terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É urgente reformar a Previdência de estados e municípios

O Globo

Em 63% das prefeituras e 37% dos estados, regras do funcionalismo são mais brandas que as federais

Num cenário de envelhecimento da população causa preocupação que as regras de aposentadoria estabelecidas para os servidores da União na reforma da Previdência de 2019 sejam seguidas em menos da metade das prefeituras (37%) com regime previdenciário próprio e em apenas 17 das 27 unidades da Federação (63%). Todos os demais entes federativos adotam regimes menos rigorosos, como verificou estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) noticiado pelo GLOBO. O estudo foi feito pelos pesquisadores Rogério Nagamine e Bernardo Schettini, levando em conta critérios como idade mínima de aposentadoria e outras mudanças introduzidas pela reforma.

É verdade que a adesão às normas da União não se tornou obrigatória para estados e municípios. A legislação exigiu apenas que criassem regimes complementares de Previdência e ajustassem alíquotas de contribuição. Mas os entes federativos não vivem num mundo à parte. Nem nadam em dinheiro. Ao contrário, alguns já enfrentam “severa restrição fiscal”, segundo o estudo.

Sem equiparação dos servidores estaduais e municipais às regras da União, o equilíbrio entre receitas e despesas ficará ameaçado. Dados do Ministério da Previdência mostram que os gastos com benefícios previdenciários municipais passaram de R$ 56,9 bilhões em 2019 para R$ 82,1 bilhões em 2023. A receita em 2023, de R$ 82,6 bilhões, foi praticamente igual ao gasto. A tendência é a despesa aumentar.

O Legislativo, que poderia contribuir para uniformizar as regras, hesita em assumir o custo político da mudança. O artigo que previa os mesmos critérios da União para servidores estaduais e municipais, incluído no Senado, foi derrubado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara durante análise de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o parcelamento de débitos previdenciários das prefeituras. Os parlamentares deveriam incluí-lo novamente. A unificação é fundamental para conter o crescimento das despesas com pessoal.

A realidade da Previdência é inexorável. O último Censo constatou que, entre 2010 e 2022, o Brasil deu um salto de envelhecimento. Em 1980, 4% dos brasileiros tinham 65 anos ou mais. Em 2022, eram 10,9%. O país tem envelhecido em ritmo mais rápido do que se esperava. Estima-se que a faixa etária superior a 60 anos será a maior a partir de 2042. O impacto na Previdência é óbvio. Com menos gente na base para contribuir e mais no topo para receber, a conta não fecha. Acrescentem-se políticas demagógicas que pressionam o gasto previdenciário — como o vínculo do reajuste de aposentadorias e benefícios previdenciários ao salário mínimo — e está armada a bomba fiscal.

Não há dúvida de que o Brasil precisará de uma nova reforma da Previdência para se adequar à realidade demográfica, situação agravada por déficits crescentes e políticas populistas que só fazem aumentar. Economistas e demógrafos têm dito que os efeitos da reforma de 2019 se esgotarão já em 2027. Será inescapável aumentar novamente a idade mínima e estimular a permanência no mercado de trabalho. Nesse cenário desafiador, não faz sentido que parcela significativa de municípios e estados mantenha regras previdenciárias defasadas. O crescimento dos gastos nos próximos anos é tão previsível quanto as romarias de governadores e prefeitos a Brasília implorando por ajuda para sanear suas dívidas.

Integração de dados é essencial para combater furtos de celular

O Globo

Estados devem priorizar o crime, e governo federal deve unificar as informações de aparelhos roubados

Dois criminosos numa moto matam um ciclista em São Paulo e levam seu celular. A menos de cinco quilômetros, outros dois assassinam um jovem turista que reagiu ao roubo do aparelho. Em Curitiba, uma dupla rouba nove celulares no arrastão de um ônibus. No Rio, criminosos atuam em arrastões em universidades e eventos, como o Ensaios da Anitta, na Marina da Glória. Cada furto ou roubo registrado país afora desde o começo do ano dá a dimensão da inoperância das autoridades. O bandido que ataca o cidadão não é o mesmo que depois lucra com o produto. Aumentar o policiamento ostensivo nas ruas pode inibir o crime, mas só o combate às cadeias de receptadores surtirá efeito duradouro.

