O Globo
O que incomoda é ter a quase certeza de que, corremos o risco de ver de novo o que aconteceu aos condenados da Lava-Jato
No dia seguinte à denúncia, pelo
procurador-geral da República, do ex-presidente Bolsonaro e de mais 33
comparsas, cinco deles militares de alta patente — quatro generais do Exército,
um almirante da Marinha —, por tentativa de golpe de Estado, o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli anulou com uma canetada monocrática
todos os processos contra o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio
Palocci. Agora ele está livre, leve e solto depois de ter detalhado, por livre
e espontânea vontade, todos os crimes que praticou durante o governo Lula, com
o conluio do presidente da época, o mesmo Lula que hoje nos preside pela
terceira vez.
Não creio que tenha sido de propósito, seria
muita perversidade do ministro. Mas denota o completo alheamento da realidade à
sua volta. Poderia ter esperado mais um pouco, para evitar que o Supremo seja
mais uma vez acusado de beneficiar petistas para prejudicar Bolsonaro.
Por quanto tempo Bolsonaro ficará na cadeia, se é que será preso? Mais ou menos tempo que o presidente Lula, que ficou 580 dias preso e saiu se dizendo inocentado pela Justiça? Mais ou menos tempo que o tenente-coronel Mauro Cid, que negociou um máximo de dois anos de prisão, caso não seja indultado pela Justiça?
São perguntas impertinentes num sistema
judicial que reflita o império da lei. No Brasil, tudo depende. Do ambiente
político no momento da decisão, de quem será o próximo presidente da República,
da formação do STF na ocasião, da interpretação constitucional de suas
excelências. No Brasil, como dizem, até o passado é incerto, quanto mais o
futuro próximo.
Sei que hoje deveria ser momento de comemorar
a atuação da Justiça brasileira que, a partir das investigações da Polícia
Federal (PF), conseguiu detalhar, com provas irrefutáveis, todo o esquema
golpista que começou a ser montado pelo então presidente Bolsonaro a partir de
2021, quando Lula foi solto por decisão de uma das turmas do STF. A partir do
primeiro relatório da PF até a peça do procurador-geral Paulo Gonet, tudo se
encaixa perfeitamente. Só quem é fanático pode negar que aconteceu uma tentativa
de golpe, que culminou no dia 8 de janeiro de 2023. Acho exagerada a maioria
das penas já dadas pelo Supremo para os vândalos que depredaram os prédios da
Praça dos Três Poderes. Os que foram denunciados agora e os que financiaram e
coordenaram as ações é que deveriam receber penas tão altas.
A massa de manobra tem de ser punida de
maneira mais equilibrada, alguns até com penas alternativas. O que incomoda é
ter a quase certeza de que, mais alguns anos, corremos o risco de ver de novo o
que aconteceu aos condenados pela Operação Lava-Jato. Não há mais nenhum preso
da Lava-Jato atrás das grades, não há mais Lava-Jato, parece que nem mesmo
existiram os crimes cometidos. Tudo o que se delatou, o que se confessou, o
dinheiro devolvido na casa dos bilhões, nada disso existiu para a Justiça
brasileira.
Constatar que o maior jurisconsulto deste
país é o ex-senador Romero Jucá — que determinou, numa conversa gravada, ser
preciso fazer um acordo “com o Supremo, com tudo” para “estancar a sangria”, se
referindo às prisões de figurões políticos e empresariais da República
envolvidos no petrolão — é de lamentar. Imaginar que, se os procuradores de
Curitiba, ou o então juiz Sergio Moro, não fossem tão deslumbrados com os
resultados do combate à corrupção nem se considerassem uma força acima de
qualquer suspeita ou poder, teríamos saído da Lava-Jato com avanços
significativos nessa área, é de lamentar. E estar convencido de que, mais cedo
ou mais tarde, tudo pode ser revertido de acordo com os ventos políticos, é de
lamentar.
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