Valor Econômico
Descompressão da inflação implícita é um
sinal de que o mercado está um pouco mais confiante de que a dose cavalar de
juros injetada pelo Banco Central vai fazer efeito
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central vai levar os juros básicos a 14,25% ao ano em março e deixou em
aberto a possibilidade de ir além. O aperto vai funcionar para trazer a
inflação para a meta?
Os economistas do mercado consultados na pesquisa Focus acham que não, por isso as expectativas de inflação pioram semana a semana. Mas os preços de mercado, definidos pelas mesas de operação das instituições financeiras, dão os primeiros sinais positivos.
Um dos indicadores que dão mais esperança é a
inflação implícita nos títulos públicos. Quando um operador negocia um papel do
governo, ele dá uma opinião sobre quanto vai ser a inflação no futuro. A cada
momento, ele pode comprar um título que, além de uma parcela fixa de juros, tem
correção pela inflação; ou apenas comprar um título com juro prefixado. A
diferença de juros entre esses dois papéis é o que os especialistas chamam de
inflação implícita.
Numa visão mais apressada, pode parecer que
essa inflação implícita caiu pouco. O cálculo da Associação Brasileira das
Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) dá uma inflação
implícita de cerca de 7,5% nos próximos 12 meses. Mas essa estimativa está um
pouco distorcida pelo fato de que, nos próximos meses, a inflação vai estar
pressionada, em parte devido a fatores pontuais.
Em fevereiro, é esperada uma variação do
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 1,4%. Uma parte disso é o bônus
de Itaipu, que baixou a inflação de janeiro em 0,6 ponto percentual e, em
fevereiro, vai pressionar em 0,6 ponto para cima. Para filtrar essa oscilação
de curto prazo, participantes do mercado estão olhando a inflação um pouco
adiante, ou seja, a chamada inflação implícita a termo.
A pedido do Valor, o estrategista-chefe da
Warren Rena, Sergio Goldenstein, calculou a evolução da inflação implícita a
termo desde o fim do ano passado, considerando preços de ativos negociados no
mercado que têm como data de referência o período entre maio de 2025 e julho de
2026.
A inflação implícita a termo sai de um pico
de 6,9% na virada do ano para um pouco mais de 5,5% - ou seja, houve um
expressivo recuo, de 1,4 ponto percentual. Para Goldenstein, a alta do dólar no
fim do ano passado explicou uma boa parte do salto das implícitas em dezembro;
e, neste começo do ano, o recuo do dólar ajudou a baixá-las.
Um gestor de um fundo de investimento ouvido
pelo Valor diz
que, de certa forma, a descompressão da inflação implícita é um sinal de que o
mercado está um pouco mais confiante de que a dose cavalar de juros injetada
pelo Banco Central vai fazer efeito. Dados recentes indicam que a economia está
se desacelerando, embora seja cedo para dizer que a tendência vá se manter.
Apesar de as implícitas seguirem bem acima da
meta de inflação, definida em 3%, o ambiente é de maior confiança. Isso
permitiu que, na semana passada, o Tesouro Nacional vendesse volumes maiores de
títulos públicos prefixados, pagando uma taxa ao redor de 14,7% ao ano. É muito
juro, mas em fins de 2024 estava difícil vender mesmo a esse preço.
Não deixa de ser curioso que o recuo do dólar
tenha contribuído tanto para mudar o humor dos mercados. Cálculos da
Instituição Fiscal Independente (IFI), em relatório da semana passada, mostram
que o dólar a R$ 5,7 baixa a inflação em apenas 0,1 ponto percentual no
terceiro trimestre de 2026, em relação à cotação de R$ 6 usada pelo Copom no
seu modelo de previsão, que chega a uma variação de preços de 4%.
Mas o efeito da cotação do dólar na inflação
muda de acordo com as circunstâncias. No fim do ano passado, o quadro era de
certo pânico, e ninguém sabia se o dólar iria parar em R$ 6,2 ou se subiria na
direção de R$ 7 ou mais. Grandes desvalorizações levam a grandes repasses para
a inflação. Naquele período, os dados ainda não indicavam que a desaceleração
da economia poderia estar em curso.
O Banco Central também colocou o foco na alta
do dólar, dizendo que seu repasse à inflação era um dos três fatores principais
que iria acompanhar de perto para decidir se leva os juros além de 14,25% ao
ano - os outros fatores são como a atividade está afetando a inflação e as
expectativas de inflação do mercado.
“Caso o real mantenha essa trajetória mais
benigna, é provável que ocorra alguma descompressão no Focus”, afirma
Goldenstein. Ele lembra que, no Focus, os economistas ainda trabalham com uma
taxa de câmbio de R$ 6.
Em tese, os sinais de desaceleração da
economia, que têm feito o mercado descomprimir a inflação implícita, podem
ajudar no Focus também.
Na sexta, o diretor de política monetária do
Banco Central, Nilton David, citou alguns fatores que devem dificultar a queda
das expectativas. Primeiro, o ambiente está muito volátil, e os analistas
hesitam em mudar seu cenário nessas circunstâncias. Segundo, a inflação vai
seguir acima da meta até meados deste ano. Por fim, disse que as expectativas
estão divididas em dois grandes grupos. Um acha que o juro vai fazer efeito e
baixar a inflação. Outro desconfia que o governo pode reagir à desaceleração da
economia com estímulos. Estes são como São Tomé, precisam antes ver o efeito do
juro na atividade para crer.
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