Valor Econômico
A conjuntura aponta, sim, para uma
desaceleração econômica em 2025. Mas não, pelo menos por ora, para uma parada
súbita neste início de ano
As discussões sobre conjuntura têm focado,
neste início de ano, nas perspectivas para a atividade econômica. O debate se
divide entre os que contam com um pouso relativamente suave da economia e os
que atribuem grande probabilidade a uma parada súbita.
Para dar contexto, vou definir “parada súbita” como uma piora da taxa de crescimento trimestral superior a 1 ponto percentual e com dois trimestres consecutivos de contração do PIB. Tivemos cinco episódios desde 2002. Dois são atípicos porque ocorreram na esteira de graves crises globais, em 2008 e 2020. Os outros três foram basicamente determinados por fatores domésticos. O primeiro, na virada de 2002 para 2003, evidenciou as consequências econômicas - aceleração inflacionária e queda da renda - do severo estresse financeiro ocorrido nos trimestres anteriores. O segundo, em 2014, e o terceiro, em 2015, ocorreram na Grande Recessão brasileira, que durou do segundo trimestre de 2014 ao quarto trimestre de 2016.
As paradas súbitas domésticas decorrem de
fortes contrações da demanda, em especial consumo (63% do PIB) e investimento
(17%). Na Grande Recessão, houve uma combinação de excesso de alavancagem
corporativa e problemas específicos de governança em setores-chave, como
petróleo e construção, que levou a uma intensa e prolongada redução do
investimento, começando por uma contração de 4,4% no segundo trimestre de 2014,
e que se estenderia ininterruptamente até o primeiro trimestre de 2016.
Os indicadores de alavancagem corporativa,
que estavam em 2,6x (dívida líquida/Ebitda) no início de 2014, encontram-se
atualmente em 1,7x, o que em tese deve mitigar esse risco - excluindo duas das
maiores empresas, os indicadores ficam mais próximos, 2,5x em 2014 e 2,1x
atualmente, mas ainda assim a situação presente parece menos vulnerável.
Tampouco se espera algum evento como os que atingiram os setores acima citados
na década passada.
Dado o peso no PIB, o “jogo” será ganho ou
perdido a depender do comportamento do consumo. A Grande Recessão começou em
2014, mas o colapso do consumo só viria a ocorrer no primeiro trimestre de
2015, quando apresentou contração de 1,7%, vindo de alta de 1,5% no quarto
trimestre de 2014. E esse colapso coincidiu com uma forte aceleração da
inflação. A variação do IPCA havia se estabilizado em torno de 6,5% na segunda
metade de 2014. No entanto, isso contou com a ajuda de políticas que
efetivamente reprimiam os ajustes de preços públicos, notadamente combustíveis
e energia. A inflação de preços administrados, que havia sido 5,3% em dezembro
do ano eleitoral de 2014, atingiu 13,4% em março e 15,1% em junho de 2015.
A correção da inflação reprimida era
inevitável, foi causada pelos erros da política anterior e teve impacto severo
sobre a renda real e, consequentemente, o consumo. Considerando médias móveis
de três meses, os salários reais monitorados pela Pnad começaram a cair em
março de 2015 e continuaram em queda até novembro. É possível que parte da
depreciação cambial recente (parcialmente revertida desde o início do ano)
ainda esteja por ser repassada aos preços, mas não há, atualmente, a
necessidade de correção de preços relativos e relaxamento de controles presente
no início de 2015. Claro está que podemos ter outro surto inflacionário, a
depender da trajetória da dívida, contudo esse não é o cenário básico.
Outro fator de resiliência da economia é o
mercado de trabalho. O desemprego tende a ser a última variável macroeconômica
a melhorar, nas expansões, mas também a última a piorar nas contrações da
atividade. A Grande Recessão começou no segundo trimestre de 2014, entretanto,
o desemprego, com ajuste sazonal, só começou a crescer no primeiro trimestre de
2015. A taxa de desemprego encontra-se atualmente em 6,6%, próxima das mínimas
históricas, sem tendência aparente de elevação. Outros indicadores, como a taxa
de desligamentos voluntários (35,1% na última observação, ante uma média de
27,4%), também apontam para um mercado de trabalho aquecido. Em resumo, seja
pelo comportamento da renda real, ou da taxa de desemprego, o mercado de
trabalho não deve ocasionar uma queda da demanda que cause parada súbita.
O outro suspeito é o crédito. A taxa real de
juros ex ante subiu de 7% para perto de 9% desde o início do ciclo de política
monetária. Esse aperto monetário irá ocasionar desaceleração do crédito,
seguindo o funcionamento usual do mecanismo de transmissão. Porém, a
desaceleração já está incorporada nos cenários prospectivos. A projeção do
Itaú-Unibanco, por exemplo, é de crescimento de 2,2% neste ano, com
desaceleração mais forte no segundo semestre, e com o crescimento do crédito
caindo de 10,9% para 9,5% ao longo do ano.
Conjuntura aponta para desaceleração em 2025,
mas risco maior parece ser que ela se intensifique no segundo semestre
Em outras palavras, a desaceleração do
crédito, engendrada pela política monetária, será uma das explicações para a
desaceleração da economia. Eventos específicos no âmbito corporativo, ou um
aumento mais intenso da inadimplência, podem levar a uma parada súbita de
crédito, com as consequências esperadas, e são riscos a serem monitorados, mas
não parecem ser inevitáveis. O “novo consignado”, caso seja implementado muito
rapidamente, pode ser risco na direção oposta. O mesmo se aplica à poupança das
famílias: 10,7% do PIB na última observação, ante uma média histórica de 7,6%,
o que constitui um colchão que pode ser utilizado para sustentar o consumo, ao
menos no curto prazo.
Outro determinante da desaceleração virá,
espera-se, da política fiscal. Parte está contratada: não teremos, em 2025,
injeção de recursos equivalente aos precatórios que foram pagos no início de
2024 (em montante equivalente a 0,8% do PIB). Mas as transferências, a parte
dos gastos primários com maior influência sobre o PIB, seguirão crescendo (1,5%
projetado, ante 6,4% em 2024), ainda que menos do que no ano anterior. Não se
espera, em resumo, uma parada súbita dos gastos públicos recorrentes. Por outro
lado, reportadamente poderia ocorrer uma nova rodada de estímulos fiscais e
parafiscais, em reação a desenvolvimentos políticos recentes.
Finalmente, cabe mencionar que, diante de
outra safra recorde, o agro (que na equipe estimamos ser 21% do PIB,
considerando atividades ex-produção) tende a impulsionar o PIB direta e
indiretamente - há evidências de que em anos de boas safras o PIB não agro
também tenda a crescer mais.
E o que dizem os indicadores de alta
frequência? O indicador proprietário do Itaú Unibanco, o IDAT, mostra que a
atividade, que havia tido uma queda importante em dezembro (1,4%), depois de
alta ainda maior em novembro (1,7%), andou de lado (0,3%) em janeiro.
A conjuntura aponta, sim, para uma
desaceleração econômica em 2025. Mas não, pelo menos por ora, para uma parada
súbita neste início de ano - o risco maior parece ser que a desaceleração se
intensifique na segunda metade do ano.
*Mario Mesquita é
economista-chefe do Itaú Unibanco.
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