domingo, 23 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Seria um desatino ressuscitar ‘jabutis’ em PL das eólicas

O Globo

Derrubar vetos de Lula equivaleria a aumentar conta de luz 9% por 25 anos. Congresso não pode cometer tal absurdo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em janeiro, com vetos, a lei que regula a instalação de usinas eólicas em alto-mar. Da forma como fora aprovado no Congresso, o projeto continha uma profusão de artigos alheios à proposta original, popularmente conhecidos como “jabutis”. Lula fez bem em vetá-los. Os “jabutis” contribuiriam para tornar a conta de luz bem mais cara ao longo das próximas décadas. Aparentemente, o problema estava resolvido. Mas os vetos ainda correm o risco de ser derrubados no Legislativo. Seria uma afronta aos brasileiros se, já sufocados com a alta de preços, ainda tivessem de pagar energia mais cara para satisfazer a interesses particulares.

Trump, Putin e a contrarreforma - Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

Os totalitarismos se parecem: o ‘inimigo interno’ de stalinista linhagem ressurge indiferentemente no vocabulário do atual líder russo ou no do presidente dos EUA

Coerente defensor da liberal-democracia – e menos lido do que ironizado por causa da antiga tese, de tom hegeliano, sobre o fim da História –, Francis Fukuyama alarmou-se com a vitória de Donald Trump. Seria como se os norte-americanos tivessem escolhido Vladimir Lenin, surpreendeu-se recentemente o filósofo. Não está aqui minimamente em questão a diferença de estatura entre Lenin e Trump. O primeiro, ao contrário de Stalin, era um político e intelectual de vocação ocidentalizante, sabedor das taras antidemocráticas do nacionalismo grão-russo. O segundo, um político de parcos recursos intelectuais e admirador declarado dos traços recessivos da cultura russa, personificados no aliado Vladimir Putin. A seu favor, um singular domínio de palco eletrônico, usado com perícia de entertainer.

Um pouco de Marx para explicar as loucuras de Trump – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Para modernizar a sua economia e enfrentar a China, o presidente dos Estados Unidos põe em xeque tudo o que obstrui suas intenções, inclusive a democracia e a ordem mundial

O filósofo e historiador norte-americano Marshal Berman foi um pensador que perseguiu o humanismo ao longo de toda a sua obra, encerrada precocemente, em setembro de 2001, aos 72 anos. Em As Aventuras do Marxismo (Companhia das Letras), uma coletânea de artigos, alguns escritos após o fim do União Soviética, o autor refletia sobre o que ainda seria útil no pensamento de Karl Marx, ao qual dedicara boa parte de seus estudos, ao lado da interpretação da vida das cidades que mais amava: Paris, São Petersburgo e, sobretudo, Nova York.

Sinais dos tempos - Merval Pereira

O Globo

À falta de nomes, cria-se uma disputa indireta entre Janja e Michele Bolsonaro

Duas mulheres são protagonistas da política brasileira hoje, e podem representar seus devidos grupos políticos nas próximas eleições, por mais que esse embate presumível represente o declínio final de nosso sistema político-partidário. Já previ aqui, com toques de ironia, que do jeito que a coisa vai a próxima eleição para presidente da República pode se dar entre Michele Bolsonaro, ex-primeira dama, e Janja da Silva, a atual, e volta e meia elas estão nos noticiários políticos.

Janja é a bola da vez da oposição, diz Lula, acrescentando que os palpites da primeira-dama o ajudam a governar. Tornou-se fato corriqueiro a queixa de aliados do presidente contra a primeira-dama, que estaria cerceando a atividade política de Lula em benefício de uma restrita agenda doméstica. Já há pelo menos um ponto favorável a Janja nessa metade de governo: foi dela que partiu a advertência de que não deveriam convocar os militares para uma ação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) naquele 8 de janeiro de 2023, sob o risco de os militares tomarem conta do Poder. Vê-se agora que era justamente esta a última cartada dos golpistas, criar um ambiente de revolta popular que fosse o gatilho para a ação militar. Janja demonstrou naquela ocasião um faro político afiado.

