É urgente reformar a Previdência de estados e municípios
O Globo
Em 63% das prefeituras e 37% dos estados,
regras do funcionalismo são mais brandas que as federais
Num cenário de envelhecimento da população causa preocupação que as regras de aposentadoria estabelecidas para os servidores da União na reforma da Previdência de 2019 sejam seguidas em menos da metade das prefeituras (37%) com regime previdenciário próprio e em apenas 17 das 27 unidades da Federação (63%). Todos os demais entes federativos adotam regimes menos rigorosos, como verificou estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) noticiado pelo GLOBO. O estudo foi feito pelos pesquisadores Rogério Nagamine e Bernardo Schettini, levando em conta critérios como idade mínima de aposentadoria e outras mudanças introduzidas pela reforma.
É verdade que a adesão às normas da União não
se tornou obrigatória para estados e municípios. A legislação exigiu apenas que
criassem regimes complementares de Previdência e ajustassem alíquotas de
contribuição. Mas os entes federativos não vivem num mundo à parte. Nem nadam
em dinheiro. Ao contrário, alguns já enfrentam “severa restrição fiscal”,
segundo o estudo.
Sem equiparação dos servidores estaduais e
municipais às regras da União, o equilíbrio entre receitas e despesas ficará
ameaçado. Dados do Ministério da Previdência mostram que os gastos com
benefícios previdenciários municipais passaram de R$ 56,9 bilhões em 2019 para
R$ 82,1 bilhões em 2023. A receita em 2023, de R$ 82,6 bilhões, foi
praticamente igual ao gasto. A tendência é a despesa aumentar.
O Legislativo, que poderia contribuir para
uniformizar as regras, hesita em assumir o custo político da mudança. O artigo
que previa os mesmos critérios da União para servidores estaduais e municipais,
incluído no Senado, foi derrubado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
da Câmara durante análise de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
estabelece o parcelamento de débitos previdenciários das prefeituras. Os
parlamentares deveriam incluí-lo novamente. A unificação é fundamental para
conter o crescimento das despesas com pessoal.
A realidade da Previdência é inexorável. O
último Censo constatou que, entre 2010 e 2022, o Brasil deu um salto de
envelhecimento. Em 1980, 4% dos brasileiros tinham 65 anos ou mais. Em 2022,
eram 10,9%. O país tem envelhecido em ritmo mais rápido do que se esperava.
Estima-se que a faixa etária superior a 60 anos será a maior a partir de 2042.
O impacto na Previdência é óbvio. Com menos gente na base para contribuir e
mais no topo para receber, a conta não fecha. Acrescentem-se políticas
demagógicas que pressionam o gasto previdenciário — como o vínculo do reajuste
de aposentadorias e benefícios previdenciários ao salário mínimo — e está
armada a bomba fiscal.
Não há dúvida de que o Brasil precisará de
uma nova reforma da Previdência para se adequar à realidade demográfica,
situação agravada por déficits crescentes e políticas populistas que só fazem
aumentar. Economistas e demógrafos têm dito que os efeitos da reforma de 2019
se esgotarão já em 2027. Será inescapável aumentar novamente a idade mínima e
estimular a permanência no mercado de trabalho. Nesse cenário desafiador, não
faz sentido que parcela significativa de municípios e estados mantenha regras
previdenciárias defasadas. O crescimento dos gastos nos próximos anos é tão
previsível quanto as romarias de governadores e prefeitos a Brasília implorando
por ajuda para sanear suas dívidas.
Integração de dados é essencial para combater
furtos de celular
O Globo
Estados devem priorizar o crime, e governo
federal deve unificar as informações de aparelhos roubados
Dois criminosos numa moto matam um ciclista
em São Paulo e
levam seu celular. A menos de cinco quilômetros, outros dois assassinam um
jovem turista que reagiu ao roubo do aparelho. Em Curitiba, uma dupla rouba
nove celulares no arrastão de um ônibus. No Rio, criminosos atuam em arrastões
em universidades e eventos, como o Ensaios da Anitta, na Marina da Glória. Cada
furto ou roubo registrado país afora desde o começo do ano dá a dimensão da
inoperância das autoridades. O bandido que ataca o cidadão não é o mesmo que
depois lucra com o produto. Aumentar o policiamento ostensivo nas ruas pode
inibir o crime, mas só o combate às cadeias de receptadores surtirá efeito
duradouro.
