O Globo
“O fim indolor da inflação ter sido uma marca
do PSDB foi algo que o PT não conseguiu perdoar nos 20 anos seguintes e colocou
os dois partidos em polos opostos. Nas últimas quatro décadas o Brasil
continuou tropeçando nas finanças
A política se move por sensações, das quais o medo é a mais importante. O cidadão vota por medo de perder o emprego, medo de perder benefícios, medo de mudanças radicais, medo de continuar sem perspectivas e assim por diante. Às vezes, como no caso do Pix, ou dos celulares em 2002, esse sentimento não é captado pelos políticos. Outras, como no caso do Bolsa Família ou do crédito consignado, responde a uma necessidade reprimida do cidadão comum e torna-se ferramenta eleitoral poderosa.
Quando o Pix foi lançado pelo Banco Central,
no governo Bolsonaro, não houve a percepção de que era uma ajuda fundamental
aos pequenos empreendedores, uma conquista que permite a indivíduos
transacionar fora do sistema bancário, autonomamente. Por isso, quando se
espalhou o boato de que o governo taxaria transações a partir de determinada
quantia, houve uma revolta incontrolável, que levou a uma derrota do governo.
Só cancelando a norma interna da Receita Federal ele conseguiu convencer a
população de que não haveria taxação.
Bolsonaro não conseguiu transformar em votos
essa ferramenta popular que seu governo criou. Da mesma maneira, em 2002, o
candidato tucano José Serra não usou o celular em sua campanha eleitoral. Hoje,
os celulares são o dobro da população brasileira. Um instrumento de trabalho
fundamental, como o Pix. O Bolsa Família surgiu para substituir o Fome Zero,
que falhou no seu objetivo.
Inicialmente, seria um instrumento político
para dar poder aos cidadãos das comunidades, fora da alçada dos prefeitos e
vereadores. Só que o então ministro Patrus Ananias entendeu que a validade
daquele pacote social ia muito além e convenceu Lula a colocar os prefeitos no
esquema de distribuição do Bolsa Família, transformando-os em cabos eleitorais
diretos. Foi um sucesso, a tal ponto que o PT passou a usar a ameaça de que o
Bolsa Família acabaria se Lula fosse derrotado. O medo de perdê-lo deu muitos
votos ao PT e a Lula, até que o tempo fez com que o benefício passasse a ser
entendido pelos beneficiários como parte de seus recursos financeiros,
irrevogável.
Quando Bolsonaro não apenas manteve o plano,
com outro nome, mas aumentou seu valor, ficou claro que governo nenhum acabará
com o Bolsa Família. Sua eficácia eleitoral também foi reduzida. Para o
economista Fabio Giambiagi — que acaba de lançar novo livro analisando a
trajetória da economia brasileira nos últimos 40 anos (“A vingança de
Tocqueville” — editora Alta Books), o PT está desperdiçando uma nova
oportunidade.
Giambiagi pontua que, nas últimas quatro
décadas, o país registrou avanços importantes. Reconquistou a democracia. Desde
a reestruturação da política brasileira e a garantia dos direitos civis e
políticos da população, o Brasil derrotou a hiperinflação, enfrentou a dívida
externa e avançou na rede de proteção social. Ele lembra que os avanços do país
estão associados a três períodos e a três governos: a redemocratização, à
década de 1980 e ao governo Sarney; a estabilização, aos anos FH (1995/2002); e
os avanços sociais aos dois primeiros governos Lula (2003/2010). Depois de
2010, o país se perdeu.
O livro de Giambiagi menciona que essa
trajetória se deu, em grande parte, em razão do desencontro entre o PSDB e o
PT: “O fim indolor da inflação ter sido uma marca do PSDB foi algo que o PT não
conseguiu perdoar nos 20 anos seguintes e colocou os dois partidos em polos
opostos. Nas últimas quatro décadas o Brasil continuou tropeçando nas finanças
públicas e na produtividade. Os gastos públicos cresceram quase que
continuamente — com exceção do período 2017/2022, deixando de lado a alta
pontual de 2020 — e, agora, o governo Lula, repetindo o desgastado receituário
de uma economia com forte presença do Estado, implementou um programa de
expansão fiscal com intensidade poucas vezes vista — e voltou a usar a
Petrobras para políticas que não dão certo”.
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