No último levantamento nacional, o volume de ocorrências caiu. Em 2023, o furto e o roubo de celulares sofreram queda de 4,7% no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Embora positiva, a queda está longe de representar resposta adequada das forças de repressão. Quase 1 milhão de aparelhos continuam indo parar nas mãos de criminosos todo ano. À medida que fabricantes e autoridades se defendem, os bandidos procuram novos caminhos. Com mais recursos de bloqueio, passou a ser vital subtrair o aparelho quando está em uso pelo dono ou exigir a revelação de senhas. Está nas abordagens violentas a explicação para vários latrocínios.

Celulares roubados costumam ter três usos. Quando os criminosos obtêm acesso aos aplicativos, usam o aparelho para dar golpes, transferir dinheiro ou fazer compras. Em seguida, o colocam no mercado de revenda de aparelhos ou peças usadas em estados e países menos vigilantes. Há uma cadeia dedicada a transformar o produto em lucro. Prender todos os criminosos em busca de celulares nas ruas seria inviável. Por isso o estado do Piauí mirou nos receptadores.

Os números do celular mudam, mas cada aparelho tem um identificador internacional único, conhecido como IMEI, semelhante ao chassi de um carro. Em cooperação com a Justiça, a polícia piauiense obteve junto às empresas de telefonia os IMEIs de milhares de aparelhos roubados. A partir daí, conta Matheus Zanatta, superintendente de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, ficou fácil rastrear e chegar aos compradores e às revendas. Em 2024, o roubo de celular caiu 37%. Houve também redução de 15% nos furtos. De estado com alta incidência, o Piauí se transformou em modelo de reação.

Iniciativas para bloquear linha telefônica e operações financeiras, como o aplicativo Celular Seguro, do Ministério da Justiça, são positivas, mas resolvem apenas parte do problema. Zanatta defende a criação de um banco nacional de IMEIs. Bloquear esse código equivale a mandar o produto roubado ao mercado de peças, menos lucrativo. A polícia tem condição de combater roubos e furtos de celular, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP. Para isso, os governadores precisam tornar o crime prioridade, e o governo federal deve integrar os IMEIs numa base de dados nacional.

Recuperação judicial avança com aumentos dos juros

Valor Econômico

Com o aumento das taxas de juros, a valorização do dólar e mais restrições ao crédito, a previsão é que o número de empresas em recuperações judiciais vai aumentar

Apesar de 2024 exibir economia aquecida e a maior taxa de crescimento econômico em mais de uma década, o número de empresas que entrou em recuperação judicial bateu recorde - 2.273, com um aumento de 61,8% em relação a 2023. Foi superado o recorde anterior, de 1.863 pedidos em 2016, informou a Serasa Experian. As micro e pequenas empresas foram as mais afetadas, representando quase três quartos dos pedidos de recuperação, um aumento de 78,4% em relação a 2023.

Com um passivo consolidado ao redor de R$ 50 bilhões, a Polishop, a rede de supermercados Dia, a Casa do Pão de Queijo, a Patense, a OEC, braço de construção da Odebrecht, a Coteminas e a Subway são exemplos de empresas de primeira linha em dificuldade financeiras que recorreram à recuperação judicial. A mais recente delas é a Bombril, com passivo tributário de R$ 2,3 bilhões.

As micro e pequenas empresas foram as mais afetadas em quantidade por terem menos capital de giro, menor acesso a empréstimos e falta de estrutura gerencial. Representaram 73,7% dos pedidos de recuperação. As companhias de médio porte foram o segundo grupo que mais pediu recuperação judicial em 2024 (18,3%), seguido das de grande porte (8%). Entre os setores, o de serviços liderou, com 41% do total registrado pela Serasa, pela representatividade na economia. As falências, porém, na contramão, diminuíram 3,5% na comparação anual.

