terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Guerra comercial e insensatez - Míriam Leitão

O Globo

Donald Trump taxa aço e o alumínio, mas o problema do seu comando vai além: é a marcha da insensatez

O aço sempre esteve no meio do tiroteio. A indústria americana é ineficiente, tem velhas queixas das importações, seus trabalhadores são parte do eleitorado de Donald Trump e estão convencidos de que medidas assim levarão a manufatura americana a ser grande de novo. Elevar a tarifa produz inflação porque o aço importado chegará

mais caro às empresas americanas. Como é um bem intermediário, o preço afetará da construção aos automóveis. Se houver mais espaço para os produtores locais, os subirão ainda mais. Para nós, o impacto é imediato porque quase metade do que exportamos de aço vai para os Estados Unidos. O problema, contudo, vai muito além do aço, é a marcha da insensatez.

O embaixador Marcos Azambuja define o presidente americano como sendo “a irracionalidade combinada com a vontade imperial”.

— Com Trump, os Estados Unidos vivem mais um episódio do seu ciclo imperial. Outros governantes tinham pretexto para agir, ele age por impulso próprio, quando não há provocações. O México não quer território, o Canadá não está fazendo nada, a Groenlândia está quieta e ele vai num crescendo. É o grande imperialista agindo sem roteiro claro — avalia.

O ambiente de guerra comercial e elevação geral de tarifas é deletério para a economia global. Com menos comércio internacional, há menos crescimento, mais inflação e mais juros. Nos Estados Unidos? Não apenas. Pelo tamanho da economia americana e a própria dinâmica do comércio global, há um contágio em cadeia que afeta o mundo todo. Trump vai dar com os burros n’água porque o que ele prometeu é irrealizável. Ele quer mover para trás a roda da História. A indústria metalmecânica não será mais o centro da riqueza americana, nem dará aos trabalhadores a afluência do passado, que está na nostalgia dos seus eleitores.

Trump desconhece questões primárias da economia como o fato de que, se ele reduzir o saldo negativo com um país pode acabar aumentando com outro. Se substituir o importado por produção interna, o consumidor pagará a conta dos altos custos locais. Como seu déficit comercial é muito bem financiado pelos investidores do mundo inteiro, isso é mais riqueza para os Estados Unidos. Não empobrece o país.

O embaixador José Alfredo Graça Lima, do Cebri, considera que os EUA seguem o roteiro dos filmes anteriores. “Elevam-se os preços no mercado norte-americano em benefício das grandes siderúrgicas e Trump cumpre parte das promessas de campanha.” A dúvida, segundo o embaixador, é o que acontecerá com o etanol. A Camex rejeitou em outubro do ano passado, pela segunda vez, o pedido de isenção do imposto de importação do etanol americano. O produto americano paga 18% para entrar no Brasil. Segundo o economista Paulo Gala, o Brasil se destaca entre os países que mais tarifam os Estados Unidos, com uma alíquota média de 14%. Por outro lado, os EUA têm superávit com o Brasil.

O professor José Niemeyer, do Ibmec-RJ, explica que a pauta de exportação para os Estados Unidos é composta por petróleo, 14% do que o Brasil vende, seguido por aço (8,8%), aviões e café. Para o mundo, o Brasil tem uma pauta dominada por commodities. O comércio está em plena expansão: no ano passado, importamos 6,9% a mais do que 2023 e exportamos 9,1% a mais. A ideia de procurar outros mercados para o nosso aço não parece provável ao professor, porque as siderurgias chinesa e alemã, por exemplo, são mais eficientes que a brasileira.

O embaixador Azambuja define qual é a melhor estratégia para o Brasil:

— Primeiro, o Brasil tem que esperar. Há turbulência, há retórica, vamos esperar. Nossa resposta deve ser pausada, medida, suficiente. Pausa, prudência, moderação. Nunca dar resposta por impulso — aconselha o embaixador.

Do ponto de vista global, a maneira como os Estados Unidos estão agindo não faz sentido.

— A China vive seu melhor momento. Nunca pensou que teria isso. Os Estados Unidos tentando transformar seus dois únicos vizinhos físicos em adversários. Ofende o México e o Canadá.

O presidente Trump, nesse mandato, recebeu mais poder das urnas. O problema do aço nos atinge e é apenas um episódio da guerra comercial que, por sua vez, é apenas uma parte do grande transtorno global provocado por uma liderança que tem, como diz Azambuja, “audácia e primitivismo”.

 

Nenhum comentário: