Reforma com mais respeito
Correio Braziliense
Durante toda a semana, veículos de imprensa se apressaram em noticiar, com alarde, movimentos de bastidores de uma eventual reforma ministerial
Em entrevista à Rádio Tupi, do grupo Diários Associados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro que cabe a ele, e tão somente a ele, decidir as mudanças em seu ministério. Seria recomendável, então, o chefe do Executivo definir logo o processo, a fim de evitar mais desgastes em um governo que enfrenta problemas de popularidade.
Durante toda a semana, veículos de imprensa se apressaram em noticiar, com alarde, movimentos de bastidores de uma eventual reforma ministerial. Novamente, a titular da pasta da Saúde, Nísia Trindade, tornou-se alvo de violenta especulação. Nem o presidente Lula, nem a própria citada, nem qualquer integrante graduado do governo se manifestou oficialmente. Por dois dias seguidos, a ministra divulgou, por meio de assessoria, informações sobre sua atuação à frente da pasta, em uma espécie de prestação de contas aos críticos e à opinião pública. Tudo muito dissimulado, sem transparência.
A troca de integrantes do primeiro escalão do governo Lula tem rendido especulações há meses. No ano passado, encerradas as eleições municipais, os boatos voltaram a ganhar força, ante a nova correlação de forças políticas proveniente das urnas. E nada ocorreu. Posteriormente, atrelou-se às possíveis mudanças a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Passadas três semanas, todos permanecem no mesmo lugar.
Nesse período de muita especulação e poucas decisões, a única troca efetiva no primeiro escalão do governo Lula ocorreu na Secretaria de Comunicação, com a saída do deputado federal Paulo Pimenta e a chegada de um especialista na área, Sidônio Palmeira. Nas palavras do próprio Lula, o problema do governo estaria na comunicação. Os baixos índices de popularidade registrados na última semana sugerem, contudo, que as dificuldades são maiores.
Em meio a tanta nebulosidade em Brasília, uma coisa é visível. Não é bom para nenhum governo ver a ministra Nísia Trindade ser alvo de ataques especulativos provenientes do próprio Palácio do Planalto; ou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ser questionada seguidas vezes em praça pública pelo chefe. Tal estado de coisas prejudica o funcionamento do governo e, em última instância, a própria imagem de Lula, na medida em que o chefe do Executivo manifesta descontentamento com a própria equipe. Para isso, diga-se, existe a oposição. Ou, recorrendo a um ditado da sabedoria popular, roupa suja se lava em casa.
Não que a ministra Nísia Trindade esteja imune a críticas. O governo Lula ficará marcado por uma crise gravíssima de saúde pública, com uma epidemia de dengue responsável por mais de 6 mil mortes em 2024. Pesa a favor da ministra-alvo, entretanto, o aumento da cobertura vacinal, em resposta à herança irresponsável do governo anterior.
Independentemente dos prós e contras, é de se perguntar se o mais grave problema da atual administração petista reside na saúde pública. Para efeito de comparação, a política fiscal acumula um deficit de credibilidade, a inflação permanece acima do teto da meta há meses. E não falemos do dólar e da taxa de juros, que, no pensamento de Brasília, são de responsabilidade do tal mercado e do sempre lembrado Roberto Campos Neto. No entanto, não passa pela cabeça de ninguém substituir o titular da Fazenda, Fernando Haddad.
Todos os ministros estão sujeitos a críticas. Mas é lamentável observar que os ataques partem de supostos aliados e atingem integrantes que, em tese, não se adequam ao tal perfil de político profissional. Reformas ministeriais são normais e necessárias. Mas é de bom tom ocorrerem dentro de um ambiente de respeito. Se Lula assim o quiser, que a faça, para o bem do país.
O Globo
Na disputa comercial, os americanos
reivindicam reciprocidade. É verdade que pagam tarifas médias mais altas
O Brasil apresenta vulnerabilidades na
disputa comercial deflagrada por Donald Trump.
Como princípio, ele estipulou reciprocidade nas tarifas impostas a parceiros
externos. Pelo histórico de país fechado ao comércio, o Brasil é mais
protecionista que os Estados Unidos.
Por isso, se a ameaça de Trump for levada a cabo, prejudicará exportações de
diversos produtos brasileiros.
De acordo com dados da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), a tarifa média que incide sobre importações brasileiras de produtos americanos é 12,4%, bem superior aos 2,7% pagos nas compras americanas de produtos brasileiros. Médias, porém, são ilusórias. Do total das exportações americanas ao Brasil, 48% entram sem tarifa. E cerca de 15% são importados com tarifas inferiores a 2%. A discussão se dará, portanto, sobre os produtos que elevam a média.
É o caso do etanol, que tem sido destacado
pelo governo americano ao falar do tratamento desigual nas trocas comerciais.
Enquanto o Brasil taxa em 18% o álcool importado dos Estados Unidos, no caminho
inverso o etanol brasileiro paga tarifa de apenas 2,5%. De acordo com
representantes do setor, a tarifa brasileira é definida no âmbito do Mercosul e
reflete a diferença entre os dois produtos. A cadeia de produção do álcool
brasileiro é, segundo eles, mais limpa por usar biomassa como fonte de energia.
É esse o motivo para a Califórnia, estado que adota padrões mais rígidos para
reduzir emissões de carbono, importar o etanol produzido no Brasil. Mas é
inevitável que a falta de reciprocidade tarifária seja explorada nas
escaramuças comerciais.
A pauta das trocas entre os dois países
apresenta outras discrepâncias. Com base em dados da Organização Mundial do
Comércio (OMC), a economista Lia Vals, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj) e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas
(Ibre/FGV), comparou as tarifas praticadas por Brasil e Estados Unidos em 22
categorias, como animais vivos, carnes, algodão, seda, lã, borracha, couro ou
calçados. Em 2023, em apenas três delas os Estados Unidos praticavam tarifas
superiores ao Brasil: produtos lácteos (16,8%, ante 15,3%), bebidas e tabaco
(17,5% ante 14%) e petróleo (6,5% ante 0,1%). É verdade que a análise não
considera barreiras protecionistas não tarifárias, como exigências
fitossanitárias ou outras restrições. Mesmo assim, a desvantagem brasileira é
patente.
Guerras comerciais mobilizam grupos de
pressão de empresários, e qualquer fragilidade costuma ser explorada nas
negociações. O pior nem são os prejuízos comerciais, pois, uma vez passado o
primeiro baque, sempre será possível buscar outros mercados, como Ásia ou
Europa. O mais grave, no médio prazo, será o impacto negativo nos
investimentos. Por isso a Amcham sugere que se invista no diálogo, de modo a
evitar a escalada de medidas protecionistas. É o que tem tentado fazer o
México, até o momento com sucesso.
Toda negociação envolverá concessões, mas é o melhor caminho, considerando que os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Persistindo a divergência, mesmo que a OMC não esteja em seu melhor momento, o Brasil não deve deixar de recorrer a ela quando atingido. O importante será fundamentar bem seus argumentos de defesa e estar preparado para justificar as tarifas elevadas que pratica.
Diversificação de atividades do crime organizado é alarmante
O Globo
Receita com combustíveis, ouro, bebida e
cigarros ilegais é dez vezes a obtida com cocaína, diz estudo
É motivo para alarme a diversificação das
atividades do crime organizado, constatada em relatório do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP). Embora o tráfico de armas e drogas continue sendo um
negócio central para os criminosos, a receita obtida com a venda ilegal de
diversos outros produtos é muito superior.
A atuação nos mercados ilegais de ouro,
combustível, bebidas, tabaco e cigarros — à margem do Fisco e sem qualquer
controle de qualidade — rendeu R$ 147 bilhões às organizações criminosas em
2022, ante R$ 15 bilhões faturados no tráfico de cocaína. Entre julho de 2023 e
julho de 2024, pelos cálculos do FBSP e do DataFolha, elas ganharam ainda mais
dinheiro com outra atividade que anda em alta: faturaram R$ 186 bilhões em
golpes digitais, furtos e roubos de celulares — crimes que se complementam.
Entre os quatro mercados mais explorados
pelas organizações criminosas, segundo o relatório, o de maior receita, com R$
61,5 bilhões (42%), é formado por combustíveis e lubrificantes. O segmento de
bebidas vem em seguida (R$ 56,9 bilhões), à frente do ouro (R$ 18,2 bilhões).
