domingo, 16 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Prisões precárias são incentivo ao crime organizado

O Globo

Omissão das autoridades facilita o aliciamento de detentos pelas facções criminosas que mandam nos presídios

A população carcerária brasileira continua a crescer sem que sejam resolvidos os problemas da segurança pública. De 2013 a 2023, o total de encarcerados aumentou 46%, passando de 581 mil para 850 mil, segundo relatório do Ministério dos Direitos Humanos. No final do primeiro semestre do ano passado, eram 889 mil presos, num sistema com capacidade oficial para abrigar 489 mil. A taxa de encarceramento subiu de 301 para 408 presos por 100 mil habitantes entre 2014 e 2024. Desde 2020, o Brasil passou da 26ª para 14ª posição na lista dos países que mais prendem, mantida pelo projeto World Prison Brief (liderada por El Salvador, com 1.659).

As prisões brasileiras estão longe de ser capazes de ressocializar os presos e funcionam como escolas para criminosos. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem razão em apontar violações de direitos humanos e práticas inconstitucionais nos presídios, quase todos superlotados, com exceção dos poucos presídios federais. “Não se faz segurança pública nem se ressocializa em um sistema superlotado”, diz André Garcia, secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça.

E se o problema de Lula não for apenas a inflação? - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Com menos de 50 dias de governo, ainda sob o impacto da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, já era possível diagnosticar que o presidente Lula era prisioneiro de uma "jaula de cristal

Com menos de 50 dias de governo, ainda sob o impacto da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, já era possível diagnosticar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era prisioneiro de uma "jaula de cristal", embora houvesse uma mudança da água para o vinho na situação política do país com sua chegada ao poder. A parábola do ex-ministro do Planejamento chileno Carlos Matus, na obra O líder sem Estado-Maior, descreve "os imponentes e frágeis" gabinetes de líderes que se isolam e se tornam prisioneiros de uma pequena Corte.

"Um homem sem vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário. Não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo", aponta Matus. "O governante sente-se satisfeito com seu gabinete: nem sente que precisaria melhorá-lo, nem saberia como fazê-lo porque o desacerto está no comando", completa.

O coração das trevas - Raul Jungmann

Correio Braziliense

Dados oficiais registram que dos mais de 888 mil presos — de uma população carcerária que cresce a uma média de 8,3% ao ano —, 216 mil são provisórios, ou seja, sem condenação (muitos sem sequer processo), 83% sem educação básica e 36%, jovens entre 18 e 29 anos

A segurança pública no Brasil permanecerá em um beco sem saída enquanto prevalecer a política do "tiro, porrada e bomba", exercida pelos governos estaduais, funcionalmente responsável pelo principal fator que aprofunda e resulta no crescimento do crime organizado: as prisões indiscriminadas que entopem os presídios.

Essa política, que só é pública porque se dá às vistas de todos, é a negação do sistema penitenciário como "home office" e centro de recrutamento do crime organizado — gênese, portanto, da violência e de sua estruturação.

O país entre duas anistias - Míriam Leitão

O Globo

Enquanto STF decide ainda sobre crimes cometidos na ditadura, a oposição quer anistia dos golpistas de 8 de janeiro, que sequer foram julgados

O Brasil está discutindo duas anistias ao mesmo tempo. Uma por ser lento, e outra por ser precipitado. Parece contraditório, mas o país é assim. O STF formou maioria para decidir se o crime continuado, como ocultação de cadáver, também foi perdoado pela Lei de Anistia de 1979. A direita, por sua vez, tenta esquentar o debate em torno de uma anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, mesmo que o processo nem tenha terminado. Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal pode receber a primeira parte da denúncia do procurador-geral da República contra os integrantes do comando do ato golpista. Um debate, a respeito dos crimes da ditadura de 1964, o país já deveria ter travado há muito tempo. O outro chega antes da hora, porque os mandantes nem foram julgados.

Fantasias – Dorrit Harazim

O Globo

Mundo atual precisa de um mínimo de retidão moral e intelectual de cada bípede capaz de pensar para além do próprio nariz

Sábado, 23 de junho de 1934. O telefone toca na casa do poeta Bóris Pasternak em Moscou. É a secretária de Josef Stálin, líder supremo da União Soviética pós-revolucionária. O camarada queria dar uma palavrinha. A histórica ligação registrada pela KGB durou cerca de três minutos, e as perguntas formuladas por Stálin vieram de chofre, sem introito:

— O que você acha de Mandelstam?

— O que se fala sobre a prisão dele nos círculos literários?

Stálin se referia à detenção, um mês antes, do também poeta Osip Mandelstam. Autor de um ácido poema contra o líder, Mandelstam o recitara privadamente para um grupo de 14 intelectuais amigos — entre eles, Pasternak. Este último admirava o colega modernista, porém considerava desnecessária e perigosa para todos a crítica a Stálin. Pego de surpresa, o autor de “Doutor Jivago” e posteriormente Nobel de Literatura (1958) conseguiu apenas articular uma resposta genérica sobre o estilo literário de cada um, resposta essa de que se arrependeria o resto da vida:

— Nós somos diferentes, Camarada Stalin. Ele é modernista, enquanto eu sou de outra tendência. Nada posso lhe dizer sobre Mandelstam — respondeu.

