sábado, 8 de fevereiro de 2025

Lula armou a arapuca para o BC – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

A política econômica é inflacionária, aumenta a dívida e gera desvalorização do real

Não foi o Banco Central que colocou o governo Lula numa arapuca. É o contrário. O Banco Central está tentando desarmar as arapucas deixadas pela política econômica.

Todo mundo sabe que a cotação do dólar depende do que acontece nos Estados Unidos. Quando o dólar se fortalece nos Estados Unidos, todas as demais moedas se desvalorizam. Algumas mais que outras. O real é a que, em geral, se desvaloriza mais. Só pode ser por questões internas — e não é pela ação do Banco Central, como diz o presidente Lula.

De novo, é o contrário: quando o BC eleva a taxa básica de juros, como faz neste momento, cria uma tendência de valorização do real. É efeito manjado. Os juros mais elevados aqui dentro atraem capitais externos, e a entrada maior de dólares leva à desvalorização da moeda americana. É como banana. Tem muita banana na praça, cai o preço. Tem muito dólar chegando, cai o valor da moeda americana, valoriza–se o real.

O Banco Central fez mais que isso. No final do ano passado, ainda sob a presidência de Roberto Campos Neto, o BC vendeu bilhões de dólares de sua reserva internacional. O objetivo era colocar mais dólares na praça para conter a alta da moeda americana e, pois, a forte desvalorização do real. De quebra, a venda de dólares prestou outro favor ao governo Lula: levou a uma redução da dívida bruta em dezembro.

Até novembro passado, a expectativa de mercado era que a dívida bruta do setor público chegaria ao final do ano no perigoso nível de 78% do Produto Interno Bruto (PIB). Feitas as contas, a dívida fechou em 76,1%. No governo, o pessoal comentou: estão vendo? O mercado errou mais uma.

Não é lá uma diferença tão expressiva. Mas não teve erro nenhum. Funciona assim: o BC vende seus dólares e recebe reais dos compradores. Ora, o que faz o BC com esse caminhão de reais? Recompra títulos da dívida pública — ou seja, reduz a dívida.

Trata-se de um duplo favor prestado ao governo. As operações impedem maior desvalorização real e ainda contribuem para diminuição do endividamento. Ora, o crescimento da dívida pública é o principal fator de incerteza acerca da economia brasileira. É o conhecido risco fiscal, citado nos relatórios do BC como uma das causas da inflação. E quem faz a dívida? O governo, ao gastar mais do que arrecada, precisando tomar dinheiro emprestado para fechar as contas.

Eis a arapuca de fato. A política econômica é inflacionária, aumenta a dívida e gera desvalorização do real. O BC elevou juros e vendeu dólares, com o objetivo de derrubar a inflação.

Dentro do governo, incluindo Lula, há um clima de animação — o PIB está bombando — e uma bronca com o BC. Logo, quando o país retoma o crescimento, o BC sobe juros. Até dezembro passado, a culpa era do “traidor” Roberto Campos Neto. Agora, a maioria dos diretores do BC, incluindo seu presidente, Gabriel Galípolo, foi indicada por Lula. E continua subindo juros.

Mas essa diretoria não é traidora. Segundo Lula, ela não pode dar um cavalo de pau, não dá para suspender o choque de juros e reduzir a taxa básica. Verdade. Não pode mesmo. A explicação está nos documentos do BC. Ali onde o governo vê a economia bombando, o BC vê uma economia superaquecida, crescendo além de sua capacidade. Inflacionária, portanto. Com baixa produtividade, o país não produz o necessário para atender à demanda crescente, em boa parte puxada pelos gastos do governo. Consequência: sobem os preços.

A função dos juros mais altos é justamente desaquecer a demanda, fazer o país crescer menos, reduzir a pressão sobre os preços. Claro que questões climáticas causaram alta no preço dos alimentos. Mas não só isso. Como diz o BC, há inércia inflacionária, de tal modo que os preços sobem hoje porque subiram ontem.

A lição de Lula — boicotem o que está caro — é até ofensiva com a população. Consumidores fazem escolhas toda vez que vão ao mercado. Se não compram o que está caro, não é para punir o vendedor, mas porque não podem mesmo pagar aquele preço. E culpam o governo que prometera cerveja e picanha.


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