Correio Braziliense
A questão de fundo não é a existência das
empresas estatais, mas sua real necessidade, a rentabilidade dos ativos
públicos, o modelo e a qualidade da gestão das empresas
O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva ainda não se deu conta de que há uma corrida
mundial para reinventar o Estado, com o objetivo de modernizar a economia, na
qual a eleição de Donald
Trump, nos Estados Unidos, foi uma reação política desesperada dos
republicanos à iminente perda de hegemonia da economia mundial e às
dificuldades de o Partido Democrata dar respostas adequadas aos impactos da
nova economia no tecido social, como de resto a maioria dos líderes das
democracias representativas do Ocidente. A China e outros países asiáticos, da
pequena Cingapura à populosa Índia, estão levando grande vantagem em relação ao
Ocidente.
Não se trata de uma volta aos modelos nacionalistas autárquicos, mas da busca de integração competitiva à economia mundial. O próprio slogan do governo, União e Reconstrução, é a síntese dessa visão atrasada de Estado. Ontem, por exemplo, ao visitar a Feira de Negócios da Indústria Naval e Offshore Brasileira, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, Lula reiterou um viés nacional-autárquico de compreensão da economia, na qual o setor estatal teria um papel predominante no desenvolvimento. Em tom de campanha eleitoral, criticou as tentativas de privatização das estatais brasileiras e atribuiu essas iniciativas ao avanço da extrema direita no país. Ele também lamentou a "imagem negativa" da Petrobras durante a Operação Lava-Jato.
"A depender de quem governa esse país, a
Petrobras não é levada a sério e vai tentar ser privatizada quantas vezes o
povo brasileiro votar errado. É importante lembrar isso. Já tentaram privatizar
a Caixa Econômica, os Correios, o Banco do Brasil, e tem gente que acha que é
legal. Por quê? Porque a extrema direita, neste país, ganhou a batalha contra o
papel do Estado. 'O Estado é corrupto, o Estado é caro, o Estado não presta'...
E o que é bom tem que ser da iniciativa privada", disse.
Lula falou de corda em casa de enforcado:
"Depois de muita dificuldade de tentar privatizar a Petrobras, eles
resolveram dizer que todo mundo que defendia a Petrobras era ladrão. E
resolveram transformar a Lava-Jato em uma espécie de 'caça-níquel' contra os
trabalhadores da Petrobras e contra todos que, neste país, defendiam a
Petrobras", afirmou.
Ainda frisou que "o que estava em
jogo", durante a Lava-Jato, era a "destruição da indústria de
engenharia deste país e a tentativa de destruir a Petrobras". Esqueceu-se
de que R$ 5,3 bilhões desviados no escândalo do Petrolão foram recuperados
judicialmente pela estatal.
Na contramão
Enquanto Lula fazia proselitismo estatista,
do outro lado do mundo, também ontem, o presidente da China, Xi Jinping,
discursou em um simpósio fechado com grandes empresários chineses para reforçar
seu apoio ao setor privado, em meio aos desafios da economia do país. Pequim
sofre com o fraco consumo doméstico, uma crise prolongada no setor imobiliário
e desafios externos, como as tarifas sobre suas exportações.
O discurso de Jinping é um ponto de virada
para o setor de tecnologia chinês, após as restrições e fiscalização rigorosa
iniciada em 2020, numa tentativa de dar um novo impulso à economia chinesa. O
líder comunista procura seus empresários para impulsionar a economia.
O setor privado representa mais de 60% do PIB
da China, 48,6% do comércio exterior, 56,5% dos investimentos em ativos fixos,
59,6% da arrecadação tributária e mais de 80% do emprego urbano. Participaram
do encontro os magnatas chineses Jack Ma (Alibaba), velho crítico do excesso de
regulação; Ren Zhengfei (Huawei Technologies); Lei Jun (Xiaomi Corp.); Wang
Xing (Meituan); e o discretíssimo Liang Wenfeng (DeepSeek) — além de executivos
da montadora BYD e da fabricante de baterias Contemporary Amperex Technology
Co. Uma nova lei será aprovada para otimizar o ambiente de negócios do setor
privado e impulsionar o crescimento de alta qualidade.
No nosso caso, a questão de fundo não é a
existência em si das empresas estatais. São sua necessidade, o modelo e a
qualidade de sua gestão — ou seja, o melhor do aproveitamento dos ativos
públicos.
Dados do Banco Central indicam um deficit de
R$ 6 bilhões nas empresas estatais até novembro, o maior desde o início da
série histórica em 2009. Outras fontes apontam que, de janeiro a agosto, o
prejuízo alcançou R$ 7,2 bilhões, o maior em 22 anos. Esses deficits podem ser
atribuídos ao uso político das empresas, a generosos acordos trabalhistas, à má
gestão e à falta de transparência nos investimentos.
Os maiores deficits são das seguintes
estatais: Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), ligada à Marinha, de
R$ 2,49 bilhões, atribuído à construção das fragatas da classe Tamandaré;
Correios (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), de R$ 2,2 bilhões,
devido à redução de encomendas e custos elevados; Serpro (Serviço Federal de
Processamento de Dados), de R$ 590,4 milhões, por perda de faturamento; e
Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), de R$ 541,8
milhões, decorrente das concessões de aeroportos de grande movimento e
manutenção dos de pequeno porte.
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