sábado, 22 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ibama deveria autorizar pesquisa na Margem Equatorial

O Globo

Com rigor ambiental e recursos para transição energética, é viável conciliar descarbonização e prospecção de petróleo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem expressado impaciência com o Ibama pela demora em autorizar a pesquisa de petróleo na região conhecida como Margem Equatorial, faixa oceânica do Amapá ao Rio Grande do Norte. Descreveu como “lenga-lenga” a demora na liberação da licença ambiental. É certo que Lula não deveria tentar interferir na deliberação de agências independentes como o Ibama. Mas a procrastinação de decisões técnicas também não faz bem ao país. O embate tem sido contaminado por dois grandes equívocos. O primeiro é confundir quem apoia a prospecção com negacionistas do aquecimento global. O segundo é achar que as sondas da Petrobras significarão a devastação da Foz do Amazonas.

Por onde anda o debate público? - Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

As redes, frequentadas por milhões, fazem com que as vozes fiquem presas em si mesmas, reverberando em nichos igualizados que travam debate e ‘lacram’ a torto e a direito

Fala-se muito, discute-se pouco. Há lacração demais, ponderação de menos. A polarização é permanente. Atolamos numa situação na qual o livre falar de muitos não gera debates efetivos sobre as questões centrais da época. A demarcação de espaços e a defesa de interesses restritos são mais fortes do que qualquer esforço para que se componham perspectivas coletivas. A política simbólica prevalece: o que importa são as bandeiras, as novas linguagens, o ruído adjetivado.

É como se a sociedade civil – em que os grupos lutam para “dirigir” intelectual e moralmente a sociedade – não existisse, ou não tivesse como cumprir suas funções e ser o “conteúdo ético do Estado” (Gramsci). O resultado é que a vida social flutua sobre o nada, submetida ao movimento dos “fatos”, dos interesses, das postulações identitárias, das cobranças e das reclamações. Não se trata de manobras da extrema direita, mas de uma predisposição geral, que afeta de igual modo as posições libertárias e progressistas.

Um enigma dentro de um mistério - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Como sugeriu o embaixador George Kennan, a mente misteriosa de certos governantes pode abrigar riscos incalculáveis para todo o planeta

Em qualquer parte do mundo, está certíssimo o cidadão que nutre sérias dúvidas sobre a qualidade de seus líderes e se sente inseguro sobre as loucuras que cedo ou tarde eles poderão aprontar.

Os nomes de alguns dos atuais governantes – Donald Trump, Nicolás Maduro, Daniel Ortega, Viktor Orbán, Vladimir Putin – cintilam entre os que mais causam preocupações. Com um elenco como esse, realmente, não há enredo ou cenário que preste. No Brasil, com Lula praticamente fora do baralho e Jair Bolsonaro já denunciado pela Procuradoria-Geral da República por envolvimento na tentativa de golpe, o horizonte clareia um pouco, a não ser, naturalmente, na área econômica.

O inferno de Bolsonaro - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Ex-presidente que sempre defendeu tortura agora busca se socorrer de direitos humanos para tentar saída jurídica

Dante Alighieri imaginou um inferno em que os suplícios impostos aos condenados guardam algum tipo de ligação com o pecado que determinou sua perdição. Os iracundos, por exemplo, são relegados ao quinto círculo, onde golpeiam uns aos outros dando vazão à sua raiva sem fim.

A ideia de que nossos infernos pessoais são desenhados para nos afligir de forma particularmente dolorosa está ganhando inesperada materialidade nos périplos jurídicos de Jair Bolsonaro.

Um golpe sabido de cor e salteado - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Gonet inocentou o Exército, mas o golpe fracassado tinha o DNA da farda

Era pule de dez. A investigação da Polícia Federal sobre o golpe fracassado de 2022 foi ampla e detalhista, mas sobretudo técnica, resultando no relatório de 884 páginas baseado nos depoimentos e no cruzamento de informações colhidas ou recuperadas de celulares e computadores, além de documentos, entre os quais a famosa minuta, e anotações dos acusados.

(O general Heleno fazia garranchos numa agenda. O que os golpistas pretendiam ao deixar, com a certeza da impunidade, um rasto tão acessível e incriminatório? A glória dos heróis? A adoração dos netinhos?)

Plano Safra, emendas e férias do Congresso - Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

A decisão do Congresso Nacional de empurrar com a barriga a votação do Orçamento como barganha política para as negociações das emendas parlamentares não deixa de estar por trás da mais nova crise política envolvendo a suspensão das linhas subsidiadas do Plano Safra.

O Congresso não fez nada relevante, após a volta do recesso de fim de ano, à espera do resultado da reunião de conciliação chamada pelo STF para dar transparência no pagamento das emendas parlamentares. Para os congressistas, as férias continuam.