Bolsonaro, Lula e seus destinos - Míriam Leitão

O Globo

De um lado, Lula lida com a crise dos preços de alimentos e perda de apoio. De outro, Bolsonaro enfrenta o cerco da Justiça e pode ser preso

Uma avalanche caiu sobre a oposição ligada ao bolsonarismo. O ex-presidente e seu quartel general foram denunciados, a delação do ajudante de ordens revelada e os vídeos expostos. Os fatos e diálogos descritos na denúncia exibem a evidência de uma longa urdidura contra a democracia. Já o governo Lula passou a semana em disputas internas, frituras públicas e encarando a crise de preços de alimentos agora encarnada no ovo. Cada um vive sua agonia, mas com uma enorme diferença. Lula enfrenta as agruras de governar um país com orçamento apertado, coalizão parlamentar adversa, preços instáveis. Jair Bolsonaro está sob o cerco da Justiça pelo crime de tramar um golpe de Estado. Lula está perdendo popularidade, Bolsonaro pode ir para a prisão.

A denúncia da PGR exagerou no ‘anuiu’ – Elio Gaspari

O Globo

A denúncia do procurador-geral Paulo Gonet é esmagadora até a página 127, quando passa a relatar fatos do dia 9 de novembro de 2022. Naquela manhã, o general da reserva Mario Fernandes imprimiu, no Palácio do Planalto, o plano Punhal Verde Amarelo. Ele previa atentados contra Jeca (Lula, presidente eleito), Juca (Geraldo Alckmin, vice-presidente) e Joca (“eminência parda” de Lula, que ainda não foi identificado).

A denúncia da PGR diz que o plano foi impresso “para apresentação a Jair Messias Bolsonaro e seu endosso” e vai adiante, com outro assunto. Muito antes (página 19), a PGR havia tratado do Punhal, dizendo que “o plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu”.

Preparados? – Dorrit Harazim

O Globo

Não está fácil pensar em 2028 quando vivemos apenas um mísero mês dos quatro anos da governança Donald Trump/Elon Musk

Braço e mão nunca ficam muito tempo esticados em diagonal, à frente do peito — apenas o suficiente para o gesto ser fotografado e tachado de saudação nazista. Foi assim com Elon Musk na semana retrasada. Foi assim com Steve Bannon na semana passada. O gesto nada tem de casual ou impensado. É provocação calculada, testando o terreno. Aos poucos, poderá fazer parte da coreografia trumpista, somando-se ao inocente uso do boné Make America Great Again (Maga), sinalizando um porvir radioso. A linguagem, por enquanto, ainda é subliminar. Ou melhor, nem tanto:

— Vocês estão preparados para lutar por este país? — perguntou Bannon à plateia que lotava o Centro de Convenções National Harbor para os três dias da Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC).

Orador carismático, o formulador de uma ordem global extremista prossegue, sob roncos de aprovação:

— Os dias mais difíceis e duros estão por vir, mas sabem o quê? Riad, Berlim, Pequim, MoscouLondres estão todos aqui [referia-se à presença de delegados dessas cidades]. Isto aqui é invencível! Só perderemos se desistirmos, só seremos derrotados se nos rendermos. E só não venceremos se recuarmos. Mas não o faremos! Lutem, lutem, lutem! — concluiu com o braço direito em riste.

O império e os canudos - Bernardo Mello Franco

O Globo

Guerra aos canudos de papel pode soar anedótica, mas expõe método do republicano

Desde que voltou à Casa Branca, Donald Trump já ameaçou invadir países amigos, defendeu uma limpeza étnica em Gaza e deixou o mundo à beira da guerra comercial. Mas nenhuma medida de seu primeiro mês de governo parece resumi-lo tão bem quanto a ofensiva contra os canudos de papel.

O presidente dos EUA assinou uma ordem executiva para banir os canudos biodegradáveis. Pregou o retorno aos canudos de plástico, apontados como vilões da poluição de rios e oceanos. “Esses negócios não funcionam”, disse, referindo-se aos tubinhos de papel adotados nos últimos anos. “Eles quebram, eles explodem”, delirou.

A traição americana - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Ao dividir Ucrânia entre EUA e Rússia, Trump repete pacto entre Hitler e Stalin que dividiu Polônia

Os movimentos de Donald Trump não podem ser entendidos da óptica convencional da geopolítica. As motivações comuns são o colonialismo mercantilista, a ideologia iliberal e nativista.