Depois aparecem tabaco e cigarros (R$ 10,3 bilhões). Nesse último mercado,
autoridades estimam que 40% do consumo envolva produtos ilegais. Como não pagam
impostos, mesmo vendidos a preços baixos, garantem alta rentabilidade.
Por impor alta carga tributária à sociedade,
o Brasil garante ganhos generosos a quem atua na clandestinidade e nos mercados
paralelos. As margens de lucro são comparáveis às do tráfico de drogas. As
cifras também servem para dar uma ideia de quanto se perde de receita
tributária em razão da atividade das organizações criminosas. É dinheiro que
poderia ser destinado a segurança, saúde, educação ou mesmo obras de
infraestrutura.
Na visão dos autores do relatório, as
atividades ilegais se articulam e “formam um ecossistema que ultrapassa o
narcotráfico e o contrabando tradicionais”. Há especialidade na exploração de
brechas na legislação, na lavagem de dinheiro e na ocultação dos recursos
obtidos pelo tráfico — não só de drogas — e em extorsões.
Está em funcionamento no país um complexo do
crime em escala industrial. Um instrumento importante de vigilância é o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), subordinado ao
Ministério da Fazenda. Mas seu trabalho precisa ter desdobramentos concretos, a
partir de requisições judiciais e do Ministério Público. Se não houver um
programa bem articulado, com integração entre governo federal, estados e
municípios, a informalidade continuará a favorecer os criminosos. O crime é
organizado, mas o Estado brasileiro não.
Mais estímulo à economia impedirá queda da
inflação
Valor Econômico
O governo deveria sinalizar superávits
primários, como fizera antes de mudar as regras, e conter gastos com empenho
A economia deu sinais de estar mudando de
ritmo em dezembro, em uma transição que dependerá em boa medida da atitude do
governo Lula, já movido por interesses eleitorais, e do cenário externo, que
ameaça turbulências sem cessar com Donald Trump na Casa Branca. Varejo,
serviços e indústria tiveram queda no último mês de 2024, sugerindo que a
desaceleração poderia ter começado antes do previsto. Mas há um relativo
consenso de que ela perderá força a partir de meados do ano. O PIB do ano
passado deve ter crescido 3,5%, e a maioria das projeções para a economia agora
está ao redor de 2%, o que não sugere freada violenta ou recessão.
Há uma coleção variada de indicadores que
apontam o enfraquecimento da atividade. Os números negativos do IBGE
surpreenderam, enquanto era esperada uma queda bem mais suave em dezembro em
relação a novembro no IBC-Br do Banco Central, tido como prévia do PIB. Em
dezembro, o índice recuou 0,7%. No ano, o resultado foi forte, alta de 3,8%. Na
ponta, porém, a média móvel trimestral mostra queda de -0,31%.
Nos indicadores do IBGE, a variação observada
entre o terceiro e o quarto trimestres do ano passado registra queda no varejo
e na indústria (-0,4% e -0,1%, respectivamente), enquanto os serviços ainda
avançaram. Mesmo assim, Sílvia Matos, coordenadora do Boletim Macroeconômico do
Ibre FGV, vê algum sinal de arrefecimento nos serviços prestados à família, um
prenúncio de que a demanda doméstica, que teve comportamento exuberante em 2024
(5,6%), começa a diminuir (Valor,
19 de fevereiro). A expectativa é de recuo de 1,6% na demanda em 2025.
Da mesma forma, os índices de confiança
calculados pelo Ibre da FGV estão mostrando expectativas menos promissoras para
o futuro no curto prazo - eles guardam boa aderência como preditores da direção
futura que o PIB tomará. O índice dos empresários apresentou em fevereiro sua
terceira queda consecutiva. O dos consumidores, estabilidade, após retração em
janeiro.
