domingo, 23 de fevereiro de 2025

Preparados? – Dorrit Harazim

O Globo

Não está fácil pensar em 2028 quando vivemos apenas um mísero mês dos quatro anos da governança Donald Trump/Elon Musk

Braço e mão nunca ficam muito tempo esticados em diagonal, à frente do peito — apenas o suficiente para o gesto ser fotografado e tachado de saudação nazista. Foi assim com Elon Musk na semana retrasada. Foi assim com Steve Bannon na semana passada. O gesto nada tem de casual ou impensado. É provocação calculada, testando o terreno. Aos poucos, poderá fazer parte da coreografia trumpista, somando-se ao inocente uso do boné Make America Great Again (Maga), sinalizando um porvir radioso. A linguagem, por enquanto, ainda é subliminar. Ou melhor, nem tanto:

— Vocês estão preparados para lutar por este país? — perguntou Bannon à plateia que lotava o Centro de Convenções National Harbor para os três dias da Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC).

Orador carismático, o formulador de uma ordem global extremista prossegue, sob roncos de aprovação:

— Os dias mais difíceis e duros estão por vir, mas sabem o quê? Riad, Berlim, Pequim, MoscouLondres estão todos aqui [referia-se à presença de delegados dessas cidades]. Isto aqui é invencível! Só perderemos se desistirmos, só seremos derrotados se nos rendermos. E só não venceremos se recuarmos. Mas não o faremos! Lutem, lutem, lutem! — concluiu com o braço direito em riste.

A edição 2025 da CPAC, cujo ponto alto estava previsto para ontem com a participação do presidente Donald Trump, pode ser vista como ponto de inflexão alarmante. Fundada 51 anos atrás para o debate de ideias conservadoras sem vínculo partidário, a entidade hoje radicalizada exibe sinais de vitalidade transcontinental. Veteranos preeminentes da extrema direita europeia, como a italiana Giorgia Meloni, o eslovaco Robert Fico e o britânico Nigel Farage, se sucederam no palco para anunciar que o curso da História ventava a seu favor. O húngaro András László, apesar de estreante no evento, apresentou credenciais de impacto. Ele preside a Patriotas pela Europa, terceira maior bancada de deputados do Parlamento Europeu, com 86 integrantes de 13 países. 

Confirmando o ditado segundo o qual “a proximidade do poder, e a percepção de proximidade do poder, é poder”, a América do Sul se fez presente com o presidente argentino, Javier Milei, munido de uma reluzente motosserra que presenteou a Elon Musk. Foi ovacionado.

Representando o Brasil, estava o frequentador assíduo de CPACs, deputado federal Eduardo Bolsonaro. O pai não pôde comparecer pois seu passaporte foi cassado e ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Aos participantes da CPAC, o filho qualificou a denúncia, passível de 12 a 43 anos de prisão, como risível “golpe de Estado Disneyland”. Discursando em inglês com teleprompter, preferiu alongar-se em acusações contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e o Brasil de hoje, “onde tiranos emitem ordens e suprimem a oposição abertamente”.

À margem da conferência, foi durante uma recepção na Casa Branca com personalidades negras que Trump lançou um balão bem ensaiado. De leve e como quem não quer nada, perguntou aos convidados o que achariam da hipótese de ele servir num terceiro mandato como presidente dos Estados Unidos. Segundo relato do Washington Post, ouviu-se um animado coro de “four more years”(mais quatro anos). Naturalmente, todos os presentes, e qualquer cidadão americano, sabem que a 22ª Emenda Constitucional limita o exercício da presidência a dois mandatos. Horas mais tarde, no Centro de Convenções da CPAC, o mesmo Steve Bannon levou a audiência a entoar “Queremos Trump em 2028”, como se não houvesse amanhã nem leis. O próprio presidente atravessou a semana surfando alto no seu já elevadissimo devaneio de imunidade.

— Aquele que salva seu país não viola qualquer lei — escreveu numa postagem no Truth Social, ecoando uma citação atribuída a Napoleão.

Dependendo de quem será implodido no atual mandato do presidente — se o próprio Trump ou as instituições democráticas do país —, a sedução de um terceiro mandato inconstitucional não sumirá motu proprio. Sempre haverá causídicos interessados em argumentar que a 22ª Emenda proíbe apenas dois mandatos consecutivos, o que não é fato.

Não está fácil pensar em 2028 quando vivemos apenas um mísero mês dos quatro anos da governança Donald Trump/Elon Musk. Nesse piscar de tempo, o mundo já mudou de eixo. Não percebe o precipício quem não quer.

Nenhum comentário: