domingo, 23 de fevereiro de 2025

A denúncia da PGR exagerou no ‘anuiu’ – Elio Gaspari

O Globo

A denúncia do procurador-geral Paulo Gonet é esmagadora até a página 127, quando passa a relatar fatos do dia 9 de novembro de 2022. Naquela manhã, o general da reserva Mario Fernandes imprimiu, no Palácio do Planalto, o plano Punhal Verde Amarelo. Ele previa atentados contra Jeca (Lula, presidente eleito), Juca (Geraldo Alckmin, vice-presidente) e Joca (“eminência parda” de Lula, que ainda não foi identificado).

A denúncia da PGR diz que o plano foi impresso “para apresentação a Jair Messias Bolsonaro e seu endosso” e vai adiante, com outro assunto. Muito antes (página 19), a PGR havia tratado do Punhal, dizendo que “o plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu”.

Como disseram os repórteres Cézar Feitoza, José Marques, Marcelo Rocha e Ranier Bragon, o “anuiu” fica pendurado numa fala do general da reserva Mario Fernandes. Ele era o Secretário-Geral interino da Presidência e esteve no Palácio da Alvorada na tarde do dia 9. A Polícia Federal, no seu imenso relatório, afirmou apenas que Bolsonaro soube do plano, mas não deu o passo seguinte. O “anuiu” da PGR fará a festa da defesa do ex-presidente.

O tenente-coronel Mauro Cid disse em sua colaboração, em dezembro passado, que “eu não tenho ciência se o presidente sabia ou não do plano que foi tratado, do Punhal Verde Amarelo, e se o general Mario levou esse plano para ele ter ciência ou não”.

Fica difícil admitir que Bolsonaro “anuiu”, sem que seu chevalier servant soubesse.

A principal testemunha de que Bolsonaro armava um golpe é Jair Messias Bolsonaro. Os fatos arrolados pela CPI Mista do Congresso, pela Polícia Federal e pela PGR provam isso à saciedade, sempre entre aspas.

Fora das aspas, faltou ao golpe de Bolsonaro general Mourão. Nada a ver com o senador Hamilton, vice-presidente do ex-capitão. Quem faltou foi o general Olympio Mourão Filho, que no dia 31 de março de 1964 decidiu depor o presidente João Goulart. Naqueles dias existiam uns dez núcleos de conspiradores que mal se comunicavam. (O general Castello Branco conspirava, mas passou parte da manhã do dia 31 tentando dissuadir Mourão.)

João Goulart achava que tinha um dispositivo militar. Bolsonaro, nem isso. Todos os planos golpistas de 2022/23 floresciam no palácio, onde generais comandam motoristas. Lula havia sido eleito, e nenhuma unidade se rebelou. Até o almirante Garnier, que ofereceu sua tropa, ressalvou que só se mexeria se o Exército saísse dos quartéis. (No século dos golpes, o único presidente eleito que não assumiu foi Júlio Prestes, em 1930.)

A cereja do bolo das mil páginas do relatório da Polícia Federal e das 272 da denúncia da PGR é o triplo atentado contra Jeca, Juca e Joca. Se ele ocorresse no dia 15 de dezembro, quando Kids Pretos campanavam Alexandre de Moraes, Jeca estava em São Paulo. Ademais, o plano Punhal Verde Amarelo é vago como um boato ao falar que Lula poderia ser envenenado num hospital. Quando?

Quem conhece as dobras das togas dos ministros do Supremo, vaticina: a denúncia será aceita e muitos serão os condenados. Resta saber que valor será dado à delação complementar e tardia do tenente-coronel Mauro Cid de novembro de 2024.

Noves fora essa lombada o caso não terminará com anulações, como vem sucedendo aos sentenciados pela Lava-Jato. O modelo será parecido com as condenações do mensalão, que acabou em cadeias.

Jair Bolsonaro ainda tem bons advogados, o general Mario Fernandes precisa fazer a mesma coisa.

Alexandre de Moraes

De um sábio, que conhece o ministro Alexandre de Moraes:

“Quem está lidando com ele deve lembrar que, desafiado, Alexandre dobra a aposta”.

O dilema de Tarcísio

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, voltou a repetir que não será candidato à Presidência em 2026. Como tem boas chances de conseguir a reeleição, deve-se admitir que seja isso mesmo. No entanto, as circunstâncias estão fora do seu controle.

Com Bolsonaro condenado e Lula indo mal nas pesquisas, o cavalo passará encilhado na sua porta. Ademais, o ex-capitão, a quem ele deve uma meteórica carreira política, poderá pedir-lhe que entre na disputa.

Se Tarcísio mudar de opinião, só revelará seu plano na segunda metade do segundo tempo.

Recordar é viver

Lula assumiu queixando-se da “vergonhosa fila do INSS, outra injustiça restabelecida nestes tempos de destruição”. Um mês depois, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, anunciou que, até o fim de 2023, todos os pedidos seriam atendidos “em até 45 dias”.

Em novembro do ano passado, a fila do INSS tinha 1,985 milhão de pedidos, aproximando-se do estoque a 2,4 milhões, registrado durante o governo de Bolsonaro.

Com um desempenho desse tipo, de nada adianta recorrer a marqueteiros.

COP-30

Os organizadores da COP-30 planejam levar para o Rio de Janeiro algumas atividades da conferência.

Essa seria uma forma de desafogar a pressão sobre a infraestrutura de Belém.

Lula e a carestia

Alguém precisa avisar Lula de que ele já falou pelo menos dez vezes na carestia dos alimentos sem que uma só de suas frases fizesse sentido. Falando do preço dos ovos prometeu fazer uma reunião.

Mais uma.

Do nada não sai nada

Do nada, começou a circular o nome de Geraldo Alckmin como candidato a presidente, caso Lula resolva não disputar.

Com vento a favor. O atual vice-presidente poderia ampliar o arco de alianças de um governo que sofre erosão na popularidade. Com mais de dois anos na vice, mostrou-se um parceiro leal. Até mesmo na digestão de sapos.

Com vento contra, teria que convencer os companheiros do PT a aceitar a ideia, coisa que, hoje, beira o impossível.

A cabeça de Bolsonaro

Quando a colaboração do tenente-coronel Mauro Cid trata do comportamento de Jair Bolsonaro na trama golpista, revela sua alma política. É no caso das joias sauditas que surge a alma doméstica do ex-capitão, encrencado no Exército porque meteu-se num garimpo e comerciava bolsas fabricadas com material de paraquedas.

Tratando dos presentes recebidos na Arábia Saudita, Mauro Cid contou:

— Ele pediu para verificar quais seriam os presentes que poderiam ter algum valor. A maneira mais fácil de quantificar seria pelos relógios, por causa da marca e tudo, então eu fiz um levantamento e (...) a gente viu qual relógio poderia ser quantificado, qual podia ter realmente algum valor. Nessa relação, o Rolex estava entre eles. Apresentei essa lista (ao presidente) e ele falou: “pô, bicho, vamos tentar vender isso aí?”.

(...)

Eu falei o problema é a exposição midiática, não é ilegal, mas vai acabar sendo imoral. E se vaza vai dar problema: “Não, bicho, vê lá quanto dá isso aí”.

Deu no que deu.

 

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