No último levantamento nacional, o volume de
ocorrências caiu. Em 2023, o furto e o roubo de celulares sofreram queda de
4,7% no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Embora
positiva, a queda está longe de representar resposta adequada das forças de
repressão. Quase 1 milhão de aparelhos continuam indo parar nas mãos de
criminosos todo ano. À medida que fabricantes e autoridades se defendem, os
bandidos procuram novos caminhos. Com mais recursos de bloqueio, passou a ser
vital subtrair o aparelho quando está em uso pelo dono ou exigir a revelação de
senhas. Está nas abordagens violentas a explicação para vários latrocínios.
Celulares roubados costumam ter três usos.
Quando os criminosos obtêm acesso aos aplicativos, usam o aparelho para dar
golpes, transferir dinheiro ou fazer compras. Em seguida, o colocam no mercado
de revenda de aparelhos ou peças usadas em estados e países menos vigilantes.
Há uma cadeia dedicada a transformar o produto em lucro. Prender todos os
criminosos em busca de celulares nas ruas seria inviável. Por isso o estado
do Piauí mirou
nos receptadores.
Os números do celular mudam, mas cada
aparelho tem um identificador internacional único, conhecido como IMEI,
semelhante ao chassi de um carro. Em cooperação com a Justiça, a polícia
piauiense obteve junto às empresas de telefonia os IMEIs de milhares de
aparelhos roubados. A partir daí, conta Matheus Zanatta, superintendente de
Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, ficou fácil
rastrear e chegar aos compradores e às revendas. Em 2024, o roubo de celular
caiu 37%. Houve também redução de 15% nos furtos. De estado com alta
incidência, o Piauí se transformou em modelo de reação.
Iniciativas para bloquear linha telefônica e
operações financeiras, como o aplicativo Celular Seguro, do Ministério da
Justiça, são positivas, mas resolvem apenas parte do problema. Zanatta defende
a criação de um banco nacional de IMEIs. Bloquear esse código equivale a mandar
o produto roubado ao mercado de peças, menos lucrativo. A polícia tem condição
de combater roubos e furtos de celular, diz Renato Sérgio de Lima, presidente
do FBSP. Para isso, os governadores precisam tornar o crime prioridade, e o governo
federal deve integrar os IMEIs numa base de dados nacional.
Recuperação judicial avança com aumentos dos
juros
Valor Econômico
Com o aumento das taxas de juros, a valorização do dólar e mais restrições ao crédito, a previsão é que o número de empresas em recuperações judiciais vai aumentar
Apesar de 2024 exibir economia aquecida e a
maior taxa de crescimento econômico em mais de uma década, o número de empresas
que entrou em recuperação judicial bateu recorde - 2.273, com um aumento de
61,8% em relação a 2023. Foi superado o recorde anterior, de 1.863 pedidos em
2016, informou a Serasa Experian. As micro e pequenas empresas foram as mais
afetadas, representando quase três quartos dos pedidos de recuperação, um
aumento de 78,4% em relação a 2023.
Com um passivo consolidado ao redor de R$ 50
bilhões, a Polishop, a rede de supermercados Dia, a Casa do Pão de Queijo, a
Patense, a OEC, braço de construção da Odebrecht, a Coteminas e a Subway são
exemplos de empresas de primeira linha em dificuldade financeiras que
recorreram à recuperação judicial. A mais recente delas é a Bombril, com
passivo tributário de R$ 2,3 bilhões.
As micro e pequenas empresas foram as mais
afetadas em quantidade por terem menos capital de giro, menor acesso a
empréstimos e falta de estrutura gerencial. Representaram 73,7% dos pedidos de
recuperação. As companhias de médio porte foram o segundo grupo que mais pediu
recuperação judicial em 2024 (18,3%), seguido das de grande porte (8%). Entre
os setores, o de serviços liderou, com 41% do total registrado pela Serasa,
pela representatividade na economia. As falências, porém, na contramão,
diminuíram 3,5% na comparação anual.