Mas dois setores se destacaram em pedidos de recuperação em 2023, de acordo com dados do Monitor RGF da consultoria RGF & Associados. Um deles é o do agronegócio, afetado pela redução da produção causada por fatores climáticos negativos, pela queda dos preços das commodities e pelo aperto na concessão de crédito.

Segundo o Monitor RGF da Recuperação Judicial, 264 companhias do agronegócio estavam em recuperação judicial no terceiro trimestre de 2024. Na passagem para o quarto trimestre, mais 35 empresas entraram no grupo, enquanto apenas quatro o deixaram, elevando o número para 295 empresas, 38,5% a mais do que no mesmo período de 2023. Pequenos produtores e grupos familiares foram os mais afetados, pela falta de estrutura profissionalizada e de conhecimento financeiro no comando das empresas.

Nada menos do que 34% das empresas em recuperação judicial no quarto trimestre tinham o cultivo de soja como atividade principal, segundo a RF Consultoria. A criação de bovinos de corte vinha na sequência, com 20%, enquanto as companhias de cultivo de cana-de-açúcar eram 15%. Fazem parte da lista também empresas de serviços de preparação de solo, cultivo e colheita (5% delas) e companhias de milho (4%).Um dos episódios mais conhecidos de recuperação judicial nessa área, em 2024, foi o da distribuidora de insumos Agrogalaxy, afetada pela queda das commodities. Esse caso e de outras empresas do setor teve repercussões negativas no mercado financeiro, interrompendo a expansão dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), que vinham se tornando uma alternativa de financiamento do setor, com patrimônio de R$ 43,7 bilhões ao fim do ano passado, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Os Fiagros atraíram investidores pessoas físicas pela isenção de Imposto de Renda (IR), mas perderam espaço para os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que possuem cobertura em caso de inadimplência.

As recuperações judiciais também cresceram no setor imobiliário. Das 4.568 companhias que negociavam dívidas na Justiça no fim do ano passado, segundo o Monitor RGF, a maioria (28,8%) é do setor imobiliário. A incorporação de empreendimentos imobiliários lidera o número de reestruturações, com 314 companhias nessa situação, e a construção de edifícios segue em terceiro no ranking nacional, com 212 empresas. O segundo lugar é ocupado pelas holdings de instituições não financeiras.

A expectativa de desaceleração da economia neste ano não autoriza maiores otimismos. Com o aumento das taxas de juros, a valorização do dólar e mais restrições ao crédito, a previsão é que o número de empresas em recuperações judiciais vai aumentar. As empresas, principalmente as menores, vão ter mais dificuldades para superar crises financeiras e aperto de caixa por terem menos capital de giro e acesso ao crédito. Mais da metade da dívida das empresas é com instituições financeiras. O próprio processo de recuperação judicial é custoso e dura, em média, cinco anos.

O ano de 2026 não deverá ser muito diferente e pode apresentar números ainda maiores de recuperação judicial, especialmente se o governo seguir leniente com os gastos públicos. Uma melhora depende da redução da Selic, o que não está no horizonte de curto prazo, diante da fragilidade das contas públicas. As estimativas do mercado são de que a taxa básica pode subir até acima de 15%. Uma melhora mais significativa só deve ocorrer ao menos três trimestres após uma eventual redução da Selic.

Impopularidade pode aumentar irresponsabilidade fiscal

Folha de S. Paulo

Menor taxa de aprovação de Lula no Datafolha poderá, no pior cenário, incentivar gastança que elevou dólar e inflação

O tombo inaudito no índice de aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva não é só má notícia para o petista, já que enseja temores no mercado de que o Planalto abrace de vez a irresponsabilidade fiscal daqui em diante, gerando impactos severos sobre a inflação que afeta sobretudo os mais pobres.

Segundo pesquisa do Datafolha, entre dezembro e janeiro, a taxa de entrevistados que consideram seu governo ótimo ou bom despencou de 35% para 24%. Na mão inversa, a reprovação subiu de 34% para 41%.