Trump tentou impor a Volodmir Zelenski pagamento de US$ 500 bilhões e 50% de todas as receitas provenientes de minerais raros, gás, petróleo, portos e o resto da infraestrutura da Ucrânia.

No Tratado de Versalhes, em 1919, os aliados impuseram à Alemanha reparação de guerra equivalente a 200% do PIB alemão. Os US$ 500 bilhões representam 264% do PIB ucraniano. A Alemanha foi a agressora na 1.ª Guerra. A Ucrânia é vítima da agressão russa.

Picanha vai bem, mas falta cardápio duradouro - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Num país emergente, é preciso combinar os objetivos sociais com políticas de crescimento e projetos bem desenhados

O povo vai voltar a comer picanha, prometeu o presidente Lula, sem esclarecer, no entanto, como pretende conter a inflação, mas admitindo ser muito difícil frear os preços “do dia para a noite”. Além disso, comprometeu-se a cuidar das contas públicas sem “fazer o povo pobre se sacrificar”. Picanha para todos é uma bandeira conhecida, mas a atenção às contas do governo tem um ar de novidade. Muito mais frequente, no discurso e nas ações presidenciais, tem sido a identificação entre governar e gastar. Além disso, governar para todos, em vez de cuidar dos 35% mais endinheirados, pode resultar em déficit, observou o presidente em recente fala sobre o programa Pé-de-Meia.

Acorda, Lula! - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Transformar o julgamento do golpe em ‘governo x oposição’ é ótimo para Bolsonaro, péssimo para o País

A maior burrice que o presidente Lula pode cometer, se é que já não começou a cometer, é cair na armadilha do antecessor Jair Bolsonaro, que se move para tirar o julgamento do golpe da seara jurídica e puxar para a arena política. Transformar o julgamento numa disputa “governo versus oposição” é tudo o que Bolsonaro, sua defesa, os acusados e a tropa bolsonarista da internet querem. Até porque Lula não está com essa bola toda.

Pegaram você, Jair - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Ex-presidente só se livrará da cadeia se centrão pegar carona em anistia

Para que Deltan Dallagnol conseguisse tantas provas contra Lula quanto as que a Polícia Federal descobriu contra Bolsonaro, teria que ter encontrado uma gravação em que o atual presidente da República discursasse ao PT em 2004 dizendo: "Companheiros, vamos roubar a grana da Petrobras!"; teria que ter achado um cofre secreto no sítio de Atibaia com uma placa dizendo "grana que ganhei como suborno"; e teria que ter ouvido de Fidel Castro que Lula lhe propôs roubar "mucha plata" para poder distribuir "biberones de carajo" nas creches brasileiras.

Nada disso existe. O que existe é o seguinte:

Os comandantes do Exército e da Aeronáutica disseram à polícia que Jair Bolsonaro lhes propôs um golpe. A minuta de declaração de golpe apresentada aos militares foi encontrada na casa do ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres. Torres deixou o ministério no final do ano e tornou-se secretário de segurança de Brasília, sendo, portanto, responsável pela completa inação da polícia no dia 8 de janeiro.

Novo consignado, acerto de Lula 3 - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Medida pode reduzir custo de crédito pessoal em mais de 60%, para dezenas de milhões

novo consignado é uma boa providência do governo Lula. Não se conhece ainda o texto legal que vai explicar a operação da coisa, mas as linhas gerais são bem pensadas, úteis, e o alcance deve ser grande.

A medida tem sido tratada mais como tentativa de Luiz Inácio Lula da Silva de fazer pontos nas pesquisas de opinião (é também isso) e populismo (não é isso). É considerada também como empecilho para a queda da inflação e meio de evitar esfriamento maior da economia —pode até vir a ser isso, mas não é simples assim.

Empréstimo consignado é aquele pago com desconto direto em salários ou em benefícios do INSS, grosso modo (há modalidades menores). Empregados do setor privado têm acesso a esse tipo de crédito se houver acerto entre empresas em que trabalham e bancos. A novidade é que os celetistas poderão firmar eles mesmos contratos com bancos em uma plataforma digital (um site de negociações). Há cerca de 40,7 milhões de celetistas no setor privado, incluindo 1,45 milhão de empregados domésticos.