Mas dois setores se destacaram em pedidos de
recuperação em 2023, de acordo com dados do Monitor RGF da consultoria RGF
& Associados. Um deles é o do agronegócio, afetado pela redução da produção
causada por fatores climáticos negativos, pela queda dos preços das commodities
e pelo aperto na concessão de crédito.
Segundo o Monitor RGF da Recuperação
Judicial, 264 companhias do agronegócio estavam em recuperação judicial no
terceiro trimestre de 2024. Na passagem para o quarto trimestre, mais 35
empresas entraram no grupo, enquanto apenas quatro o deixaram, elevando o
número para 295 empresas, 38,5% a mais do que no mesmo período de 2023.
Pequenos produtores e grupos familiares foram os mais afetados, pela falta de
estrutura profissionalizada e de conhecimento financeiro no comando das
empresas.
Nada menos do que 34% das empresas em
recuperação judicial no quarto trimestre tinham o cultivo de soja como
atividade principal, segundo a RF Consultoria. A criação de bovinos de corte
vinha na sequência, com 20%, enquanto as companhias de cultivo de cana-de-açúcar
eram 15%. Fazem parte da lista também empresas de serviços de preparação de
solo, cultivo e colheita (5% delas) e companhias de milho (4%).Um dos episódios
mais conhecidos de recuperação judicial nessa área, em 2024, foi o da
distribuidora de insumos Agrogalaxy, afetada pela queda das commodities. Esse
caso e de outras empresas do setor teve repercussões negativas no mercado
financeiro, interrompendo a expansão dos Fundos de Investimento nas Cadeias
Produtivas Agroindustriais (Fiagros), que vinham se tornando uma alternativa de
financiamento do setor, com patrimônio de R$ 43,7 bilhões ao fim do ano
passado, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro
e de Capitais (Anbima). Os Fiagros atraíram investidores pessoas físicas pela
isenção de Imposto de Renda (IR), mas perderam espaço para os Fundos de
Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que possuem cobertura em caso de
inadimplência.
As recuperações judiciais também cresceram no
setor imobiliário. Das 4.568 companhias que negociavam dívidas na Justiça no
fim do ano passado, segundo o Monitor RGF, a maioria (28,8%) é do setor
imobiliário. A incorporação de empreendimentos imobiliários lidera o número de
reestruturações, com 314 companhias nessa situação, e a construção de edifícios
segue em terceiro no ranking nacional, com 212 empresas. O segundo lugar é
ocupado pelas holdings de instituições não financeiras.
A expectativa de desaceleração da economia
neste ano não autoriza maiores otimismos. Com o aumento das taxas de juros, a
valorização do dólar e mais restrições ao crédito, a previsão é que o número de
empresas em recuperações judiciais vai aumentar. As empresas, principalmente as
menores, vão ter mais dificuldades para superar crises financeiras e aperto de
caixa por terem menos capital de giro e acesso ao crédito. Mais da metade da
dívida das empresas é com instituições financeiras. O próprio processo de recuperação
judicial é custoso e dura, em média, cinco anos.
O ano de 2026 não deverá ser muito diferente
e pode apresentar números ainda maiores de recuperação judicial, especialmente
se o governo seguir leniente com os gastos públicos. Uma melhora depende da
redução da Selic, o que não está no horizonte de curto prazo, diante da
fragilidade das contas públicas. As estimativas do mercado são de que a taxa
básica pode subir até acima de 15%. Uma melhora mais significativa só deve
ocorrer ao menos três trimestres após uma eventual redução da Selic.
Impopularidade pode aumentar
irresponsabilidade fiscal
Folha de S. Paulo
Menor taxa de aprovação de Lula no Datafolha
poderá, no pior cenário, incentivar gastança que elevou dólar e inflação
O tombo inaudito no índice de aprovação de
Luiz Inácio Lula da
Silva não é só má notícia para o petista, já que enseja temores no mercado de
que o Planalto abrace de vez a irresponsabilidade fiscal daqui em diante,
gerando impactos severos sobre a inflação que
afeta sobretudo os mais pobres.
Segundo pesquisa do Datafolha,
entre dezembro e janeiro, a taxa de entrevistados que
consideram seu governo ótimo ou bom despencou de 35% para 24%. Na mão
inversa, a reprovação subiu de 34% para 41%.
