terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarifas de Trump exigem cautela do Brasil

O Globo

Política comercial americana é péssima para o mundo. Diplomacia brasileira deve tentar contornar efeitos negativos

A tarifa de 25% anunciada por Donald Trump sobre importações de aço e alumínio afetará as exportações brasileiras, mas seus efeitos ainda devem ser analisados de modo mais detido. No ano passado, o Brasil exportou US$ 4,1 bilhões em aço aos Estados Unidos. Com 15% do mercado local, ficou em segundo lugar entre os fornecedores externos. No alumínio, as exportações e a participação brasileira são bem menores, inferiores a US$ 800 milhões e a 1%. Embora medidas de retaliação sejam a resposta natural a esperar em casos do tipo, o governo brasileiro precisa primeiro avaliar as consequências antes de tomar decisões. Apesar de Trump dizer que não haverá exceção às tarifas, o passado pode servir de guia.

Sob o pretexto de defender a segurança nacional, no início de 2018, ainda no primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados. Duas semanas mais tarde, a Casa Branca informou que, para a União Europeia e para seis países, entre eles o Brasil, as tarifas seriam suspensas até o fim de negociações. Em maio, Trump impôs cotas às exportações brasileiras. Em agosto, nem mais isso estava em vigor. Se o importador americano comprovasse falta de matéria-prima no mercado interno, poderia comprar o produto brasileiro sem pagar 25% a mais em imposto.

Um governo navegado pelo mar - Carlos Melo

O Globo

Um balanço sincero conclui que o terceiro mandato de Lula não tem senso de urgência, não articula relações com a sociedade, com a nova economia

Num aparente paradoxo, o governo Lula apresenta bons números na economia sem reciprocidade nas curvas de popularidade e intenção de voto. A taxa de desemprego é a menor da história, 6,6% (IBGE); a equivalência do salário mínimo em cestas básicas (1,79) é a melhor desde 2020. Preocupante, a inflação de alimentos não supera a aceleração de preços no governo anterior.

O crescimento anual, acima de 3%, é incomparável com a média da última década (0,3%). O resultado fiscal, responsabilidade também dos grupos de pressão, não foi, ao final, a tragédia anunciada. Aos poucos, o dólar volta a patamar razoável. Pela indesmentível trama de um golpe de estado, inelegível, o líder da oposição pode estar entre a fuga e a prisão.

Nada disso atinge percepções e altera expectativas: a desaprovação a Lula (49%) ultrapassa a aprovação (47%). Mês a mês, complicam-se as chances de reeleição — feita, aliás, para reeleger. Sob olhares do centrão, do centro e do empresariado, pressionada, a direita já discute o nome de seu candidato, antes que outro aventureiro ocupe o espaço.

Guerra comercial e insensatez - Míriam Leitão

O Globo

Donald Trump taxa aço e o alumínio, mas o problema do seu comando vai além: é a marcha da insensatez

O aço sempre esteve no meio do tiroteio. A indústria americana é ineficiente, tem velhas queixas das importações, seus trabalhadores são parte do eleitorado de Donald Trump e estão convencidos de que medidas assim levarão a manufatura americana a ser grande de novo. Elevar a tarifa produz inflação porque o aço importado chegará

mais caro às empresas americanas. Como é um bem intermediário, o preço afetará da construção aos automóveis. Se houver mais espaço para os produtores locais, os subirão ainda mais. Para nós, o impacto é imediato porque quase metade do que exportamos de aço vai para os Estados Unidos. O problema, contudo, vai muito além do aço, é a marcha da insensatez.

O embaixador Marcos Azambuja define o presidente americano como sendo “a irracionalidade combinada com a vontade imperial”.

O sentimento em Israel – Pedro Doria

O Globo

A preocupação de todos é com os reféns. Acreditam que o governo nem de perto fez o suficiente pela libertação. Então a comunidade civil se juntou. Os israelenses se uniram uns aos outros

Israel foi tomado, no último ano e meio, por um sentimento. Trauma é uma palavra de que se poderia lançar mão, mas ela não dá conta de explicar. Esta coisa, esta emoção forte que vem de uma mudança brusca na maneira de enxergar o mundo, é nítida principalmente em quem é de esquerda. Nesses, o sentimento choca. Na linguagem do corpo, aflora como uma secura na fala e um olhar caído à meia pálpebra, parado. Fixo. Compreender que ele existe, entender sua natureza, é fundamental para ter uma visão realista do que ocorre no Oriente Médio. Porque nos leva a perceber que não há esperança tão cedo para a paz.