Ambas as marcas são inéditas para o mandatário, considerando seus governos de 2003 a 2010 e o atual. A desaprovação se espraia até mesmo em segmentos tradicionalmente lulistas.

A crise decorre de problemas pontuais e estruturais. No primeiro grupo, encontra-se o desastre de gestão e comunicação em janeiro, quando a edição de uma medida para vigiar transações acima de R$ 5.000 no Pix foi criticada e chegou a ser alvo de uma campanha de fake news.

Já as questões subjacentes à queda são mais complexas. Apesar de ter na Fazenda um ministro que se diz comprometido com o rigor fiscal, Fernando Haddad, na prática Lula tem minado qualquer ideia de austeridade.

De tal irresponsabilidade decorreu a disparada do dólar ao final de 2024, pressionando a inflação de alimentos e outros itens básicos, que afeta principalmente a renda dos mais pobres —nesse grupo, a aprovação do presidente caiu de 44% para 29%.

A recente alta do preço dos ovos é uma provável nova trincheira a ser explorada pela oposição, que na crise do Pix foi eficaz em maximizar danos. Manifestações contra o presidente, marcadas para 16 de março, poderão dar uma medida do desafio a ser enfrentado por Lula.

Em favor do petista, há divisão nas hostes rivais, cortesia da insistência de Jair Bolsonaro (PL) em dizer que será candidato em 2026, mesmo impedido.

Políticos mais óbvios que poderiam se colocar na disputa, como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), não o fazem e perdem exposição. Com isso, mutações do bolsonarismo —o cantor Gusttavo Lima é um exemplo— ocupam o noticiário.

Dadas as incertezas sobre a guerra tarifária proposta pelo americano Donald Trump, que pode impactar câmbio e inflação aqui, o horizonte visível é tenso e agravado por pressões políticas domésticas, como a expansão do apetite por cargos do centrão.

As medidas sugeridas para tentar melhorar a popularidade de Lula enfrentam obstáculos, como a ampliação dos programas Pé-de-Meia e Auxílio-Gás, além da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000.

Embora o pior cenário seja o da elevação dos gastos, é bastante provável que tudo siga como está, sem o aumento na gastança, pois o presidente já deve ter percebido, pelos números da pesquisa, que a irresponsabilidade fiscal não está funcionando.

Emendas individuais são campo fértil para toma lá, dá cá

Folha de S. Paulo

Repasse de verbas para municípios de prefeitos aliados concentra-se em 110 parlamentares; é preciso mais transparência

Não bastassem a opacidade e os desvios no uso de recursos públicos com emendas parlamentares, atualmente sob intervenção do Supremo Tribunal Federal para tentar moralizar o tema, reportagem da Folha revelou como elas tornam espúria a disputa por cadeiras no Congresso Nacional.

Levantamento do jornal mostrou que 110 deputados e senadores concentraram verbas de emendas enviadas a municípios de prefeitos aliados que foram reeleitos em 2024. Assim, em 2026, é possível que os alcaides ajudem esses mesmos parlamentares em suas campanhas à reeleição.

Com o auxílio dos prefeitos, fatalmente acabarão tendo mais vantagens e visibilidade em relação a adversários locais.

A análise levou em conta deputados e senadores que destinaram 70% ou mais de suas emendas individuais para essas cidades nos últimos dois anos. Com os repasses de verbas, os parlamentares ganharam destaque em 216 municípios de correligionários em todo o país.

Em troca do dinheiro, prefeituras têm se prontificado a produzir vídeos e fotos de ambulâncias, vias pavimentadas e outros investimentos pagos com as emendas dos congressistas, sempre projetando os nomes dos parlamentares como a melhor opção no Congresso para a população local.

Os 110 congressistas que se beneficiam da simbiose com os prefeitos integram partidos da esquerda à direita —12 são do PT; 19 do PL. Mais da metade domina dois ou mais municípios com os repasses em seus nomes.

Emendas parlamentares não são um problema em si e foram criadas para descentralizar o Orçamento público. O dispositivo é útil, por exemplo, para garantir recursos para demandas locais em regiões normalmente não atendidas pelo governo federal.