Um roteiro padrão de muitos economistas para
o comportamento da economia indica que a indústria extrativa e a agricultura,
como em 2023, empurrarão o PIB no primeiro trimestre, caso se confirme a
previsão de mais uma grande safra a ser colhida, diferentemente do que ocorreu
no ano passado, em que problemas climáticos reduziram a produção, apertaram a
oferta e jogaram os preços dos alimentos para cima, com a ajuda da disparada do
dólar no fim do ano. A conta dessa carestia está sendo debitada politicamente ao
governo Lula, que tem demonstrado até agora inabilidade para tratar da questão,
além de não haver muito a fazer de imediato para resolver o problema no curto
prazo. Uma safra generosa tende, porém, a mitigar os preços, que variaram 8,3%
(fora do domicilio), para um IPCA de 4,8%.
O contraponto do avanço desses dois setores
seria o recuo dos segmentos cíclicos, sujeitos a uma política monetária que
está se tornando extremamente contracionista, à diminuição do crescimento do
crédito e ao menor impulso fiscal em relação aos anos anteriores. Não é claro o
papel que terá o setor externo para o PIB, do qual retirou pontos no ano
passado. O esfriamento da demanda doméstica brecará novo avanço robusto das
importações (14,7% em 2024), mas a boa perspectiva das exportações poderá ser
detonada pela imposição de tarifas por Trump ou mesmo um ainda possível acordo
entre EUA e China.
Com a queda de popularidade nas pesquisas, o
presidente Lula parece inclinado a deixar de lado os pruridos fiscais
manifestados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na quinta-feira, Lula
voltou a dizer que o déficit fiscal era “bobagem” e servia ao interesse de
“quem gosta de especular”. Prepara um programa de crédito, enquanto os juros
básicos estão rumando para os 15%, uma enormidade, e agora parece menos
convencido ainda sobre a necessidade de conter o crescimento para debelar a
inflação em alta, que tem espancado sua avaliação.
Um crescimento de 2% não é um resultado ruim,
mas a inflação no nível projetado pelo Focus, de 5,6% este ano, terá um peso
eleitoral ruim não desprezível. A economia não precisa de estímulos. O salário
mínimo terá aumento real de 2,5%, e o mercado de trabalho só deverá desaquecer
aos poucos e moderadamente. É recomendável que a política fiscal ajude a
combater a inflação. O governo deveria sinalizar superávits primários, como
fizera antes de mudar as regras, e conter gastos com empenho.
Não é o que as atitudes do governo sugerem. A
Fazenda enviará mesmo um projeto de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil,
que poderá reduzir as receitas de R$ 35 bilhões a R$ 50 bilhões. A arrecadação
poderá ser reposta tributando mais as faixas de maior renda, mas não é seguro
que o Congresso aprove essa parte, reservando para si e ao governo o bônus da
isenção do IR. Uma barbeiragem fiscal voltará a deteriorar as expectativas,
provocar novas desvalorizações do real e nutrir a inflação, à porta de entrada
do período eleitoral.
Com prejuízo para o Brasil, Toffoli livra
Palocci da Lava Jato
Folha de S. Paulo
Decisão monocrática anula atos da operação
contra ex-ministro de Lula e Dilma, o que não apaga os graves crimes apurados
O ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal, aprontou mais uma. Sozinho, sem levar o caso para
avaliação de seus colegas, anulou todos os atos da Operação
Lava Jato contra Antonio
Palocci.
A
decisão mantém válido, porém, o acordo de delação premiada firmado por
Palocci, que atuou como ministro da Fazenda de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) e da Casa
Civil de Dilma
Rousseff (PT) —e caiu de ambos os cargos devido a diferentes
escândalos.
Trata-se, na forma e no conteúdo, de
reprodução da medida determinada pelo magistrado em relação a Marcelo
Odebrecht. Em 2024, o empresário pleiteou a anulação de seu processo com base
em irregularidades apontadas na investigação da Lava Jato após um hacker expor
conversas da força-tarefa em Curitiba.
Toffoli, que aquiesceu à solicitação de
Odebrecht, agora fez o mesmo diante de pedido de Palocci. Para o ministro do
Supremo, o combate à corrupção no
âmbito da operação deu-se "de maneira clandestina e ilegal, equiparando-se
órgão acusador aos réus na vala comum de condutas tipificadas como crime."