Ambas as marcas são inéditas para o
mandatário, considerando seus governos de 2003 a 2010 e o atual. A desaprovação
se espraia até mesmo em segmentos tradicionalmente lulistas.
A crise decorre de problemas pontuais e
estruturais. No primeiro grupo, encontra-se o desastre de gestão e comunicação
em janeiro, quando a edição de uma medida para vigiar transações acima de R$
5.000 no Pix foi
criticada e chegou a ser alvo de uma campanha de fake news.
Já as questões subjacentes à queda são mais
complexas. Apesar de ter na Fazenda um ministro que se diz comprometido com o
rigor fiscal, Fernando
Haddad, na prática Lula tem minado qualquer ideia de austeridade.
De
tal irresponsabilidade decorreu a disparada do dólar ao final de 2024,
pressionando a inflação de alimentos e outros itens básicos, que afeta
principalmente a renda dos mais pobres —nesse grupo, a aprovação do presidente
caiu de 44% para 29%.
A recente alta do preço dos ovos é uma
provável nova trincheira a ser explorada pela oposição, que na crise do Pix foi
eficaz em maximizar danos. Manifestações contra o presidente, marcadas para 16
de março, poderão dar uma medida do desafio a ser enfrentado por Lula.
Em favor do petista, há divisão nas hostes
rivais, cortesia da insistência de Jair
Bolsonaro (PL)
em dizer que será candidato em 2026, mesmo impedido.
Políticos mais óbvios que poderiam se colocar
na disputa, como o governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos-SP), não o fazem e perdem exposição. Com
isso, mutações do bolsonarismo —o cantor Gusttavo Lima é
um exemplo— ocupam o noticiário.
Dadas as incertezas sobre a guerra tarifária
proposta pelo americano Donald Trump,
que pode impactar câmbio e
inflação aqui, o horizonte visível é tenso e agravado por pressões políticas
domésticas, como a expansão do apetite por cargos do centrão.
As medidas sugeridas para tentar melhorar a
popularidade de Lula enfrentam obstáculos, como a ampliação dos programas
Pé-de-Meia e Auxílio-Gás, além da isenção do Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5.000.
Embora o pior cenário seja o da elevação dos
gastos, é bastante provável que tudo siga como está, sem
o aumento na gastança, pois o presidente já deve ter percebido, pelos
números da pesquisa, que a irresponsabilidade fiscal não está funcionando.
Emendas individuais são campo fértil para
toma lá, dá cá
Folha de S. Paulo
Repasse de verbas para municípios de
prefeitos aliados concentra-se em 110 parlamentares; é preciso mais
transparência
Não bastassem a opacidade e os desvios no uso
de recursos públicos com emendas parlamentares, atualmente sob intervenção do
Supremo Tribunal Federal para tentar moralizar o tema, reportagem da Folha revelou
como elas tornam espúria a disputa por cadeiras no Congresso
Nacional.
Levantamento do jornal mostrou que 110
deputados e senadores concentraram verbas de emendas enviadas a municípios de
prefeitos aliados que foram reeleitos em 2024. Assim, em 2026, é possível que
os alcaides ajudem esses mesmos parlamentares em suas campanhas à reeleição.
Com o auxílio dos prefeitos, fatalmente
acabarão tendo mais vantagens e visibilidade em relação a adversários locais.
A análise levou em conta deputados e
senadores que destinaram
70% ou mais de suas emendas individuais para essas cidades nos últimos
dois anos. Com os repasses de verbas, os parlamentares ganharam destaque em 216
municípios de correligionários em todo o país.
Em troca do dinheiro, prefeituras têm se
prontificado a produzir vídeos e fotos de ambulâncias, vias pavimentadas e
outros investimentos pagos com as emendas dos congressistas, sempre projetando
os nomes dos parlamentares como a melhor opção no Congresso para a população
local.
Os 110 congressistas que se beneficiam da
simbiose com os prefeitos integram partidos da esquerda à direita —12 são
do PT; 19
do PL. Mais
da metade domina dois ou mais municípios com os repasses em seus nomes.
Emendas parlamentares não são um problema em
si e foram criadas para descentralizar o Orçamento público. O dispositivo é
útil, por exemplo, para garantir recursos para demandas locais em regiões
normalmente não atendidas pelo governo federal.
As cidades beneficiadas pelos parlamentares,
por exemplo, estão entre as menores do Brasil e ostentam índice de
desenvolvimento baixo ou muito baixo.
O problema é que as emendas são individuais,
o que favorece o uso eleitoral dos recursos, como se atesta nas dezenas de
prefeituras beneficiadas pelas verbas.
No próximo dia 27, representantes dos
Executivo, Legislativo e Judiciário devem se reunir no STF para
tentar um acordo sobre a transparência e a rastreabilidade na execução de
emendas.
Seria oportuno também que fosse
discutido o
montante inaudito de verbas do Orçamento destinado por meio de emendas e
a substituição do formado individual pelo coletivo, de forma a limitar o
"toma lá, dá cá" entre parlamentares e prefeitos.
Lula, o pequeno ‘Grande Irmão’
O Estado de S. Paulo
Presidente quer que STF regule as redes para
nos ‘moralizar’. Tamanha ignorância ou malícia impõe ao Congresso prudência no
exercício de suas competências e intransigência na sua defesa
A obsessão do presidente Lula da Silva de
encabrestar a opinião pública não é novidade. Há muito o eufemismo
“democratização dos meios de comunicação” figura nos estatutos e programas do
PT. Em relação às mídias tradicionais, Lula sabe muito bem o que quer. A
sociedade também, e sempre frustrou suas manobras para amordaçar a imprensa. A
novidade em relação às mídias digitais é que Lula, aparentemente, não tem a
menor ideia do que são, nem dos direitos e deveres das redes e usuários
consagrados na Constituição e nas leis, nem dos meios legítimos para
reformulá-las.
“Nós precisamos regular essa chamada imprensa
digital”, disse Lula recentemente a duas rádios baianas. A Secretaria de
Comunicação do Planalto retificou o ato falho: o presidente supostamente se
referia às “plataformas digitais”. Mas o sonho autoritário de uma imprensa
servil e adulatória é indisfarçável.
“Numa imprensa escrita, numa televisão
normal, o cidadão falou uma bobagem, ele é punido. Tem lei para isso. E no
digital não tem”, explicou o presidente. Felizmente, a legislação penal não
pune “bobagens”. Mas pune crimes como difamação ou fraude, e seus autores são
responsáveis seja lá qual meio de comunicação utilizem. Como as redes digitais
não são editoras ou produtoras de conteúdo, mas só veículos, o legislador
estabeleceu no Marco Civil da Internet que elas só se tornam corresponsáveis se
continuarem divulgando o conteúdo criminoso após uma ordem judicial de remoção,
exceção feita a cenas de nudez ou sexo não autorizadas.
Pode-se discutir se essa exceção deve ser
estendida a outros crimes flagrantes. Lula, porém, quer muito mais. “A
liberdade de expressão não é as pessoas utilizarem esses meios de comunicação
para canalhice, para fazer provocação, para mentir”, declarou o petista. Mas a
garantia constitucional da liberdade de expressão visa exatamente a impedir que
os poderosos punam cidadãos comuns por seja lá o que entendam por “canalhice”.
Mesmo a mentira, em si, não é crime, exceto se empregada como meio para ilicitudes.
“O que não pode é a gente achar (...) que um
empresário pode ficar falando mal de todo mundo a toda hora, se metendo nas
eleições de cada país”, disse Lula, aludindo ao dono do X, Elon Musk. Ao
contrário do que Lula diz, há uma lei para as redes digitais. O Marco Civil
exige delas neutralidade, e se há prova de favorecimento de algum grupo
político ou interferência em eleições, elas podem ser punidas. Fora isso, Musk
e outros donos de plataformas digitais são indivíduos como outros quaisquer, e
podem falar mal de quem bem entenderem e emitirem as opiniões que quiserem
sobre a política de seja lá qual país.
