Folha de S. Paulo
É preciso conquistar a confiança para que as
pessoas vejam mais o bem do que o mal
A relação do governo Lula com a
sociedade azedou. Em dezembro, foi a opinião do mercado. O vídeo do ministro
Haddad misturando
corte de gastos com isenção do imposto de renda foi a gota d’água da
confiança dos investidores, que tiraram dólares do Brasil a uma taxa recorde.
Em janeiro, foi a opinião popular, dessa vez pelo vídeo
do deputado Nikolas Ferreira sobre o Pix. Era esperado algum efeito, mas
o tombo
revelado pelo Datafolha surpreendeu.
Apenas com os dados socioeconômicos seria difícil explicar essa piora. Pobreza e miséria atingiram os menores níveis da história, segundo o IBGE. O desemprego caiu para 6,2%. Há quem diga que o desemprego baixo é uma miragem criada pelo Bolsa Família, que tiraria pessoas da procura por emprego. Não é o que os dados mostram: tanto a subutilização de mão de obra quanto o número de desalentados estavam em queda.
Há quem suspeite dos números do IBGE. Mas
esses números são corroborados por todas as outras medidas. Os dados do Caged
(que conta o número de trabalhadores com carteira assinada) mostram aumento de
cerca de 1,7 milhão de empregos com carteira assinada em 2024. Novembro viu a
maior quantidade de carteiras assinadas da história do Brasil. A massa salarial
— ou seja, a soma total do que é pago aos trabalhadores — também cresceu e
chegou ao seu recorde no último trimestre do ano passado.
No lado do consumo, o varejo não via um
crescimento forte assim desde 2012. De acordo com a PMC do IBGE, o aumento foi
de 4,7%. Segundo os dados da Serasa Experian, o aumento foi de 3,8%. Você e eu
provavelmente consumimos mais também. E, no entanto, algum de nós acha que o
governo vai bem?
A inflação estourou
a meta
do Banco Central, mas para nossa história 4,83% não é fora do padrão. Será
que o povo está mais sensível do que nunca à inflação, ou ainda passou a
acompanhar o boletim Focus e já antecipa a crise fiscal?
Neste momento, todos apontam a inflação
dos alimentos, muito acima do IPCA, a 7,7%. Algo não me convence numa
explicação que pare por aí. O preço do café subiu 50% no ano até janeiro de
2025, é verdade. Em 2011 ele subiu 53%, e nem por isso a aprovação do governo
foi para o chão. É o aumento de alguns preços que leva à percepção negativa ou
é a percepção negativa que leva à seleção de alguns aumentos de preço para
explicá-la?
A queda abrupta de dezembro para cá também
indica que não foi só por causa dos alimentos, já que a alta deles vem desde
agosto. Seja como for, se a piora na avaliação for apenas efeito do preço dos
alimentos, o governo está com sorte. A previsão é que a inflação deles caia
também. Basta não fazer nenhuma loucura e dar sinais de que o governo leva a
sério o ajuste fiscal que o dólar deve seguir em queda e, com ele, a inflação
aqui dentro. Eu só duvido que isso baste para recuperar a boa vontade perdida.
Talvez, só talvez, a piora na percepção não
seja mera derivação direta da economia. Mais do que encontrar aquele dado
objetivo que explica o tombo, me parece que a guerra pela percepção e pela boa
vontade do eleitorado tem uma autonomia própria, e nessa o governo — na
verdade, toda a esquerda — perde de lavada. É preciso conquistar a confiança
para que as pessoas vejam mais o bem do que o mal.
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