E, como se acreditasse na própria lamúria,
afirmou: "O necessário combate à corrupção não autoriza o fiscal e
aplicador da lei a descumpri-la, devendo-se lamentar que esse comportamento,
devidamente identificado a partir de diálogos da Operação Spoofing, tenha
desembocado em nulidade, com enormes prejuízos para o Brasil".
São, de fato, enormes os prejuízos para o
Brasil —e todos eles decorrem da assinatura solitária de Toffoli. Pois foi ele,
em setembro de 2023, quem julgou imprestáveis as provas reunidas pela Lava Jato
contra a Odebrecht. Também foi ele quem suspendeu
as multas bilionárias fixadas em acordo com a empreiteira.
O mesmo magistrado ainda encontrou uma
maneira de favorecer a companhia J&F, cujo processo nem passou pela vara
federal de Curitiba, mas que contratou a esposa de Toffoli como advogada em um
litígio empresarial.
E esses são apenas os danos materiais. De um
ponto de vista menos tangível, o ministro dilapida o patrimônio institucional
dos órgãos de controle, ao fazer crer que, no Brasil, combater a corrupção é um
esforço de Sísifo, fadado ao fracasso recorrente.
Não se ignora a parcela de responsabilidade
que cabe ao ex-juiz federal Sergio Moro e
ao ex-procurador Deltan
Dallagnol, figuras que contaminaram a Lava Jato com seu messianismo e sua
ambição política depois revelada.
As ações heterodoxas que conduziram,
contudo, não
apagam a existência dos gravíssimos crimes reconhecidos por dezenas de
réus ao longo da operação nem justifica que suas penas sejam varridas para
baixo do tapete.
A Justiça brasileira precisa encontrar o
devido equilíbrio ao lidar com políticos e empresários —vale dizer, precisa
aplicar a lei. Ao oscilar entre a impunidade e a perseguição, só produz
descrédito na instituição como um todo.
Facilitar o parto seguro no SUS
Folha de S. Paulo
Muitas gestantes percorrem longos trajetos
para acessar serviço; é preciso investir em maternidades e expandir pré-natal
Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
publicada na revista The Lancet revelou gargalos na realização de partos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). Entre 2010 e
2019, uma em cada quatro mulheres teve
de viajar em média 62 km para dar à luz em hospitais da rede.
Os dados devem ser apreciados com atenção
pelo poder público, já que a demora no procedimento é um dos fatores ligados à
mortalidade materna, que, apesar de ter caído ao longo dos últimos anos no
Brasil, ainda
é alta em comparação a outros países.
Como ocorre com outras distorções no SUS, as
regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas. Lá, gestantes percorrem de 57 km
a 133 km, em trajetos que duram de 54 minutos a quase seis horas. Já no Sul e
Sudeste, o caminho tem entre 37 km e 56 km, com duração de 38 a 52 minutos.
Dos 6,9 milhões de partos analisados pelo
levantamento, nos biênios 2010–2011 e 2018–2019, 1.759.306 (25,4%) envolveram
deslocamentos intermunicipais.
Ademais, comparando os dois períodos,
verificou-se aumento no índice de mulheres que precisaram se locomover, de
23,6% para 27,3%; na distância, de 54 km para 70,8 km (alta de 31%); e no
tempo, que passou de 63 minutos para 84 minutos (+33,6%).
Por óbvio, países de dimensões continentais e
com vastas áreas de natureza selvagem enfrentam desafios para garantir acesso
universal a aparelhos públicos de saúde —até nações ricas com essas
características, como a Austrália,
têm de lidar com o problema.
Mas isso não exime governos nas três esferas
de realizarem diagnósticos para alocar recursos em infraestrutura nas
localidades mais vulneráveis e implementarem políticas que minimizem os riscos
inerentes à necessidade de deslocamento para os partos.
Segundo o estudo, dentre os casos de
gestantes que precisaram sair de suas cidades, em 24.569 (1,4%) deles ocorreu
morte da mãe, do bebê ou de ambos.
Para diminuir a possibilidade de tais
desfechos fatais, além da construção de mais maternidades, deve-se ampliar a
realização de exames de pré-natal e, no caso das regiões remotas, o uso da
telemedicina no acompanhamento especializado das gestantes.