Estou no país desde 6 de fevereiro, numa viagem organizada pelo Instituto Brasil-Israel para conversar com gente de todo tipo. Ativistas, colegas jornalistas, diplomatas, políticos. Povo nas ruas. Judeus e árabes.

Como o fico fortalece a pauta de Múcio - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Pedido de comandantes ao presidente para que o ministro da Defesa permanecesse pode reforçar a pauta das reformas

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, receberá o almirante Alvin Holsey, primeiro negro a assumir o Comando Sul dos Estados Unidos, unidade militar que lida com a América do Sul.

É o primeiro contato entre autoridades da Defesa dos dois países. Holsey foi nomeado e empossado na função nos últimos dias de Joe Biden no poder. Tanto sua antecessora, Laura Richardson, quanto o ex-secretário de Defesa, Lloyd Austin, se manifestaram publicamente, em visitas ao continente, sobre a defesa da democracia contra “ameaças autoritárias” internas e externas.

Cuidado, expansão vem de escada, e recessão, de elevador - Pedro Cafardo

Valor Econômico

Nos últimos anos, os profetas do mercado financeiro erraram feio ao prever crescimento muito abaixo do ocorrido

Chamou a atenção da comunidade acadêmica um discurso do novo membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, o professor Alan Taylor, da Columbia University. A fala é dedicada basicamente à economia do Reino Unido, mas traz lições para os bancos centrais em geral.

Ao discursar na Leeds University Business School, em janeiro, Taylor não estava otimista sobre as perspectivas econômicas de seu país nem dos parceiros ocidentais e orientais. Ele acha que pode haver pouso suave ou forçado da atividade no segundo semestre. O “soft landing” ou o “hard landing”, no economês global, vai depender muito de decisões dos bancos centrais sobre juros. Por isso, ele votou pela redução da taxa no Reino Unido para 4,50% em dezembro, mas a maioria dos membros aprovou a manutenção em 4,75%. Na semana passada, o Banco da Inglaterra reduziu a taxa para os 4,50% defendidos por Taylor, mesmo prevendo que a inflação atingirá o pico de 3,7%, quase o dobro da meta de 2%.

A COP-30 e Trump - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Objetivo da COP é salvar o mundo e o de Donald Trump, destruí-lo

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reconhece a gravidade dos retrocessos de Donald Trump na área ambiental, mas tenta minimizar seus efeitos na COP-30, em Belém, planejada para ser o mais importante evento internacional do Brasil no terceiro mandato de Lula. Para ela, os EUA sempre entraram nas discussões para atrapalhar. Logo, não muda muita coisa.

Trump assumiu fazendo apologia da indústria automobilística, do petróleo e do uso dos combustíveis fósseis. Os passos seguintes foram retirar os EUA do Acordo de Paris, que limita emissões de CO2, e suspender a contribuição de US$ 4 bilhões para o Fundo Climático da ONU.

Lei da selva no comércio internacional - Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

Governo brasileiro deveria promover estudos para definir legislação que defenda os interesses do agro e da indústria

O mundo se transformando rapidamente, tanto na economia como na ordem política. O livre comércio está sendo substituído pelo nacionalismo, pelo protecionismo e por medidas que enfraquecem a globalização. O comércio exterior já está sofrendo fortes impactos.

Considerações de poder, com base na segurança nacional, passaram a influir na aplicação de restrições comerciais como arma política, como as sanções e restrições. Medidas americanas (tarifas, chips, nuvem) e chinesas (área de mineração). O início do governo Trump nos EUA é uma clara indicação de que poderá haver uma escalada nessas medidas restritivas levando a uma guerra comercial envolvendo os EUA, a China e a Europa, com fortes consequências para os países em desenvolvimento, como o Brasil.

‘Lunáticos radicais’ serviam à Casa Branca? - Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

A atuação da Usaid está longe de ser consensual. Na verdade, é coberta de controvérsias

Confusão, desinformação ou ignorância alimentada pelo radicalismo? É o que se pode i maginar quando alguém com grande poder econômico e imensa influência no governo norte-americano acusa a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, a Usaid ( United States Agency for International Development), de “organização criminosa” envolvida “em trabalhos sujos da CIA” e manipulada pela “esquerda radical”.

