e nojo à ditadura” e o fecho contemporâneo com “Ainda estou aqui”. Pode ter parecido ode à resistência democrática, mas era exaltação à resiliência do Centrão. Em especial, das emendas impositivas, criação de um de seus padrinhos na política. É leviano dizer que Eduardo Cunha, apenas por ser seu aliado, será a eminência parda de seu mandato à frente da Casa. Mas foi o sujeito nem tão oculto de seu discurso de posse.

Missão impossível – Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Com quem Motta vai romper primeiro? Com Lula ou com Bolsonaro e os do ‘parquinho’ de 8/1?

O ministro Alexandre de Moraes errou no julgamento dos primeiros réus, quando disse que, ao contrário do que “o terraplanismo e o negacionismo obscuro” propagam, o 8 de janeiro não foi um “domingo no parque”, como se aquelas pessoas “tivessem comprado ingresso para o Hopi Hari ou a Disney”. Erradíssimo, pelo menos para o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta. “Não foi golpe!”, declarou ele. Logo, foi o quê? Um domingo no parque, ou melhor, um sábado no parque?

O presidente da Câmara decretou que o ministro do STF está equivocado e o ministro do STF pode incluir o presidente da Câmara entre os terraplanistas e negacionistas obscuros. Durma-se com um barulho desses, enquanto o Supremo, Moraes à frente, se prepara para o julgamento, não mais de quem estava lá, mas dos donos e funcionários do parquinho. Perto disso, Hopi Hari e Disney não têm graça nenhuma.

Orgulho nacional e autoestima: modelo Trump - Pedro Malan

O Estado de S. Paulo

Pela primeira vez na História a desordem mundial é provocada e incentivada pelo governo da maior potência econômica e militar do planeta

“O orgulho nacional é, para os países, o que a autoestima é para os indivíduos: uma condição necessária para o autoaperfeiçoamento. Orgulho nacional excessivo pode produzir belicosidades e aventuras externas, excessiva autoestima pode produzir arrogância.” A frase foi escrita por Richard Rorty a propósito de seu país, os EUA.

Em meu artigo mais recente para este espaço, comentei os três elementos fundamentais do modus operandi trumpista: fazer ameaças, alcançar acordos (propiciados pelas ameaças), e declarar vitória, sempre. Em menos de 20 dias do início do segundo mandato de Donald Trump, esse tripé vem se confirmando, para perplexidade e inquietação generalizadas do mundo, a indicar claramente quão mais turbulento será o quadriênio 2025-2028. Trump decididamente já mostrou que é portador de excessiva e indiscriminada belicosidade, e não menos excessiva arrogância, diariamente explicitadas nas mídias sociais e em improvisos variados.

Além da inflação, é preciso olhar o longo prazo - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

A ação do governo produz efeitos mais duradouros e mais amplos quando contribui para a incorporação produtiva dos mais necessitados

O inferno são os outros, como escreveu Jean-Paul Sartre no final de uma peça, e isso explica, segundo Luiz Inácio Lula da Silva, a alta do dólar, o crédito caro e o risco de novos aumentos dos juros. A culpa é da gestão anterior do Banco Central (BC), quando a instituição foi chefiada pelo economista Roberto Campos Neto, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não há como desmontar de uma hora para outra, argumentou o presidente Lula, a “arapuca” deixada por essa gestão “totalmente irresponsável”. Ele se dispensou de qualquer referência à inflação dos últimos dois anos, às projeções de aumento de preços em 2025, à perspectiva de mais déficits federais e à expectativa de aumento da dívida pública. Também isso será, quase certamente, atribuível a desmandos alheios, talvez à diplomacia de Donald Trump.

Extrema direita na cadeia e 2026 - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Extrema direita precisa de crise para mudar a Lei da Ficha Limpa ou aprovar anistia

A Polícia Federal acusa Jair Bolsonaro de liderar uma quadrilha golpista. Entre outras atividades, a organização criminosa tentava levar as Forças Armadas para o golpe. Tinha apoio de uma célula de terroristas militares. Coordenava acampados diante do Quartel General do Exército e contatos com gente que promoveu tumultos, incêndios e ataques em dezembro e no 8 de Janeiro.

O capitão das trevas e comparsas devem ser denunciados por essas acusações ainda em fevereiro pela Procuradoria-Geral da República. Em abril, o Supremo daria início ao processo. Em novembro, essa gente poderia estar condenada.

As regras e a responsabilidade compartilhada - Marcos Lisboa

Folha de S. Paulo

Nossas escolhas sobre as regras e procedimentos construíram um equilíbrio perverso

Na coluna do mês passado, ilustrei como o descontrole fiscal é obra de muitas mãos. Sistematizei muitos exemplos de grupos de pressão que conseguem obter tratamentos privilegiados, como ocorreu na reforma tributária.

Meu amigo e cientista político Carlos Pereira escreveu sobre a coluna em seu artigo semanal no jornal O Estado de S. Paulo.

"Lisboa diagnostica com precisão que ‘muitos grupos denunciam as regras que favorecem os demais. Ao mesmo tempo, defendem com virulência os seus próprios privilégios'".

"Essa interpretação", segundo Pereira, seria "fundamentalmente moral", carecendo de "uma análise das estruturas de incentivo institucional e político que geram tais comportamentos irresponsáveis e oportunistas."

Não se trata, contudo, de uma questão apenas moral. As crenças e a moralidade estão associadas às práticas e às sanções adotadas.

Brasília faz harmonização artificial – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Os ruídos entre Poderes desmentem a 'sintonia' celebrada nos discursos das chefias

Harmonia foi a palavra campeã nas falas dos comandantes dos Três Poderes por ocasião da reabertura dos trabalhos do Legislativo e do Judiciário. Os recados detectados nas entrelinhas ficam na conta livre das interpretações.

A se enxergar o ambiente pelo prisma dos discursos de Luiz Inácio da Silva (PT), Hugo Motta (Republicanos), Davi Alcolumbre (União) e Luís Roberto Barroso, a conclusão seria a de que o perfeito entendimento reinaria sobre a República.

Governo de alma sem corpo encara o público - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Comunicação pós-analógica não tem nada a ver com lero-lero diplomático nem com informação verdadeira

Despertando na metade do mandato com a palavra comunicação na cabeça, Lula trocou de secretários, Pimenta por Sidônio. Nome com pedigree latino: Caius Sollis Modestus Apollinaris Sidonius foi genro de imperador, bispo, poeta e diplomata competente. Este último atributo é sugestivo para o recém-chegado, pois qualquer tarefa pública demanda hoje jogo de dentro com as cascavéis do entorno partidário e jogo de fora, estilo Garrincha, para driblar a mentira institucionalizada. Duas manhas familiares à capoeira.

Indignados - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro de psicólogo que estuda polarização sustenta que nosso instinto moral está baseado apenas na ideia de proteção

"Outraged" (indignados), de Kurt Gray, é um livro adequado a nossos tempos. O autor se propõe a investigar as razões que nos levam a dividir-nos em relação a questões morais e políticas. Basicamente, ele estuda a polarização.

A tese central de Gray é que o homem foi, ao longo de sua história evolutiva, muito mais presa do que predador. Isso deixou marcas em nosso psiquismo. A mais notável delas seria um instinto moral baseado na ideia de proteção. Todos os nossos juízos morais seriam uma tentativa de proteger a nós mesmos, nossa família, terceiros ou até valores que visam a manter a coesão social.

Poesia | 10 poemas curtos sobre a vida para refletir

 

Música | Casuarina - Velho Bandido