A gravidez na adolescência, um fator de
risco, precisa ser contida com educação
sexual, acesso fácil a métodos contraceptivos e, em relação às meninas
menores de 14 anos, ao aborto legal
—a taxa de gestações nessa faixa etária por 100 mil mulheres na região Norte em
2023 foi
de 4,72, mais do que o dobro da nacional (2,14) e superior à da África subsaariana
(4,4), a pior do planeta.
O Supremo precisa se ajudar
O Estado de S. Paulo
No dia seguinte à chegada da denúncia contra
Bolsonaro, o STF livrou numa canetada mais um petista corrupto confesso. Assim
fica difícil acreditar na imparcialidade do tribunal
No dia seguinte à chegada da denúncia contra
Jair Bolsonaro e outros 33 acusados de tramar um golpe de Estado, entre outros
crimes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli livrou mais
um petista graúdo, corrupto confesso, apanhado pela Operação Lava Jato. Como
foi noticiado, trata-se de Antonio Palocci, figura de proa nos governos de Lula
da Silva e Dilma Rousseff.
Pode ter sido apenas uma infeliz
coincidência, claro, mas pouco importa. Fato é que a decisão monocrática de
Dias Toffoli, um ministro que dá mostras de estar cada vez mais determinado a
arruinar o que ainda resta de reputação institucional ao Supremo, em nada
contribui, muito ao contrário, para o resgate da aura de imparcialidade que há
de orientar a Corte durante o julgamento mais importante do País sob a égide da
Constituição de 1988 – a mesma que teria sido rasgada se o golpe urdido nos
estertores do governo Bolsonaro tivesse prosperado.
O julgamento do ex-presidente não pode apenas
ser isento; ele precisa parecer isento. Trata-se de um processo crucial para o
futuro próximo do País, com óbvias implicações políticas e sociais. O que está
em jogo, afinal, é a punição exemplar daqueles que, como sustenta a
Procuradoria-Geral da República (PGR), tentaram derrubar a democracia
brasileira com emprego de violência para satisfazer um vil desejo de poder,
ainda que o preço dessa ignomínia fosse a morte de concidadãos.
A técnica e a imparcialidade do Supremo,
portanto, são os únicos antídotos contra futuras contestações que possam levar
à impunidade. À vista de todos, aí estão os erros que foram cometidos por
agentes do Estado no curso da Lava Jato e o diligente labor de Dias Toffoli
para destruir todo o trabalho da operação sem qualquer cuidado ou matiz. Hoje,
criminosos confessos podem posar de “vítimas” e rir do sistema de Justiça,
iluminando os riscos que a má condução do processo contra os golpistas
representa para a higidez do Estado Democrático de Direito no Brasil.
Bolsonaro é uma figura polarizadora, para
dizer o mínimo, e sempre estimulou a cizânia contra o STF, de modo que o
desgaste para a Corte está contratado. Seja ele condenado ou absolvido, a
decisão reforçará as suspeitas de muitos cidadãos, satisfeitos ou não com o
resultado, de que o Supremo se tornou um centro de intervenções políticas nos
rumos da vida nacional.
Não que o Supremo tenha de se preocupar com a
repercussão de seus julgados perante a opinião pública. Afinal, somada às
garantias da magistratura previstas na Lei Orgânica e na Constituição, a
natureza contramajoritária da Corte serve justamente para que suas decisões
pairem acima dos interesses que elas possam frustrar e, sobretudo, para
assegurar aos ministros a tranquilidade necessária para que decidam as lides
com técnica e imparcialidade.
Isso não significa, contudo, que o STF exerça
um poder olímpico sobre a Nação, como se decidisse para as suas paredes de
mármore. Não faria mal um pouco mais de sensibilidade às críticas e aos apelos
por contenção vindos de cidadãos de boa-fé. Se é certo que o julgamento de
Bolsonaro provocará desgaste ao STF, quão profundo será depende exclusivamente
do comportamento de seus próprios ministros. Vale dizer: mais do que nunca, o
Supremo precisa se ajudar.