As cidades beneficiadas pelos parlamentares, por exemplo, estão entre as menores do Brasil e ostentam índice de desenvolvimento baixo ou muito baixo.

O problema é que as emendas são individuais, o que favorece o uso eleitoral dos recursos, como se atesta nas dezenas de prefeituras beneficiadas pelas verbas.

No próximo dia 27, representantes dos Executivo, Legislativo e Judiciário devem se reunir no STF para tentar um acordo sobre a transparência e a rastreabilidade na execução de emendas.

Seria oportuno também que fosse discutido o montante inaudito de verbas do Orçamento destinado por meio de emendas e a substituição do formado individual pelo coletivo, de forma a limitar o "toma lá, dá cá" entre parlamentares e prefeitos.

Lula, o pequeno ‘Grande Irmão’

O Estado de S. Paulo

Presidente quer que STF regule as redes para nos ‘moralizar’. Tamanha ignorância ou malícia impõe ao Congresso prudência no exercício de suas competências e intransigência na sua defesa

A obsessão do presidente Lula da Silva de encabrestar a opinião pública não é novidade. Há muito o eufemismo “democratização dos meios de comunicação” figura nos estatutos e programas do PT. Em relação às mídias tradicionais, Lula sabe muito bem o que quer. A sociedade também, e sempre frustrou suas manobras para amordaçar a imprensa. A novidade em relação às mídias digitais é que Lula, aparentemente, não tem a menor ideia do que são, nem dos direitos e deveres das redes e usuários consagrados na Constituição e nas leis, nem dos meios legítimos para reformulá-las.

“Nós precisamos regular essa chamada imprensa digital”, disse Lula recentemente a duas rádios baianas. A Secretaria de Comunicação do Planalto retificou o ato falho: o presidente supostamente se referia às “plataformas digitais”. Mas o sonho autoritário de uma imprensa servil e adulatória é indisfarçável.

“Numa imprensa escrita, numa televisão normal, o cidadão falou uma bobagem, ele é punido. Tem lei para isso. E no digital não tem”, explicou o presidente. Felizmente, a legislação penal não pune “bobagens”. Mas pune crimes como difamação ou fraude, e seus autores são responsáveis seja lá qual meio de comunicação utilizem. Como as redes digitais não são editoras ou produtoras de conteúdo, mas só veículos, o legislador estabeleceu no Marco Civil da Internet que elas só se tornam corresponsáveis se continuarem divulgando o conteúdo criminoso após uma ordem judicial de remoção, exceção feita a cenas de nudez ou sexo não autorizadas.

Pode-se discutir se essa exceção deve ser estendida a outros crimes flagrantes. Lula, porém, quer muito mais. “A liberdade de expressão não é as pessoas utilizarem esses meios de comunicação para canalhice, para fazer provocação, para mentir”, declarou o petista. Mas a garantia constitucional da liberdade de expressão visa exatamente a impedir que os poderosos punam cidadãos comuns por seja lá o que entendam por “canalhice”. Mesmo a mentira, em si, não é crime, exceto se empregada como meio para ilicitudes.

“O que não pode é a gente achar (...) que um empresário pode ficar falando mal de todo mundo a toda hora, se metendo nas eleições de cada país”, disse Lula, aludindo ao dono do X, Elon Musk. Ao contrário do que Lula diz, há uma lei para as redes digitais. O Marco Civil exige delas neutralidade, e se há prova de favorecimento de algum grupo político ou interferência em eleições, elas podem ser punidas. Fora isso, Musk e outros donos de plataformas digitais são indivíduos como outros quaisquer, e podem falar mal de quem bem entenderem e emitirem as opiniões que quiserem sobre a política de seja lá qual país.

Ninguém se dirá surpreso com as taras autoritárias de Lula, e, felizmente, também ele tem direito às suas canalhices, bobagens, provocações e mentiras. Mas é alarmante um presidente da República intimidar o Legislativo e incentivar o Judiciário a violentar a Constituição. O Congresso “vai ter de colocar isso para regular”, bradou Lula. “Se não for o caso, a Suprema Corte vai ter de regular, porque é preciso moralizar”. O que o Congresso tem ou não de fazer é uma decisão do Congresso. A Suprema Corte não tem legitimidade para regular nada, muito menos para “moralizar” quem quer que seja. Se o fizer, violará duplamente a Constituição, na forma do procedimento e no conteúdo da decisão.

Das duas uma: ou Lula não tem a menor ideia do que são as redes digitais, das garantias constitucionais à liberdade de expressão e de como funciona a divisão de Poderes num Estado Democrático de Direito, ou sabe muito bem tudo isso e joga areia nos olhos da população enquanto seus consorciados no Judiciário fazem o trabalho sujo de tecer a mordaça. Ambas as hipóteses são aterradoras e mostram a urgência de um Congresso alerta, a um tempo cauteloso e assertivo. Ante tamanha manifestação de ignorância ou malícia do presidente da República, os parlamentares precisam redobrar a prudência na regulação das redes e ao mesmo tempo deixar claras suas competências, conferidas pelo povo.

O perigo de um Judiciário sob suspeita

O Estado de S. Paulo

A se confirmarem as múltiplas suspeitas de corrupção no Judiciário vindas à tona no último ano, o sistema de Justiça, já cronicamente disfuncional, poderá entrar numa crise aguda

A Polícia Federal indiciou 23 pessoas no Maranhão, entre elas três desembargadores, dois juízes e sete advogados, por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Evidentemente, é preciso máxima cautela para um caso em que ainda não houve sequer denúncia. Os indiciados ainda não são réus, e terão a oportunidade de se manifestar dentro do devido processo legal. Mas os indícios são robustos e, se confirmadas, as suspeitas abrirão uma chaga profunda na já combalida credibilidade do Judiciário.

Historicamente, a corrupção é um mal muito mais associado ao Legislativo e ao Executivo. A descrença no Judiciário tem razões de ordem estrutural: a percepção de uma casta de privilegiados; o dissabor com uma Justiça custosa, lenta e labiríntica; a desconfiança de sua parcialidade e, cada vez mais – especialmente em relação às cortes superiores –, de seu ativismo e partidarismo.

O impacto dessa descrença é multifacetado e incomensurável. A desconfiança dos cidadãos no sistema judicial como um meio legítimo e eficaz de solucionar disputas degrada o Estado de Direito, incentiva a instabilidade política e institucional, fragiliza a coesão social, encoraja a violação das leis e afasta investimentos. Em um corpo judiciário já cronicamente disfuncional, os escândalos de corrupção têm o potencial de precipitar uma crise aguda e possivelmente letal.

O ano de 2024 foi marcado por sucessivas denúncias de corrupção. Segundo apuração do Estadão, além do Maranhão, pelo menos cinco Tribunais de Justiça estaduais são alvo de investigações relacionadas à corrupção, em especial à venda de sentenças judiciais: Mato Grosso do Sul, São Paulo, Tocantins, Espírito Santo e Bahia. Ainda em 2024, o Conselho Nacional de Justiça afastou dois juízes, no Espírito Santo e no Amapá, suspeitos de atuarem a serviço de facções criminosas. O próprio Superior Tribunal de Justiça é investigado por um esquema de venda de sentenças que envolve funcionários de quatro gabinetes e possivelmente um ministro.

O inquérito no Maranhão sugere que os magistrados persuadiam pessoas a ajuizar ações contra empresas, fraudavam a distribuição dos processos, decidiam favoravelmente aos autores das ações e inflavam valores de correção monetária. Suspeita-se que o esquema tenha gerado quase R$ 18 milhões na forma de honorários advocatícios distribuídos entre os envolvidos.

“A presente investigação identificou a existência de uma organização criminosa formada pelos núcleos judicial, causídico e operacional, em que magistrados, advogados e terceiros atuavam de forma estruturalmente ordenada, com clara divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagens de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, dentre as quais, corrupção e lavagem de dinheiro”, afirmou a Polícia Federal.

O caso é especialmente alarmante porque, a se confirmarem as suspeitas, revelará magistrados que já não são mais simplesmente cooptados por organizações criminosas, mas que formam eles mesmos uma organização criminosa.

Entre tantas más notícias, a boa notícia é justamente que as suspeitas estão sendo investigadas. Em tese, os anticorpos da Justiça estão agindo. Sob os holofotes públicos, espera-se em todos esses casos a observância rigorosa dos ritos legais e, se confirmados os crimes, uma punição exemplar. Mas se, ao contrário, esses ritos forem manipulados para afastar a punição dos eventuais criminosos, a desmoralização será redobrada e, ao menos a curto prazo, irreversível.

A mera punição dos eventuais culpados, contudo, não será suficiente para revigorar a integridade do sistema de Justiça. O Judiciário precisará mostrar empenho em implementar reformas estruturais que corrijam fragilidades, ampliem a transparência e criem mecanismos de controle que garantam melhores condições de responsabilização e prestação de contas perante a sociedade. Muito mais do que a reputação da magistratura, o que está em jogo é a saúde do Estado Democrático de Direito nacional.

O consumidor encurralado

O Estado de S. Paulo

Enquanto a inflação corrói o orçamento das famílias, Lula quer incentivar o consumo

A escalada inflacionária está comprometendo quase 80% do orçamento das famílias das classes D e E com o custeio de itens essenciais. O levantamento feito pela consultoria Tendências e publicado pelo Estadão confirma a máxima de que a inflação recai de forma mais intensa sobre os mais pobres, corroendo drasticamente o poder de compra e elevando a insegurança financeira.

A consultoria utilizou o padrão de renda abaixo de R$ 3,4 mil mensais para identificar as famílias das classes D e E, para as quais as despesas básicas consomem 79,4% do orçamento; a classe C, com renda entre R$ 3,4 mil e R$ 8,1 mil, compromete 71,7% do orçamento; a classe B, entre R$ 8,1 mil e R$ 25,2 mil, 61,6%; e a classe A, acima de R$ 25,2 mil, 48,5%. Na média, o comprometimento da renda familiar brasileira com gastos básicos foi de 58,1% em dezembro de 2024.

Como itens essenciais, além da alimentação no domicílio, foram incluídas despesas com transporte, educação, saúde e cuidados pessoais. Essa lista de preços teve alta de 5,8% no fim de 2024, enquanto o IPCA acumulado no ano foi de 4,83%. Mais um sintoma de que a inflação está atingindo o consumo na veia, nos produtos e serviços dos quais o consumidor não pode abrir mão.

Não à toa o custo de vida é uma das principais causas da perda de popularidade do governo Lula da Silva. O comportamento dos preços no ano passado mostrou o deslocamento da inflação dos alimentos (alta de 7,69%) em relação ao IPCA geral, de acordo com o IBGE. Nas gôndolas dos supermercados a população sente com maior vigor a carestia, que é tanto maior quanto mais trivial a lista de compras. Basta conferir a alta de dois dígitos da cesta básica em 2024, calculada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras): 14,22%.

Diante desse cenário, soa como fantasia a promessa de Lula, na campanha de 2022, de que sua vitória faria o povo comer picanha e tomar cerveja de novo. A bravata já não serve nem como licença poética, já que todos os cortes de carne, e não apenas a picanha, ficaram mais caros – a cerveja também encareceu, em torno de 4,5%, em 2024. Recente pesquisa divulgada pela Quaest mostrou que 8 em cada 10 brasileiros sentem a alta no preço dos alimentos.

O Índice de Confiança do Consumidor, calculado pelo FGV-Ibre, também tem captado o pessimismo generalizado. Em janeiro, a queda de 5,1 pontos puxou o índice ao menor patamar desde fevereiro do ano passado, mas são as médias móveis trimestrais que mostram a persistência do sentimento negativo, com recuo de 2,2 pontos, resultado não apenas da deterioração da situação atual, mas também das perspectivas futuras.

