terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Golpe ou baderna? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Novo presidente da Câmara diz que não considera 8/1 uma tentativa de golpe e gera reação de governistas

Sempre que algum neófito assume cargo público relevante, acaba levando um susto com a força que a nova função empresta a suas palavras. Não foi diferente com o novo presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta.

Depois de uma campanha em que sabiamente evitou pronunciar-se sobre questões polêmicas, Motta resolveu dizer o que pensa. Mostrou-se simpático à anistia aos condenados pelo 8 de janeiro, ao esvaziamento da Lei da Ficha Limpa, entre outras pautas que desagradam ao governo.

Ao que tudo indica, foi surpreendido pelas reações e passou os últimos dias em modo contenção de danos, tentando se explicar a interlocutores. Se for esperto, aprenderá rapidamente a calibrar suas falas.

E quanto ao mérito da mais polêmica das declarações? O 8/1 foi tentativa de golpe ou baderna?

Até acho que, se isolarmos as ações daquele dia, despindo-as de seu contexto histórico e político, daria para descrevê-las como um episódio de vandalismo. Só que fazer isso seria um erro.

As manifestações de militantes bolsonaristas diante de quartéis, que depois desaguaram na invasão da praça dos Três Poderes, eram um dos eixos do plano golpista. Se a movimentação tivesse ocorrido enquanto Bolsonaro ainda detinha a caneta presidencial, o desfecho da intentona poderia ter sido outro.

Na minha leitura, o binômio manifestações/invasão foi um pavio que os conspiradores acenderam deliberadamente em sua tentativa de golpear a democracia, mas se esqueceram de desligar (ou não puderam fazê-lo) depois que desistiram de dar continuidade à ação.

Incompetência, penso, não basta para descaracterizar a tentativa. Ao contrário até, acho que a materialização do 8/1 pode ser interpretada como um forte indício de que a tentativa de golpe entrou em fase de execução, não sendo mera cogitação, como pretendem alguns defensores dos indiciados.

Diferentemente de parte da esquerda, porém, não vejo mal em debater essa questão. Uma das razões por que vale a pena preservar a democracia é que ela permite discutir tudo sob qualquer ângulo.

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