E o Supremo não se ajuda, por exemplo, quando
o ministro Alexandre de Moraes, suposta vítima e, ao mesmo tempo, investigador
e relator do processo, sinaliza resistência à transferência do julgamento da
Primeira Turma para o plenário do STF, onde aumenta a chance de haver votos
contrários à condenação de Bolsonaro. O Regimento Interno assegura ao relator a
prerrogativa de decidir em que esfera a ação penal sob sua relatoria será
julgada. Por outro lado, a Corte não é propriamente conhecida pela solidez de
sua jurisprudência. O entendimento dos ministros sobre as competências do
plenário e das turmas já mudou um sem-número de vezes, a depender de quem
estava sendo julgado. Ou seja, é uma questão de bom senso.
Não é só o futuro penal de Bolsonaro que será
definido no julgamento; o próprio STF estará sob escrutínio. Por isso, a Corte
deve dar um exemplo de transparência e isenção.
Em nome da virtude
O Estado de S. Paulo
No embate entre o STF e o Congresso pelo uso
responsável e transparente do Orçamento, a população perde duplamente: pelo
possível mau uso do dinheiro público e pelas obras inconclusas
A cúpula do Congresso Nacional parece ter
dobrado a aposta no esforço para preservar o enorme poder adquirido no manejo
do Orçamento da União. Desta vez a orquestra congressista foi tocada para além
da defesa pública que os novos presidentes da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), já fizeram
sobre as “prerrogativas parlamentares” – quando, em suas respectivas posses e
na abertura dos trabalhos legislativos, deixaram evidente que o corporativismo
regerá seus mandatos. Nos últimos dias, ouviu-se uma fala uníssona de
diferentes parlamentares em defesa de verbas do chamado orçamento secreto e de
outras emendas que não foram pagas e são objeto de questionamento do Supremo
Tribunal Federal (STF). Parlamentares apresentaram diversos projetos de lei com
um só objetivo, isto é, destravar recursos paralisados, que podem chegar a R$
30 bilhões. O discurso dos porta-vozes da campanha, em defesa dos projetos, foi
rigorosamente o mesmo: é preciso liberar os recursos para retomar obras
paralisadas e, assim, evitar maiores prejuízos à população.
Tal argumento seria irreprochável, não fossem
as artimanhas da operação. Na defesa se misturam recursos represados do
Orçamento, dinheiro de emendas individuais e cifras significativas do orçamento
secreto. Conforme reportagem
do Estadão, a marotagem inclui um projeto apresentado pelo líder do
governo, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que ressuscita recursos desde
2019, incluindo R$ 2 bilhões do orçamento secreto, permitindo que a verba em
questão seja usada até o fim de 2026. Esses recursos foram inscritos nos
“restos a pagar”, mecanismo usado quando o governo não faz o pagamento no ano
previsto e o transfere para o ano seguinte. Foi o que ocorreu com uma série de
verbas do orçamento secreto, ou porque as obras não andaram ou porque houve
denúncia de irregularidades. O senador justificou o projeto lembrando que há um
“cemitério de obras” paradas pelo Brasil “porque no tempo do exercício
orçamentário respectivo não foram liberados os recursos necessários para
pagamento”.
Eis um exemplo clássico da devida separação
entre o joio e o trigo – um clichê elementar que se presta a evitar
oportunismos de parlamentares. Trata-se de uma separação de ordem dupla.
Primeiro: distinguir o que são recursos legítimos destinados por congressistas
a suas respectivas bases e o que são verbas maculadas pelos problemas
diagnosticados pelo ministro Flávio Dino, do STF. Entre esses problemas se
inclui o descumprimento de exigências previstas pela Constituição, como a
rastreabilidade e a transparência das emendas parlamentares. Segundo:
diferenciar o que seja destravar recursos que a população espera e o que é um
mero artifício para anistiar o orçamento secreto. É uma premissa essencial para
definir quanto desse dinheiro será pago e como funcionará o processo daqui para
a frente.
