O Globo
A política econômica é inflacionária, aumenta
a dívida e gera desvalorização do real
Não foi o Banco Central que colocou o
governo Lula numa
arapuca. É o contrário. O Banco Central está tentando desarmar as arapucas
deixadas pela política econômica.
Todo mundo sabe que a cotação do dólar depende do que acontece nos Estados Unidos. Quando o dólar se fortalece nos Estados Unidos, todas as demais moedas se desvalorizam. Algumas mais que outras. O real é a que, em geral, se desvaloriza mais. Só pode ser por questões internas — e não é pela ação do Banco Central, como diz o presidente Lula.
De novo, é o contrário: quando o BC eleva a
taxa básica de juros, como faz neste momento, cria uma tendência de valorização
do real. É efeito manjado. Os juros mais elevados aqui dentro atraem capitais
externos, e a entrada maior de dólares leva à desvalorização da moeda
americana. É como banana. Tem muita banana na praça, cai o preço. Tem muito
dólar chegando, cai o valor da moeda americana, valoriza–se o real.
O Banco Central fez mais que isso. No final
do ano passado, ainda sob a presidência de Roberto Campos Neto, o BC vendeu
bilhões de dólares de sua reserva internacional. O objetivo era colocar mais
dólares na praça para conter a alta da moeda americana e, pois, a forte
desvalorização do real. De quebra, a venda de dólares prestou outro favor ao
governo Lula: levou a uma redução da dívida bruta em dezembro.
Até novembro passado, a expectativa de
mercado era que a dívida bruta do setor público chegaria ao final do ano no
perigoso nível de 78% do Produto Interno Bruto (PIB). Feitas as
contas, a dívida fechou em 76,1%. No governo, o pessoal comentou: estão vendo?
O mercado errou mais uma.
Não é lá uma diferença tão expressiva. Mas
não teve erro nenhum. Funciona assim: o BC vende seus dólares e recebe reais
dos compradores. Ora, o que faz o BC com esse caminhão de reais? Recompra
títulos da dívida pública — ou seja, reduz a dívida.
Trata-se de um duplo favor prestado ao
governo. As operações impedem maior desvalorização real e ainda contribuem para
diminuição do endividamento. Ora, o crescimento da dívida pública é o principal
fator de incerteza acerca da economia brasileira. É o conhecido risco fiscal,
citado nos relatórios do BC como uma das causas da inflação. E
quem faz a dívida? O governo, ao gastar mais do que arrecada, precisando tomar
dinheiro emprestado para fechar as contas.
Eis a arapuca de fato. A política econômica é
inflacionária, aumenta a dívida e gera desvalorização do real. O BC elevou
juros e vendeu dólares, com o objetivo de derrubar a inflação.
Dentro do governo, incluindo Lula, há um
clima de animação — o PIB está bombando — e uma bronca com o BC. Logo, quando o
país retoma o crescimento, o BC sobe juros. Até dezembro passado, a culpa era
do “traidor” Roberto Campos Neto. Agora, a maioria dos diretores do BC,
incluindo seu presidente, Gabriel
Galípolo, foi indicada por Lula. E continua subindo juros.
Mas essa diretoria não é traidora. Segundo
Lula, ela não pode dar um cavalo de pau, não dá para suspender o choque de
juros e reduzir a taxa básica. Verdade. Não pode mesmo. A explicação está nos
documentos do BC. Ali onde o governo vê a economia bombando, o BC vê uma
economia superaquecida, crescendo além de sua capacidade. Inflacionária,
portanto. Com baixa produtividade, o país não produz o necessário para atender
à demanda crescente, em boa parte puxada pelos gastos do governo. Consequência:
sobem os preços.
A função dos juros mais altos é justamente
desaquecer a demanda, fazer o país crescer menos, reduzir a pressão sobre os
preços. Claro que questões climáticas causaram alta no preço dos alimentos. Mas
não só isso. Como diz o BC, há inércia inflacionária, de tal modo que os preços
sobem hoje porque subiram ontem.
A lição de Lula — boicotem o que está caro —
é até ofensiva com a população. Consumidores fazem escolhas toda vez que vão ao
mercado. Se não compram o que está caro, não é para punir o vendedor, mas
porque não podem mesmo pagar aquele preço. E culpam o governo que prometera
cerveja e picanha.
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