— Só isso? Esse é o máximo de lealdade que você demonstra a um amigo? Você é um péssimo camarada, Camarada Pasternak — retorquiu Stálin antes de desligar.

O escritor ainda tentou se reconectar com o ditador para fazer reparos. Em vão. Stálin perdera interesse. Já sabia o que queria. Ademais, o número de telefone criado pela KGB para essa única chamada já não mais existia.

A lenga-lenga ambientalista - Elio Gaspari

O Globo

Quando Lula disse que “não dá para a gente ficar nessa lenga-lenga” na questão ambiental para a exploração das reservas de petróleo da chamada Foz do Amazonas foi ao olho do problema.

É sabido que a centenas de quilômetros do litoral norte do continente, nas águas do Amapá, há uma rica província petrolífera. Chamá-la de Foz do Amazonas é um truque de retórica, pois esse estuário fica a 500 quilômetros da chamada Margem Equatorial. Explorando-a, a Guiana e o Suriname vivem um período de bonança. Em 2013, a Petrobras, num consórcio internacional, arrematou o lote FZA-M-57 para sua eventual exploração. O que se pretende para toda a área é uma licença para novas perfurações. Defendendo o meio ambiente, o Ibama congelou a pesquisa.

O tombo de Lula - Bernardo Mello Franco

O Globo

Em entrevista à Rádio Clube do Pará, Lula esboçou uma tese sobre os governos e a opinião pública. “No primeiro ano, ninguém cobra, porque o pessoal sabe que você não teve tempo de fazer nada”, disse. “No segundo ano, o povo já começa a ter uma expectativa”, prosseguiu. “O terceiro ano é o melhor”, arrematou.

O presidente falou na manhã de sexta-feira. À tarde, foi atropelado pelo Datafolha. O instituto mostrou que sua popularidade desabou justamente no início do terceiro ano de governo. A fatia de eleitores que consideram a gestão boa ou ótima recuou para 24% — menor índice já registrado em seus três mandatos.

Lula desiste se achar que vai perder? - Thiago Prado*

O Globo

Seria fácil para ele apresentar a idade avançada ou questões de saúde como impedimentos para se candidatar

Voz do mundo político de quem todos esperam previsões certeiras, o presidente do PSDGilberto Kassab, tem compartilhado com interlocutores a seguinte análise: o presidente Lula só será candidato em 2026 se tiver certeza da vitória; caso contrário, encontrará alguma maneira de tirar o nome da urna. A crença na desistência estimulou dois movimentos nas últimas semanas: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), começou a admitir aos mais próximos que quer, sim, ser candidato ao Planalto; Kassab, antes refratário à ideia, já reconhece que não poderá impedir o aliado se o “cavalo selado” da Presidência passar.

Sem reeleição, sem sucessor - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

O presidente Lula entrega o País de mão beijada para a direita, na onda internacional

O presidente Lula está cercado por todos os lados: agronegócio, mercado, importadores, exportadores, as tarifas de Donald Trump, Congresso, pelo menos quatro presidentes de partidos, direita, centro, parte da esquerda, um a cada três dos seis eleitores e, muito particularmente, as redes sociais. Lula perde o rumo e a mídia e sua maior ameaça vem do próprio PT: uma guinada à esquerda, num País e num mundo cada vez mais à direita, seria a pá de cal.

Uma dura crítica a Lula é que ele replica Dilma Rousseff na economia, mas a sensação agora é ainda mais agoniante: a de que o processo de isolamento do seu governo repete o de sua antecessora petista, com o presidente trancado no Planalto sem entender o tamanho da crise, cercado de ministros batendo cabeça, entre ceder ou confrontar o Congresso e botando a culpa na comunicação e na mídia.

Jerome Kohn e o legado de Hannah Arendt - Celso Lafer

O Estado de S. Paulo

Jerry foi próximo de Hannah Arendt, de sua pessoa, de sua ‘forma mentis’ e de sua maneira de ser

Conheci Jerome Kohn – Jerry – em 1970 em Nova York. Ele era naquela ocasião o próximo e dedicado assistente acadêmico de Hannah Arendt na New School for Social Research. Ele me recebeu no prédio da faculdade para me levar ao escritório de Hannah Arendt. Foi quando com ela conversei sobre a publicação de sua obra no Brasil, tendo como pano de fundo o privilégio de ter sido seu aluno de pós-graduação em 1965 na Universidade Cornell.Daconv ersa resultou em 1972 a publicação inaugural de Entre o Passa doe o Futuro, pela Perspectiva, que ela acompanhou com interesse. Ponderou que seu único contato comanos sal íngua tinhas ido percorrer–sem muito entender, mas com o auxílio de seu latim e francês – os jornais em Lisboa na sua libertatória travessia da Europa nazista para os Estados Unidos.

Trump contra os aliados - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Os EUA tendem a mergulhar em uma crise sem precedentes, arrastando o mundo

Donald Trump, J.D. Vance e Elon Musk estão presidindo um assalto às instituições, a privatização do Estado e a ideologização das políticas externa e de defesa. Os EUA tendem a mergulhar em uma crise sem precedentes, arrastando o mundo.

Trump demitiu 17 inspetores-gerais de órgãos como os Departamentos de Defesa, Estado e Interior. Eles são responsáveis pelo combate à corrupção. Oito entraram na Justiça argumentando que as demissões violam a lei, que exige justificativa para seu desligamento.

Matéria de que se faz democracia - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

A fragilidade democrática percebida por Bill Gates é a fatalidade de um modelo em declínio e um índice de sua inanidade

Com um livro de memóriasBill Gates vem a público para se dizer surpreso com a fragilidade da democracia norte-americana. Achava que fosse condição possível a qualquer país do mundo, menos ao seu. A declaração é de uma candura também surpreendente, vinda do bilionário, filantropo, fundador da Microsoft, alinhado entre os homens mais influentes do século. Mas relevante, porque espelha o sentimento de metade das pessoas que não votaram na ameaça a essa democracia. Inaugura a preocupação dos americanos de bom senso com a sua própria estabilidade institucional.

As causas do tombo de Lula - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Reação viria com Pé de Meia, Gás para Todos, consignado e menos IR se Congresso deixar

No meio da noite, o bêbado pede ajuda a um policial para achar as chaves que perdeu. Procura perto de um poste de luz. O policial pergunta se o homem as perdeu mesmo por ali. O bêbado diz que deve ter perdido as chaves em uma praça escura: procurava perto do poste porque havia mais luz.

É piada velha de cientistas.

Por que o prestígio de Lula caiu tanto? A gente pode procurar a explicação onde há mais luz. Nos números da inflação, por exemplo, da comida em particular. Resolve?

PT 45 anos - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Se a sigla não sobreviver, a política brasileira pode se reduzir à disputa entre o partido do furto e o do assalto à mão armada

O Partido dos Trabalhadores completou 45 anos de idade semana passada. Já escrevi um livro dizendo o que acho de sua história até aqui: em resumo, você pode não achar as propostas do PT boas, mas tem que aceitar que o PT foi ótimo para a democracia brasileira. Discordar disso é desistir de conversar com os fatos.

Mas qual o futuro do PT? O partido sobreviveu a uma crise que parecia fatal entre 2015 e 2018 e ajudou a salvar a democracia brasileira elegendo Lula em 2022. Mas sua sobrevivência como legenda relevante não está garantida.

Missão quase impossível – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Para vencer a próxima eleição, governo terá de fazer mais que dourar a pílula na comunicação

A pergunta que fica diante da situação periclitante para o presidente Luiz Inácio da Silva e o PT mostrada na pesquisa Datafolha é se ele conseguirá se recuperar como fez no curso do primeiro mandato em decorrência da crise do mensalão.

A retomada do leme diante de um tombo de 11 pontos porcentuais em dois meses não é missão impossível, embora seja uma tarefa muito mais árdua do que foi em 2005.

A heterodoxia trumpista não funcionará - Samuel Pessôa

Folha de S. Paulo

Aumentar alíquotas de importação para atender seu eleitorado não vai dar certo

eleição de Trump responde a uma demanda muito clara. Nas últimas décadas, houve forte redução do emprego para o trabalhador de média escolaridade, em geral o trabalhador com o ensino médio completo e alguma formação técnica. Essa queda ocorreu tanto para o trabalhador do chão de fábrica, que foi substituído por robôs, quanto para o trabalhador de escritório, que foi substituído por computadores.

Adicionalmente, há uma queda da qualidade da rede pública de educação americana, desde os anos 1960, aproximadamente. De sorte que o filho do trabalhador que perde emprego na indústria não consegue competir com os filhos dos ricos, nem com os filhos dos imigrantes asiáticos, pelos bons empregos do Vale do Silício.

Humanamente possível - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro combina história e biografias para traçar um retrato do humanismo do século 14 aos dias de hoje

Há duas formas de se empanturrar. Você pode devorar quantidades pantagruélicas de um só prato ou saborear pequenos bocados de infindáveis petiscos. "Humanamente Possível", de Sarah Bakewell, é um banquete intelectual do segundo tipo.

Bakewell nos serve dezenas de autores esparramados ao longo de sete séculos de tradição humanista. Começa com Petrarca e Boccaccio, nos anos 1300, passa pelo Renascimento, com sua valorização de clássicos da Antiguidade como Vitrúvio, e termina nos dias de hoje.

Poesia | Navegue, de Fernando Pessoa

 

Música | Luiz Melodia - A voz do morro(Zé Keti)