Enquanto as famílias brasileiras tentam fazer caber no orçamento os gastos do dia a dia, Lula da Silva acena com mais incentivo ao crédito, num discurso politiqueiro de que “dinheiro bom é na mão do povo”. Parece desconhecer que o povo tenta se livrar de um endividamento que, em novembro do ano passado, atingiu 77% das famílias, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Faria melhor se colaborasse no controle da inflação ao invés de jogar mais crédito na fogueira da inflação.

Aliança entre facções exige resposta eficaz

Correio Braziliense

Sob análise do governo, uma possível cooperação entre PCC e CV colocaria em xeque uma das principais medidas adotadas para enfraquecer as facções no presídio: a transferência de criminosos

A dificuldade dos governos em conter a ação das facções criminosas nos presídios brasileiros — onde, inclusive, boa parte delas surge — é histórica, como mostram o noticiário e dados oficiais. O cenário, porém, parece estar ficando ainda mais complexo. A partir da análise de gravações feitas com autorização judicial, o serviço de inteligência do Ministério da Justiça (MJ) trabalha com a hipótese de que criminosos tradicionalmente rivais estão fechando parcerias dentro das penitenciárias. Um dos principais objetivos seria aumentar a pressão para amenizar o tratamento concedido a presos de alta periculosidade, mas não se pode descartar os efeitos dessas alianças inéditas para além das grades.

Segundo relatório da pasta, presos do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) articulam o pacto com a ajuda de advogados. As duas facções, que estão entre as mais antigas e maiores do país, têm presença expressiva nos presídios. Edição mais recente do Mapa de Orcrim (organizações criminosas), produzido pelo MJ, mostra que, em 2024, o PCC atuava no sistema carcerário de 24 estados (eram 23 no ano anterior). O CV também aumentou a capilaridade no período, de 21 para 22. 

Só com esse retrato, não é exagero concluir que a cooperação entre PCC e CV colocaria em xeque uma das principais medidas adotadas para enfraquecer as facções no presídio: a transferência de criminosos. Para piorar, é sabido que, dentro das cadeias brasileiras, organizações menores, mesmo tendo regras próprias, exercem uma espécie de função assistencial às maiores. Especialistas calculam que exista ao menos uma centena de grupos do tipo. De 2022 a 2024, o Ministério da Justiça conseguiu mapear 88, dos mais antigos aos locais.

Fora das prisões, um dos riscos é de que o pacto entre as facções favoreça operações principalmente voltadas para a conquista de novos mercados. Nesse sentido, torna-se ainda mais urgente uma resposta efetiva do poder público ao avanço desses grupos criminosos na Região Norte, já marcado por violentas disputas por rotas fluviais que facilitem o tráfico de drogas e armas para outros estados brasileiros e países vizinhos.

A instituição nesta segunda-feira do Grupo Nacional de Apoio ao Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco Nacional) é uma estratégia que pode frear a ousadia dos criminosos. A intenção é de que o órgão compartilhe expertise e informações entre as unidades do Ministério Público e órgãos de inteligência para combater crimes praticados em âmbito interestadual por facções criminosas. Mas só o novo Gaeco não é suficiente. Listas de soluções indicadas por especialistas incluem ainda medidas como repressão mais eficaz à associação de policiais e militares com criminosos, investimento em inteligência para desmonetizar as facções e melhorias na atuação das forças de segurança nas fronteiras.

Ao Correio, o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, enfatizou a necessidade de modernizar a gestão das cadeias. Segundo ele, o manejo eficaz de presos faccionados passa por avanços nas análises de risco e nos protocolos, considerando as particularidades de cada unidade prisional. São mais de 1,5 mil no país, entre as estaduais e federais, abrigando a terceira maior população carcerária do mundo. Trata-se, sem dúvidas, de um sistema complexo e multifatorial a ser aperfeiçoado. Diante de um novo nível de articulação criminosa, porém, fazê-lo é vital para a sobrevivência do Estado e das instituições.


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