Quando se trata do bilionário Elon Musk, pode ser tudo isso e talvez mais. Considerado o homem mais rico do mundo, Musk é dono da SpaceX, da Tesla e do X (antigo Twitter) e um dos cofundadores da OpenAI. Atualmente, chefia o Departamento de Eficiência Governamental (Doge), criado para dar conselhos ao presidente americano, Donald Trump, sobre onde cortar gastos públicos. Segundo Musk, além dos “trabalhos sujos”, a Usaid promovia a censura da internet e apoio a partidos políticos e imprensa esquerdista em todo o mundo, razão pela qual “é hora de ela morrer ”. Dias antes, Trump dissera que a Usaid era administrada por “lunáticos radicais”.

Negacionismos e perseguição pautam o Conselho de Medicina – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A sanitarista Lígia Bahia é perseguida porque criticou o apoio do CFM ao uso de cloroquina contra a covid-19 e a falta de incentivo à vacinação na pandemia

Disponível na plataforma de streaming Netflix, o filme Joy se baseia na história real da criação da técnica de fertilização in vitro (FIV). A história de Louise Joy Brown, o primeiro bebê concebido por meio da técnica, nascido em 1978, é uma vitória contra o negacionismo. Dirigido por Ben Taylor, o longa mostra uma figura menos conhecida na história: a enfermeira e embriologista Jean Purdy. Interpretada por Thomasin McKenzie, ela se une ao fisiologista Robert Edwards (James Norton) e ao ginecologista Patrick Steptoe (Bill Nighy) na missão de criar a solução para a infertilidade.

Antes do marco histórico de 25 de julho de 1978, casais que enfrentavam dificuldades para conceber naturalmente encontravam poucas soluções eficazes. A jornada iniciou-se em 1969, quando Edwards fertilizou com sucesso um óvulo fora do útero, no Hospital Dr Kershaw's Cottage, em Manchester. Ao lado de Steptoe, eles implantaram embriões em 282 mulheres, mas as gestações não foram bem-sucedidas. Por essa razão, sofreram muitas críticas e quase desistiram. Jean Purdy convenceu os dois cientistas a retomar as pesquisas.

Tempos e silêncio em Ainda estou aqui - Alberto Aggio*

Correio Braziliense

O início e o final do filme mostram reuniões familiares que evidenciam as marcas do tempo em que se sustenta a narrativa do filme

Ainda estou aqui é um grande filme. Muito já se escreveu e se falou sobre ele por diversos ângulos e razões. E se vai continuar falando e escrevendo sobre ele por algum tempo. Seu lugar na cultura brasileira vai além da filmografia, da arte. Trata-se de um filme político, de ensinamentos e aberto à reflexão política. Pela amplitude de espectadores, ele é também um fenômeno político. Cativa por expressar o desejo de compreender o que se passou no Brasil nas últimas décadas do século 20 e o que esse período nos legou.

O filme, dirigido por Walter Salles, diz muito sobre o Brasil desse período, mas também sobre o Brasil dos dias que correm, por meio dos acontecimentos que marcaram a vida da família do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e assassinado pela ditadura no início da década de 1970, especialmente pela resistência da mulher, Eunice Paiva, a principal protagonista do filme, representada de maneira extraordinária por Fernanda Torres.

O Congresso no Brasil e nos EUA - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

A polarização da discussão política não se transforma em paralisia legislativa

Não passou nem um mês de governo Trump e já perdemos as contas de suas ordens executivas. É quase como se o Congresso americano não existisse. Ele é, hoje, disfuncional, entregue à polarização. O Partido Republicano —salvo raras exceções— virou o partido do movimento Maga (Make America Great Again).

O Congresso lá funciona como um freio de mão. Quando está nas mãos da oposição, trava o andamento do governo, inclusive impedindo a aprovação do Orçamento e punindo toda a população. Quando está nas mãos do governo, lhe dá carta branca. Como as maiorias são sempre pequenas, também não permite que o governo aprove mudanças mais profundas, que exijam votações superiores a 50%. Pelo mesmo motivo, um impeachment é impossível. Quase não há negociação entre os partidos.

Que reforma vem aí? - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A mera troca de nomes no ministério não garante bom caminho a Lula em 2026

Em meio a distrações tais como a instituição do semipresidencialismo e ataques à Lei da Ficha Limpa, Brasília gira (em falso) no ritmo da prometida reforma ministerial.

Solução velha para circunstância nova está evidente, mas vamos lá: pode ser que o presidente Luiz Inácio da Silva (PT) tenha alguma ideia original para lidar com o atual ambiente de mar refratário a peixes.

