O Estado de S. Paulo
Após comedimento inicial, as críticas de Lula a Trump servem a propósitos da política doméstica
O governo Lula reagiu inicialmente com comedimento aos primeiros pontos de tensão com Donald Trump. Após as deportações com imigrantes algemados e os anúncios de novas tarifas de importação nos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, as respostas foram calibradas para não doer nos calos do presidente americano, conhecido por se fazer de ofendido para usar a vingança como instrumento de geopolítica.
A cautela foi deixada de lado pela diplomacia
brasileira nos últimos dias. O Itamaraty saiu da toca, com o chanceler Mauro
Vieira afirmando corretamente, em reunião do G20, que a proposta recente de
Trump de expulsar toda a população palestina da Faixa de Gaza é “aterradora”.
Lula, por sua vez, disse que Trump está tentando ser “imperador do mundo” e
rejeitou a intenção do americano de negociar o fim da Guerra na Ucrânia
diretamente com a Rússia, sem a participação do país invadido e das nações
europeias, cuja segurança está em jogo. O plot twist dessa declaração está no
fato de que era Lula quem, no início do seu governo, fazia afirmações que
legitimavam a invasão russa e que culpavam os governos europeus pelo
prolongamento da guerra.
Contradições à parte, as recentes críticas de
Lula a Trump são as mais duras desde novembro do ano passado, quando admitiu
estar torcendo contra a vitória eleitoral do republicano, que representaria “o
nazismo e o fascismo voltando a funcionar com outra cara”. O que aconteceu para
que a efêmera cautela inicial do governo brasileiro em relação a Trump fosse
abandonada?
Primeiro, ganhou corpo a percepção de que as
retaliações comerciais de Trump vão acontecer de qualquer jeito, com ou sem
troca de farpas públicas entre Lula e ele. Apesar de ter superávit comercial
com o Brasil, os Estados Unidos praticam tarifas mais baixas do que as
brasileiras e Trump está determinado em equipará-las. Segundo, se as
retaliações americanas são inevitáveis, que pelo menos Lula tente tirar algum
proveito político disso. E ele está precisando, já que sua popularidade está no
nível mais baixo de todos os seus mandatos. A aprovação em queda não tem
relação com a política externa, mas direcionar os canhões contra Trump, por
quem a maioria dos brasileiros não morre de amores, cumpre o triplo propósito
de desviar a atenção dos problemas internos, agradar a militância petista e
explorar a polarização com o bolsonarismo, cujo líder encrencado acredita que
será salvo pela Casa Branca. Um inimigo externo sempre tem alguma serventia.
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