Ninguém se dirá surpreso com as taras
autoritárias de Lula, e, felizmente, também ele tem direito às suas canalhices,
bobagens, provocações e mentiras. Mas é alarmante um presidente da República
intimidar o Legislativo e incentivar o Judiciário a violentar a Constituição. O
Congresso “vai ter de colocar isso para regular”, bradou Lula. “Se não for o
caso, a Suprema Corte vai ter de regular, porque é preciso moralizar”. O que o
Congresso tem ou não de fazer é uma decisão do Congresso. A Suprema Corte não
tem legitimidade para regular nada, muito menos para “moralizar” quem quer que
seja. Se o fizer, violará duplamente a Constituição, na forma do procedimento e
no conteúdo da decisão.
Das duas uma: ou Lula não tem a menor ideia
do que são as redes digitais, das garantias constitucionais à liberdade de
expressão e de como funciona a divisão de Poderes num Estado Democrático de
Direito, ou sabe muito bem tudo isso e joga areia nos olhos da população
enquanto seus consorciados no Judiciário fazem o trabalho sujo de tecer a
mordaça. Ambas as hipóteses são aterradoras e mostram a urgência de um
Congresso alerta, a um tempo cauteloso e assertivo. Ante tamanha manifestação
de ignorância ou malícia do presidente da República, os parlamentares precisam
redobrar a prudência na regulação das redes e ao mesmo tempo deixar claras suas
competências, conferidas pelo povo.
O perigo de um Judiciário sob suspeita
O Estado de S. Paulo
A se confirmarem as múltiplas suspeitas de
corrupção no Judiciário vindas à tona no último ano, o sistema de Justiça, já
cronicamente disfuncional, poderá entrar numa crise aguda
A Polícia Federal indiciou 23 pessoas no
Maranhão, entre elas três desembargadores, dois juízes e sete advogados, por
crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Evidentemente, é preciso máxima cautela para um caso em que ainda não houve
sequer denúncia. Os indiciados ainda não são réus, e terão a oportunidade de se
manifestar dentro do devido processo legal. Mas os indícios são robustos e, se
confirmadas, as suspeitas abrirão uma chaga profunda na já combalida
credibilidade do Judiciário.
Historicamente, a corrupção é um mal muito
mais associado ao Legislativo e ao Executivo. A descrença no Judiciário tem
razões de ordem estrutural: a percepção de uma casta de privilegiados; o
dissabor com uma Justiça custosa, lenta e labiríntica; a desconfiança de sua
parcialidade e, cada vez mais – especialmente em relação às cortes superiores
–, de seu ativismo e partidarismo.
O impacto dessa descrença é multifacetado e
incomensurável. A desconfiança dos cidadãos no sistema judicial como um meio
legítimo e eficaz de solucionar disputas degrada o Estado de Direito, incentiva
a instabilidade política e institucional, fragiliza a coesão social, encoraja a
violação das leis e afasta investimentos. Em um corpo judiciário já
cronicamente disfuncional, os escândalos de corrupção têm o potencial de
precipitar uma crise aguda e possivelmente letal.
O ano de 2024 foi marcado por sucessivas
denúncias de corrupção. Segundo apuração do Estadão, além do Maranhão,
pelo menos cinco Tribunais de Justiça estaduais são alvo de investigações
relacionadas à corrupção, em especial à venda de sentenças judiciais: Mato
Grosso do Sul, São Paulo, Tocantins, Espírito Santo e Bahia. Ainda em 2024, o
Conselho Nacional de Justiça afastou dois juízes, no Espírito Santo e no Amapá,
suspeitos de atuarem a serviço de facções criminosas. O próprio Superior
Tribunal de Justiça é investigado por um esquema de venda de sentenças que
envolve funcionários de quatro gabinetes e possivelmente um ministro.
O inquérito no Maranhão sugere que os
magistrados persuadiam pessoas a ajuizar ações contra empresas, fraudavam a
distribuição dos processos, decidiam favoravelmente aos autores das ações e
inflavam valores de correção monetária. Suspeita-se que o esquema tenha gerado
quase R$ 18 milhões na forma de honorários advocatícios distribuídos entre os
envolvidos.
“A presente investigação identificou a
existência de uma organização criminosa formada pelos núcleos judicial,
causídico e operacional, em que magistrados, advogados e terceiros atuavam de
forma estruturalmente ordenada, com clara divisão de tarefas, com o objetivo de
obter vantagens de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais,
dentre as quais, corrupção e lavagem de dinheiro”, afirmou a Polícia Federal.
