O Globo
Donald Trump taxa aço e o alumínio, mas o
problema do seu comando vai além: é a marcha da insensatez
O aço sempre esteve no meio do tiroteio. A
indústria americana é ineficiente, tem velhas queixas das importações, seus
trabalhadores são parte do eleitorado de Donald Trump e
estão convencidos de que medidas assim levarão a manufatura americana a ser
grande de novo. Elevar a tarifa produz inflação porque
o aço importado chegará
mais caro às empresas americanas. Como é um
bem intermediário, o preço afetará da construção aos automóveis. Se houver mais
espaço para os produtores locais, os subirão ainda mais. Para nós, o impacto é
imediato porque quase metade do que exportamos de aço vai para os Estados
Unidos. O problema, contudo, vai muito além do aço, é a marcha da insensatez.
O embaixador Marcos Azambuja define o presidente americano como sendo “a irracionalidade combinada com a vontade imperial”.
— Com Trump, os Estados Unidos vivem mais um
episódio do seu ciclo imperial. Outros governantes tinham pretexto para agir,
ele age por impulso próprio, quando não há provocações. O México não quer
território, o Canadá não está fazendo nada, a Groenlândia está quieta e ele vai
num crescendo. É o grande imperialista agindo sem roteiro claro — avalia.
O ambiente de guerra comercial e elevação
geral de tarifas é deletério para a economia global. Com menos comércio
internacional, há menos crescimento, mais inflação e mais juros. Nos Estados
Unidos? Não apenas. Pelo tamanho da economia americana e a própria dinâmica do
comércio global, há um contágio em cadeia que afeta o mundo todo. Trump vai dar
com os burros n’água porque o que ele prometeu é irrealizável. Ele quer mover
para trás a roda da História. A indústria metalmecânica não será mais o centro
da riqueza americana, nem dará aos trabalhadores a afluência do passado, que
está na nostalgia dos seus eleitores.
Trump desconhece questões primárias da
economia como o fato de que, se ele reduzir o saldo negativo com um país pode
acabar aumentando com outro. Se substituir o importado por produção interna, o
consumidor pagará a conta dos altos custos locais. Como seu déficit comercial é
muito bem financiado pelos investidores do mundo inteiro, isso é mais riqueza
para os Estados Unidos. Não empobrece o país.
O embaixador José Alfredo Graça Lima, do
Cebri, considera que os EUA seguem o roteiro dos filmes anteriores. “Elevam-se
os preços no mercado norte-americano em benefício das grandes siderúrgicas e
Trump cumpre parte das promessas de campanha.” A dúvida, segundo o embaixador,
é o que acontecerá com o etanol. A Camex rejeitou em outubro do ano passado,
pela segunda vez, o pedido de isenção do imposto de importação do etanol
americano. O produto americano paga 18% para entrar no Brasil. Segundo o
economista Paulo Gala, o Brasil se destaca entre os países que mais tarifam os
Estados Unidos, com uma alíquota média de 14%. Por outro lado, os EUA têm
superávit com o Brasil.
O professor José Niemeyer, do Ibmec-RJ,
explica que a pauta de exportação para os Estados Unidos é composta por
petróleo, 14% do que o Brasil vende, seguido por aço (8,8%), aviões e café.
Para o mundo, o Brasil tem uma pauta dominada por commodities. O comércio está
em plena expansão: no ano passado, importamos 6,9% a mais do que 2023 e
exportamos 9,1% a mais. A ideia de procurar outros mercados para o nosso aço
não parece provável ao professor, porque as siderurgias chinesa e alemã, por
exemplo, são mais eficientes que a brasileira.
O embaixador Azambuja define qual é a melhor
estratégia para o Brasil:
— Primeiro, o Brasil tem que esperar. Há
turbulência, há retórica, vamos esperar. Nossa resposta deve ser pausada,
medida, suficiente. Pausa, prudência, moderação. Nunca dar resposta por impulso
— aconselha o embaixador.
Do ponto de vista global, a maneira como os
Estados Unidos estão agindo não faz sentido.
— A China vive seu melhor momento. Nunca
pensou que teria isso. Os Estados Unidos tentando transformar seus dois únicos
vizinhos físicos em adversários. Ofende o México e o Canadá.
O presidente Trump, nesse mandato, recebeu
mais poder das urnas. O problema do aço nos atinge e é apenas um episódio da
guerra comercial que, por sua vez, é apenas uma parte do grande transtorno
global provocado por uma liderança que tem, como diz Azambuja, “audácia e
primitivismo”.
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