Enquanto isso, Congresso e STF travam
debates. Parlamentares tentam convencer a Corte a afrouxar as determinações que
exigiram transparência sobre os recursos de anos anteriores, prometendo cumprir
as exigências daqui para a frente. Ao País restará resignadamente esquecer o
passado. Não é hora de esquecer, contudo. Ao contrário. Revelado pelo Estadão,
o orçamento secreto, como hoje se sabe, bancou a compra de tratores
superfaturados, asfalto com sobrepreço e desvios na área de saúde, além de se
somar a um movimento maior de emendas parlamentares que tiraram recursos de
áreas essenciais do governo e descumpriram regras fiscais. As hostes
clientelistas ganharam enorme oportunidade também com as chamadas “emendas
Pix”, uma espécie de cheque em branco por serem repassadas diretamente pelos
parlamentares a suas bases eleitorais de forma arbitrária e opaca.
Tais sombras não podem ser iluminadas sob o
argumento da virtude, como se um erro pudesse ser corrigido pelo simples desejo
de acabar com um suposto “cemitério de obras”. A população perde duplamente:
pelo possível mau uso do dinheiro público e pelas obras represadas.
Moradia social sob suspeita
O Estado de S. Paulo
Prefeitura precisa pôr ordem na casa para
impedir que incentivo para baixa renda seja desvirtuado
Bastaram poucos dias para que o número de
construtoras notificadas pela Prefeitura de São Paulo sob suspeita de
desvirtuar um incentivo fiscal criado para beneficiar a moradia de baixa renda
começasse a crescer. Já são ao menos 11 empreendimentos erguidos em regiões
valorizadas da cidade que teriam recebido isenções de impostos para a habitação
social e que acabaram sendo vendidos a quem poderia pagar bem mais por eles.
As punições, no entanto, só começaram a ser
aplicadas após o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) entrar no
caso por meio de uma ação civil pública alegando irregularidades. Desde então,
a Prefeitura já aplicou mais de R$ 30 milhões em multas, e as construtoras
passaram a receber avisos de novas sanções.
De acordo com a Promotoria da Habitação,
empreendimentos em bairros como Pinheiros, Lapa e Itaim Bibi, entre outros,
receberam incentivos construtivos e fiscais para a chamada habitação de
interesse social (HIS). Criada para beneficiar famílias com renda de até seis
salários mínimos, a política pública tem proporcionado a aquisição das unidades
por compradores de renda elevada – e, em alguns casos, com mais de R$ 1 milhão
em bens.
São em sua maioria apartamentos de 20 ou 30
metros quadrados em bairros onde, não raro, o metro quadrado chega a R$ 20 mil.
Como percebeu o MP-SP, mas não a Prefeitura, é de se perguntar que família de
baixa renda pode viver bem em um espaço tão pequeno e tão caro.
Para a Promotoria da Habitação, trata-se de
“fake HIS” – em que empresas aderem ao programa de moradia social apenas para
melhorar sua imagem pública. Após solicitar a notificação de cartórios, o MP-SP
recebeu mais de 560 casos suspeitos – e os dados se referem a um período de
apenas dois meses do ano passado.
A promotoria pediu à Justiça a suspensão da
concessão dos benefícios sob o argumento de que há “negligência” da Prefeitura
na fiscalização. E parece haver mesmo. De agosto de 2019 a outubro de 2024,
446,5 mil unidades foram beneficiadas, mas a Prefeitura não sabe o número total
de imóveis contemplados por incentivos nos cinco anos anteriores. Ora, não se
faz política pública sem dados, mensuração dos resultados e avaliações
recorrentes.
As empresas, por óbvio, negam quaisquer
irregularidades. Argumentam, ainda, que os proprietários se comprometeram a
alugar as unidades a inquilinos de baixa renda, como se promessas como essa
bastassem.
É do interesse de todos que iniciativas para
estimular a ocupação de toda a cidade por todas as classes sociais prosperem
para reduzir disparidades por meio de políticas habitacionais. Com isso, a
população de baixa renda ajuda a adensar a metrópole e consegue acessar a
infraestrutura urbana, como corredores de ônibus e metrô.
Já faz uma década que São Paulo concede esse benefício a fim de ajudar a reduzir o déficit habitacional. E o cenário tão turvo mostra como uma política pública com muito potencial pode ser facilmente desvirtuada. Esse desleixo mostra que o MP-SP tem razão ao pedir a suspensão do incentivo. Talvez assim a gestão Ricardo Nunes coloque a casa em ordem.
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