O caso é especialmente alarmante porque, a se
confirmarem as suspeitas, revelará magistrados que já não são mais simplesmente
cooptados por organizações criminosas, mas que formam eles mesmos uma
organização criminosa.
Entre tantas más notícias, a boa notícia é
justamente que as suspeitas estão sendo investigadas. Em tese, os anticorpos da
Justiça estão agindo. Sob os holofotes públicos, espera-se em todos esses casos
a observância rigorosa dos ritos legais e, se confirmados os crimes, uma
punição exemplar. Mas se, ao contrário, esses ritos forem manipulados para
afastar a punição dos eventuais criminosos, a desmoralização será redobrada e,
ao menos a curto prazo, irreversível.
A mera punição dos eventuais culpados,
contudo, não será suficiente para revigorar a integridade do sistema de
Justiça. O Judiciário precisará mostrar empenho em implementar reformas
estruturais que corrijam fragilidades, ampliem a transparência e criem mecanismos
de controle que garantam melhores condições de responsabilização e prestação de
contas perante a sociedade. Muito mais do que a reputação da magistratura, o
que está em jogo é a saúde do Estado Democrático de Direito nacional.
O consumidor encurralado
O Estado de S. Paulo
Enquanto a inflação corrói o orçamento das
famílias, Lula quer incentivar o consumo
A escalada inflacionária está comprometendo
quase 80% do orçamento das famílias das classes D e E com o custeio de itens
essenciais. O levantamento feito pela consultoria Tendências e publicado
pelo Estadão confirma a máxima de que a inflação recai de forma mais
intensa sobre os mais pobres, corroendo drasticamente o poder de compra e
elevando a insegurança financeira.
A consultoria utilizou o padrão de renda
abaixo de R$ 3,4 mil mensais para identificar as famílias das classes D e E,
para as quais as despesas básicas consomem 79,4% do orçamento; a classe C, com
renda entre R$ 3,4 mil e R$ 8,1 mil, compromete 71,7% do orçamento; a classe B,
entre R$ 8,1 mil e R$ 25,2 mil, 61,6%; e a classe A, acima de R$ 25,2 mil,
48,5%. Na média, o comprometimento da renda familiar brasileira com gastos
básicos foi de 58,1% em dezembro de 2024.
Como itens essenciais, além da alimentação no
domicílio, foram incluídas despesas com transporte, educação, saúde e cuidados
pessoais. Essa lista de preços teve alta de 5,8% no fim de 2024, enquanto o
IPCA acumulado no ano foi de 4,83%. Mais um sintoma de que a inflação está
atingindo o consumo na veia, nos produtos e serviços dos quais o consumidor não
pode abrir mão.
Não à toa o custo de vida é uma das
principais causas da perda de popularidade do governo Lula da Silva. O
comportamento dos preços no ano passado mostrou o deslocamento da inflação dos
alimentos (alta de 7,69%) em relação ao IPCA geral, de acordo com o IBGE. Nas
gôndolas dos supermercados a população sente com maior vigor a carestia, que é
tanto maior quanto mais trivial a lista de compras. Basta conferir a alta de
dois dígitos da cesta básica em 2024, calculada pela Associação Brasileira de
Supermercados (Abras): 14,22%.
Diante desse cenário, soa como fantasia a
promessa de Lula, na campanha de 2022, de que sua vitória faria o povo comer
picanha e tomar cerveja de novo. A bravata já não serve nem como licença
poética, já que todos os cortes de carne, e não apenas a picanha, ficaram mais
caros – a cerveja também encareceu, em torno de 4,5%, em 2024. Recente pesquisa
divulgada pela Quaest mostrou que 8 em cada 10 brasileiros sentem a alta no
preço dos alimentos.
O Índice de Confiança do Consumidor,
calculado pelo FGV-Ibre, também tem captado o pessimismo generalizado. Em
janeiro, a queda de 5,1 pontos puxou o índice ao menor patamar desde fevereiro
do ano passado, mas são as médias móveis trimestrais que mostram a persistência
do sentimento negativo, com recuo de 2,2 pontos, resultado não apenas da
deterioração da situação atual, mas também das perspectivas futuras.