A distribuição de cargos já não consegue ter o efeito de tempos atrás. Ainda que as 38 pastas fossem entregues a deputados e senadores e todos os partidos contemplados com cadeiras no primeiro escalão, isso não garantiria fidelidade no Parlamento nem consolidaria alianças para a próxima eleição. Falamos em fevereiro, ainda como hipótese, de uma reforma anunciada pelo ministro da Casa Civil a ser feita em janeiro, cujas conversas, segundo indicou Lula, só começarão em março na volta do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) das férias.

Golpe ou baderna? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Novo presidente da Câmara diz que não considera 8/1 uma tentativa de golpe e gera reação de governistas

Sempre que algum neófito assume cargo público relevante, acaba levando um susto com a força que a nova função empresta a suas palavras. Não foi diferente com o novo presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta.

Depois de uma campanha em que sabiamente evitou pronunciar-se sobre questões polêmicas, Motta resolveu dizer o que pensa. Mostrou-se simpático à anistia aos condenados pelo 8 de janeiro, ao esvaziamento da Lei da Ficha Limpa, entre outras pautas que desagradam ao governo.

Ele nunca trabalhou tanto na vida - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

São tramoias no Congresso, apelos ao STF, entrevistas ventríloquo, lágrimas de crocodilo

"Uh, vai ser preso!", gritaram torcedores do Vasco para Bolsonaro quarta-feira (6) no estádio Mané Garrincha, em Brasília. É um assunto inflamável, que irá pautar os passos da política em 2025. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve apresentar sua conclusão sobre a trama golpista até o fim do mês, podendo coincidir com o Carnaval —já imaginou? Depois o caso passará para análise do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O capitão nunca trabalhou tanto na vida como agora, ao tentar evitar a sua prisão. São várias as frentes de luta. No Congresso nacional, há as tentativas de anistia aos participantes do 8/1 e de aprovação de um projeto que praticamente acaba com a Lei da Ficha Limpa, reduzindo de oito para dois anos a punição aos condenados. Quem fortalece essa cartada —como Hugo Motta, o presidente da Câmara— não pode reclamar de ser chamado de golpista.

Uma viagem através do mundo-espelho (Resenha) - Ricardo Marinho

Para Benjamin

Klein, Naomi. Doppelgänger: Uma viagem através do Mundo-Espelho. Tradução de Renato Marques. São Paulo: Carambaia, 2024. 480 págs.

Naomi Klein fez novamente um esforço de síntese da política da direita contemporânea que opera entre a radicalização e a institucionalização e o intercâmbio possível dessas dinâmicas. Alguns de seus livros anteriores Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido (2002), Cercas e janelas: na linha de frente do debate sobre globalização (2003), A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre (2008), Não basta dizer não (2017), Em chamas: uma (ardente) busca por um novo acordo ecológico (2021) e Como mudar tudo (2022), onde sistematizaram características incipientes de nosso tempo em um todo coerente, estão contidos no novo volume. Um exemplo claro é Sem logo, onde ela sintetizou com exemplos concretos a maneira como as marcas se alimentam de tudo o que é emocionante no mundo para dar vida aos seus produtos. O resultado como ela mostra são os ressentimentos das marcas fracassadas. Em A doutrina do choque, ela sintetizou como o sistema se aproveita de sociedades abaladas por crises para avançar em seus negócios. É verdade: ambas as ideias já existiam. A possibilidade de dar características a diferentes produtos refere-se aos diversos tipos de fetichismos. A ideia de crise como ferramenta de disciplina social e oportunidade para o sistema também assombrou a muitos. Mas o mérito de Klein é aproveitar sua posição metamórfica que combina ferramentas teóricas para se aprofundar com um jornalismo investigativo que a leva a mergulhar naquelas realidades paralelas nem sempre visitadas pelos acadêmicos.

Em seu novo livro, Doppelgänger, uma viagem através do mundo-espelho, ela mais uma vez consegue articular peças que pareciam soltas para formar uma figura mais clara neste presente colocado propositadamente na confusão. É o seu trabalho mais pessoal, no qual mais se expôs, possivelmente para ter mais empatia com os leitores que também estão preocupados e que têm batido a cabeça contra a realidade: como é possível que pessoas que se consideravam razoáveis agora acreditem em bizarrices como a de que o 5G vai nos matar com câncer ou eles vão colocar um microchip em nosso sangue?

Poesia | Às vezes em dias de luz perfeita e exata, de Fernando Pessoa

 

Música | Cristina Branco -Tudo isto é fado