quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

A sobriedade de Gonet e a combustão da denúncia - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Se o Centrão já havia majorado o preço para o governo depois da queda de popularidade, fará o mesmo com o bolsonarismo garantindo um espetáculo de boa bilheteria

Depois da denúncia e julgamento da Lavajato, o PT perdeu duas eleições presidenciais consecutivas, viu a base municipal do partido ser dizimada e a bancada na Câmara dos Deputados perder um quinto de suas cadeiras. A revelação dos vícios daquela operação e dos erros no julgamento dela decorrente permitiu a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, mas à frente de uma maioria eleitoral e política muito mais apertada e acossada pelo extremismo de direita adubado pelo lavajatismo.

Concluída a denúncia da Procuradoria Geral da República é natural, portanto, que a indagação geral da República recaia sobre seu impacto nas eleições de 2026. O precedente da Lavajato e a sobriedade de Paulo Gonet permitiram uma acusação que, fartamente apoiada na delação premiada do ajudante de ordens da Presidência, coronel Mauro Cid, cuidou de ampará-la com documentos, mensagens, registros e outros depoimentos a respaldar a acusação de que o ex-presidente Jair Bolsonaro não apenas sabia de tudo como foi partícipe ativo das tratativas de golpe. Tratou ainda de situá-la como um intento de subversão da democracia que deveria ser rechaçado por qualquer agrupamento político que dela tira seu sustento. Só descuidou de uma revisão da ortografia e da nomenclatura militar.

Se a prisão do ex-presidente é o cenário mais provável, face à vigilância reforçada sobre as fronteiras, ainda não dá pra apostar que o bolsonarismo esteja dizimado. O golpismo é amplamente rechaçado pela população, mas há um espólio em disputa. Os contendores já saíram em defesa de Jair Bolsonaro embora nenhum deles tenha tanta vantagem nesta seara quanto Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O deputado federal que o coronel Cid disse ser o mais golpista da prole bolsonarista embarcou para Washington no mesmo dia da denúncia. Na noite desta quarta, publicou em suas redes o discurso em que Steve Bannon diz que Bolsonaro será assassinado na cadeia. Caso seja preso, frisou o 03.

Bolsonaro conta ainda com a manobra intimidatória da ação movida nos Estados Unidos pelas empresas de Donald Trump contra Alexandre de Moraes, acusado de afrontar a jurisdição da Justiça americana sobre suas empresas nos casos em que ministro impôs multas e remoção de conteúdo digital.

Se parece claro que a família espera contar com a pressão do trumpismo, ainda não está claro o quanto a defesa de Bolsonaro vai pontificar sobre a extrema direita brasileira, que já domina o jogo da atenção. O início da temporada das transmissões ao vivo das sessões pode ter um efeito rebote sobre quem já está cansado do assunto e quer virar a página.

Quanto mais o PT investir na exploração do tema, mais a oposição, do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) ao governador Tarcísio de Freitas, vai explorar Pix, Janja, inflação, banheiro feminino, privilégios do Judiciário e saidinha de presos. Com a previsão de que o julgamento já seja iniciado em abril, a onipresença do golpismo em eleição de 2026 pode vir a ser mitigada, a depender de quem vai conduzir a estratégia.

Não se esperem mudanças estruturais em decorrência deste julgamento, como a revisão do artigo 142 da Constituição, que escudou os golpistas no cortejo aos comandantes militares. Não existisse brecha para intervenção interna, não haveria minuta, nota de comandantes, cartas ou reuniões para tentar dobrar as Forças Armadas a este golpe “dentro das quatro linhas”. Mexer nisso respaldaria a defesa de Bolsonaro, diz um veterano do Congresso, respaldando a percepção de que o embate em curso pode ensejar tudo, menos racionalidade.

De ambos os lados. Se foi discreto em relação à denúncia, advogando a “presunção de inocência”, o presidente tem dobrado a aposta na distopia discursiva a ponto de aliados já se perguntarem se isso acontece apesar do novo ministro da Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira, ou por causa dele. Depois de sugerir que o consumidor não compre o que está caro foi a vez de Lula atacar a cadeia de intermediação dos combustíveis onde têm lugar, inclusive, 27 governadores que cobram impostos legais e recentemente referendados em sua nova roupagem pela reforma tributária encabeçada pelo Ministério da Fazenda.

Se a campanha será polarizada e radicalizada pelo apelo à indignação, Lula parece também buscar seu assento nessa nau desgovernada. Mas se a oposição está descompromissada da governabilidade ou dos impactos de seu discurso sobre a expectativa dos agentes econômicos, este não é o caso do presidente da República.

A corda esticada entre o bolsonarismo e o governismo favorece o “poder moderador” do Centrão. O processo que se avizinha servirá para conter o apetite da extrema direita num ano em que, para raspar o tacho, é preciso manter, com o Executivo, as pontes que o bolsonarismo quer implodir - a começar pela reforma ministerial, que tem chances de piorar o que já é muito ruim. O ânimo ante a proximidade da exclusão definitiva de Bolsonaro de 2026, foi resumido pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP): “Anistia não é assunto dos brasileiros”.

Se o Centrão já havia majorado as condições de seu apoio a Lula depois do declínio na popularidade, a denúncia oferece a oportunidade de uma remarcação de preços para o outro lado da arquibancada. Com isso, o Centrão continuará a dominar o jogo com chances de uma boa bilheteria.

 

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