Enquanto as famílias brasileiras tentam fazer
caber no orçamento os gastos do dia a dia, Lula da Silva acena com mais
incentivo ao crédito, num discurso politiqueiro de que “dinheiro bom é na mão
do povo”. Parece desconhecer que o povo tenta se livrar de um endividamento
que, em novembro do ano passado, atingiu 77% das famílias, de acordo com a
Confederação Nacional do Comércio (CNC). Faria melhor se colaborasse no
controle da inflação ao invés de jogar mais crédito na fogueira da inflação.
Aliança entre facções exige resposta eficaz
Correio Braziliense
Sob análise do governo, uma possível
cooperação entre PCC e CV colocaria em xeque uma das principais medidas
adotadas para enfraquecer as facções no presídio: a transferência de criminosos
A dificuldade dos governos em conter a ação
das facções criminosas nos presídios brasileiros — onde, inclusive, boa parte
delas surge — é histórica, como mostram o noticiário e dados oficiais. O
cenário, porém, parece estar ficando ainda mais complexo. A partir da análise
de gravações feitas com autorização judicial, o serviço de inteligência do
Ministério da Justiça (MJ) trabalha com a hipótese de que criminosos
tradicionalmente rivais estão fechando parcerias dentro das penitenciárias. Um
dos principais objetivos seria aumentar a pressão para amenizar o tratamento
concedido a presos de alta periculosidade, mas não se pode descartar os efeitos
dessas alianças inéditas para além das grades.
Segundo relatório da pasta, presos do
Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) articulam o pacto
com a ajuda de advogados. As duas facções, que estão entre as mais antigas e
maiores do país, têm presença expressiva nos presídios. Edição mais recente do
Mapa de Orcrim (organizações criminosas), produzido pelo MJ, mostra que, em
2024, o PCC atuava no sistema carcerário de 24 estados (eram 23 no ano
anterior). O CV também aumentou a capilaridade no período, de 21 para 22.
Só com esse retrato, não é exagero concluir
que a cooperação entre PCC e CV colocaria em xeque uma das principais medidas
adotadas para enfraquecer as facções no presídio: a transferência de
criminosos. Para piorar, é sabido que, dentro das cadeias brasileiras,
organizações menores, mesmo tendo regras próprias, exercem uma espécie de
função assistencial às maiores. Especialistas calculam que exista ao menos uma
centena de grupos do tipo. De 2022 a 2024, o Ministério da Justiça conseguiu
mapear 88, dos mais antigos aos locais.
Fora das prisões, um dos riscos é de que o
pacto entre as facções favoreça operações principalmente voltadas para a
conquista de novos mercados. Nesse sentido, torna-se ainda mais urgente uma
resposta efetiva do poder público ao avanço desses grupos criminosos na Região
Norte, já marcado por violentas disputas por rotas fluviais que facilitem o
tráfico de drogas e armas para outros estados brasileiros e países vizinhos.
A instituição nesta segunda-feira do Grupo
Nacional de Apoio ao Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco Nacional) é uma
estratégia que pode frear a ousadia dos criminosos. A intenção é de que o órgão
compartilhe expertise e informações entre as unidades do Ministério Público e
órgãos de inteligência para combater crimes praticados em âmbito interestadual
por facções criminosas. Mas só o novo Gaeco não é suficiente. Listas de
soluções indicadas por especialistas incluem ainda medidas como repressão mais
eficaz à associação de policiais e militares com criminosos, investimento em
inteligência para desmonetizar as facções e melhorias na atuação das forças de
segurança nas fronteiras.
Ao Correio, o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, enfatizou a necessidade de modernizar a gestão das cadeias. Segundo ele, o manejo eficaz de presos faccionados passa por avanços nas análises de risco e nos protocolos, considerando as particularidades de cada unidade prisional. São mais de 1,5 mil no país, entre as estaduais e federais, abrigando a terceira maior população carcerária do mundo. Trata-se, sem dúvidas, de um sistema complexo e multifatorial a ser aperfeiçoado. Diante de um novo nível de articulação criminosa, porém, fazê-lo é vital para a sobrevivência do Estado e das instituições.
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