Na frigideira do Palácio – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Reforma ministerial começa ao gosto das cozinhas palacianas: na base da fritura

Com aviso prévio, mas sem direito a inauguração oficial, a reforma do ministério já começou. E daquele jeito bem ao gosto das cozinhas palacianas: na base da fritura.

De acordo com a conhecida receita, primeiro o nome do candidato à demissão é posto em marinada; depois cozido em fogo lento por tempo suficiente à circulação dos boatos sobre virtuais substitutos até que, torrado e digerido internamente, o prato é servido ao público no anúncio do felizardo.

Felizarda, no caso da presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann, cotada para o lugar de Márcio Macêdo (PT) na Secretaria-Geral da Presidência.

O sentimento que não prescreve - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Hoje, o que se expressa na memória coletiva funda-se nas evidências tenebrosas de relatos de vítimas

Há sinais de reação popular à tentativa de supostos novos donos do poder de pautar anistia aos golpistas do 8 de Janeiro. Anistia, do latim "amnestia", mesma etimologia de amnésia, implica perdão e esquecimento. A capricho dos algoritmos, o digitalismo esquece, mas a vida histórica pode não ser tão leviana. Indicação é como o ex-presidente foi recebido no estádio Mané Garrincha em Brasília. Bateu em retirada às pressas sob os gritos da multidão de "uh, vai ser preso!".

"Ainda estamos aqui", uma apropriação do filme aclamado, virou lema de recordação proativa dos traumas cívicos infligidos à sociedade. Não apenas lembrar, também manifestar um espírito ainda vivo e resistente, como um invisível do sentimento de existência, que é o modo geral de apreensão da experiência de vida.

A forma das coisas invisíveis - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro de neurologista britânico descreve a imaginação como superpoder humano, que nos diferencia de outros hominídeos

Não é preciso mais do que fotos de satélite para perceber que humanos, como espécie, chegamos mais longe do que nossos primos chimpanzés. Para ficar nuns poucos exemplos, nós construímos cidades, criamos grandes plantações, cavamos canais marítimos entre continentes e eles não.

Qual é o superpoder humano que nos deu vantagem? Já apareceram vários candidatos ao posto, como a linguagem, o polegar opositor, a capacidade de correr longas distâncias. Em "The Shape of Things Unseen" (a forma das coisas invisíveis), o neurologista britânico Adam Zeman sugere que nosso superpoder é a imaginação.

Lançamento: O Moderno Príncipe de Gramsci

MODERNO PRÍNCIPE DE GRAMSCI, O - COSMOPOLITISMO E ESTADO NACIONAL NOS CADERNOS DO CÁRCERE

Autor: Francesca Izzo

Sinopse

O livro de Francesca Izzo é um estudo rigoroso do pensamento de Antonio Gramsci. Uma das novidades que aqui emergem atesta que a contradição entre “cosmopolitismo da economia e nacionalismo da política” se constitui como eixo orientador em torno do qual Gramsci irá refletir sobre a necessidade de novas formas políticas capazes de dar conta da dimensão supranacional que delineava os traços de uma nova época na qual o declínio do poder estatal – fundado no território – era evidente. Voltado inteiramente para essa questão, este estudo chama atenção para as razões que fizeram com que, nos Cadernos do cárcere, Gramsci substituísse o termo “internacionalismo” por “cosmopolitismo de novo tipo”. O livro examina essa e outras mudanças conceituais e semânticas no texto gramsciano – como filosofia da práxis, revolução passiva, hegemonia, Moderno Príncipe –, que estimularam sua revisão do marxismo, além de sugerir que o pensamento de Gramsci nos apresenta, mesmo que embrionariamente, um perfil inédito do sujeito histórico dessa nova época. (Alberto Aggio)

Francesca Izzo é filósofa, foi professora de história das doutrinas políticas na Universidade de Estudos de Nápoles “L’Orientale” e faz parte da direção da Fundação Gramsci de Roma. Entre suas publicações mais importantes estão Democracia e cosmopolitismo in Antonio Gramsci (Carocci, 2009) e Le aventure dela libertà. Dall’antica Grecia al secolo delle donne (Carocci, 2016)

Poesia | Não me peçam razões, de José Saramago

 

Música | Os Amantes - com Demônios da Garoa, Paulo Miklos e Roberta Sá