O Globo
A rejeição coletiva das demais siglas ao
partido AfD é parte de um esforço de décadas para impedir a entrada dos
radicais no tabuleiro político do país que viveu o nazismo
O próximo governo da Alemanha quase
certamente será uma coalizão de vários partidos políticos para então formar uma
maioria no Parlamento. Mas uma legenda quase certamente será excluída dessa
coalizão, independentemente do seu desempenho final: a Alternativa para a
Alemanha (AfD), de extrema direita.
Embora as primeiras pesquisas de boca de urna no domingo tenham mostrado o AfD em segundo lugar, impulsionado principalmente por sua oposição à migração em massa e sua promessa de deportar imigrantes, todos os outros partidos tradicionais da Alemanha se recusam a convidá-lo para o governo. Esse bloqueio é conhecido na Alemanha como o “firewall” (cordão sanitário) e é resultado direto dos esforços do país no pós-Segunda Guerra Mundial para suprimir partidos e vozes rotuladas como extremistas.
Partidos rivais citam uma ampla gama de
evidências para classificar o AfD como extremo e mantê-lo do lado de lá do
cordão. Alguns quadros da sigla foram classificados oficialmente como
extremistas pela inteligência alemã. Outros foram condenados pela Justica por
violar a lei alemã contra o uso de slogans nazistas, e um punhado preso por
tentar "derrubar o governo federal", ou seja, golpe. Recentemente, um
voluntário do AfD saudou colegas militantes que panfletavam durante a campanha
fazendo a saudação nazista, ato testemunhado por um repórter do New York Times.
Até hoje, a Alemanha tem sido a potência
europeia mais bem-sucedida em manter partidos de extrema direita alijados do
poder, seguida pela França, onde um grupo de partidos adversários entre si usou
o voto estratégico no verão passado para impedir que a extrema direita Reunião
Nacional obtivesse maioria parlamentar.
Outros bloqueios desse tipo na Europa, no
entanto, caíram ou foram enfraquecidos nos últimos anos, nos Países Baixos, na
Hungria e na Itália. E no início deste mês, o vice-presidente dos EUA, J.D
Vance, instou todos os europeus — incluindo os alemães — a trabalharem com
partidos de extrema direita, que ele classificou como "representantes
legítimos" da parcela da população preocupada com a imigração. “Não há
espaço para firewalls”, afirmou Vance em Munique.
Os partidos políticos da Alemanha, no
entanto, prometeram manter o cordão sanitário contra o AfD — promessa reiterada
na noite de domingo por Friedrich Merz, que está prestes a se tornar o próximo
chanceler, de acordo com as pesquisas de boca de urna. Somente se o AfD
surpreender até o fim da apuração e tiver um desempenho ainda mais forte do que
o que o da boca de urna — ou seja, bem mais do que 20% — pode ficar complicado
para os partidos contorná-lo. E aumentarão os questionamentos sobre quanto
tempo o firewall aguentará.
* Jim Tankersley é o chefe do escritório do New York Times em Berlim
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