quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

É de lamentar - Merval Pereira

O Globo

O que incomoda é ter a quase certeza de que, corremos o risco de ver de novo o que aconteceu aos condenados da Lava-Jato

No dia seguinte à denúncia, pelo procurador-geral da República, do ex-presidente Bolsonaro e de mais 33 comparsas, cinco deles militares de alta patente — quatro generais do Exército, um almirante da Marinha —, por tentativa de golpe de Estado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli anulou com uma canetada monocrática todos os processos contra o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio Palocci. Agora ele está livre, leve e solto depois de ter detalhado, por livre e espontânea vontade, todos os crimes que praticou durante o governo Lula, com o conluio do presidente da época, o mesmo Lula que hoje nos preside pela terceira vez.

Não creio que tenha sido de propósito, seria muita perversidade do ministro. Mas denota o completo alheamento da realidade à sua volta. Poderia ter esperado mais um pouco, para evitar que o Supremo seja mais uma vez acusado de beneficiar petistas para prejudicar Bolsonaro.

Por quanto tempo Bolsonaro ficará na cadeia, se é que será preso? Mais ou menos tempo que o presidente Lula, que ficou 580 dias preso e saiu se dizendo inocentado pela Justiça? Mais ou menos tempo que o tenente-coronel Mauro Cid, que negociou um máximo de dois anos de prisão, caso não seja indultado pela Justiça?

São perguntas impertinentes num sistema judicial que reflita o império da lei. No Brasil, tudo depende. Do ambiente político no momento da decisão, de quem será o próximo presidente da República, da formação do STF na ocasião, da interpretação constitucional de suas excelências. No Brasil, como dizem, até o passado é incerto, quanto mais o futuro próximo.

Sei que hoje deveria ser momento de comemorar a atuação da Justiça brasileira que, a partir das investigações da Polícia Federal (PF), conseguiu detalhar, com provas irrefutáveis, todo o esquema golpista que começou a ser montado pelo então presidente Bolsonaro a partir de 2021, quando Lula foi solto por decisão de uma das turmas do STF. A partir do primeiro relatório da PF até a peça do procurador-geral Paulo Gonet, tudo se encaixa perfeitamente. Só quem é fanático pode negar que aconteceu uma tentativa de golpe, que culminou no dia 8 de janeiro de 2023. Acho exagerada a maioria das penas já dadas pelo Supremo para os vândalos que depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes. Os que foram denunciados agora e os que financiaram e coordenaram as ações é que deveriam receber penas tão altas.

A massa de manobra tem de ser punida de maneira mais equilibrada, alguns até com penas alternativas. O que incomoda é ter a quase certeza de que, mais alguns anos, corremos o risco de ver de novo o que aconteceu aos condenados pela Operação Lava-Jato. Não há mais nenhum preso da Lava-Jato atrás das grades, não há mais Lava-Jato, parece que nem mesmo existiram os crimes cometidos. Tudo o que se delatou, o que se confessou, o dinheiro devolvido na casa dos bilhões, nada disso existiu para a Justiça brasileira.

Constatar que o maior jurisconsulto deste país é o ex-senador Romero Jucá — que determinou, numa conversa gravada, ser preciso fazer um acordo “com o Supremo, com tudo” para “estancar a sangria”, se referindo às prisões de figurões políticos e empresariais da República envolvidos no petrolão — é de lamentar. Imaginar que, se os procuradores de Curitiba, ou o então juiz Sergio Moro, não fossem tão deslumbrados com os resultados do combate à corrupção nem se considerassem uma força acima de qualquer suspeita ou poder, teríamos saído da Lava-Jato com avanços significativos nessa área, é de lamentar. E estar convencido de que, mais cedo ou mais tarde, tudo pode ser revertido de acordo com os ventos políticos, é de lamentar.

 

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