A audiência no Supremo está marcada para o próximo dia 27 e não deve acabar com o impasse.

Cavalo de Troia contra os direitos indígenas - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Comissão de conciliação mostrou que salvaguardar esses direitos não é seu objetivo

Embora o Supremo tenha declarado inconstitucional a tese do marco temporal, o Congresso Nacional aprovou em 2023 nova legislação reintroduzindo esse obstáculo ilegítimo à demarcação de terras indígenas em nosso ordenamento jurídico.

Sob o pretexto de pacificar e reconciliar as partes envolvidas em conflitos em torno de terras indígenas, foi criada uma comissão de conciliação no âmbito do STF. A condução da comissão surpreendeu mesmo os mais céticos.

Desde o início dos seus trabalhos a comissão deu sinais de que salvaguardar os direitos originários dos povos indígenas não era seu objetivo. Afinal, sendo direitos originários e inalienáveis, não poderiam ser objeto de barganha.

O elo fraco da denúncia da PGR – Pablo Ortellado

O Globo

Há pouquíssimos elementos mostrando a intenção golpista da própria organização dos protestos

O 8 de Janeiro não é apenas o evento da trama golpista cuja interpretação mais divide a opinião pública, com apoiadores do presidente Bolsonaro considerando-o meramente um protesto que saiu do controle, enquanto críticos o veem como tentativa frustrada de golpe de Estado. Os eventos do 8 de Janeiro também são elemento fundamental da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), aparecendo como momento final de uma série de ações progressivas e coordenadas com o objetivo de desestabilizar o Estado Democrático de Direito e depor o governo legitimamente eleito.

Prece para São Sidônio – Eduardo Affonso

O Globo

Dai uma guaribada na minha imagem, recuperai minha popularidade e fazei com que eu continue no páreo em 2026

Recorro a vós, São Sidônio Apolinário — bispo de Arveni, na Gália, e genro de Epárquio Ávito, imperador romano —, não só porque vos tornastes santo apesar de terdes mais fé na política que na religião, mas, principalmente, por Santa Rita de Cássia e São Judas Tadeu, padroeiros das causas impossíveis, estarem com a agenda lotada depois da denúncia da PGR.

Vós, que nestes mais de 1.500 anos desde que fostes canonizado, não tendes nenhum milagre no currículo, não desperdiceis a oportunidade que vos ofereço de tirar esse atraso — e em grande estilo: dai uma guaribada na minha imagem, recuperai minha popularidade e fazei com que eu continue no páreo em 2026.

O poder de destruição de Trump – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Se forem retirados milhões de imigrantes, faltará mão de obra. E isso atrasa e encarece a produção

iPhone é projetado pelos engenheiros da Apple na sede da empresa, na Califórnia. O projeto vai para a China, onde duas companhias se encarregam da montagem dos aparelhos, Foxconn e Pegatron. Elas têm fábricas espalhadas por sete cidades. Uma delas, Zhengzhou, é conhecida como “iPhone city”. A fábrica lá pertence à Foxconn e é a maior produtora mundial desse celular. Em Chengdu, a companhia produz os iPads. A Pegatron tem em Xangai sua maior montadora de iPhones. As duas empresas construíram fábricas noutros países (ÍndiaVietnãTaiwanIndonésiaMéxico, República Tcheca) para diversificar a produção de celulares. Nelas também montam peças e componentes. Só a Foxconn tem uma unidade nos Estados Unidos.

Justiça histórica - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

É o momento de pegar a possibilidade de produzir petróleo no extremo norte como forma de levar progresso àqueles brasileiros que viveram isolados e esquecidos pelos brasileiros do sul nos últimos séculos

Quando o Brasil alcançou sua independência de Portugal, a colônia lusitana na América do Sul era dividida em duas partes. No norte, o Grão Pará e Maranhão era separado da colônia do Brasil e mantinha relacionamento diplomático e comercial direto com Lisboa. Não dependia do Rio de Janeiro para nada. No entanto, o imperador Pedro I fez questão de colocar toda a Amazônia dentro de seu país que estava nascendo em 1822. Mandou o almirante Cochrane resolver o assunto. Ele enviou seus navios, ameaçou bombardear e arrasar Belém. Assim foi feito. A Independência do Brasil, no Pará, ocorreu em agosto de 1823.

A miopia nostálgica da esquerda - Cristovam Buarque

Os partidos e políticos de direita entendem melhor, hoje, o eleitor

A esquerda cresceu eleitoralmente por defender a distribuição dos benefícios da economia e ampliar os direitos sociais, durante a era de abundância propiciada pelo aumento da produtividade, graças aos avanços da tecnologia. Não estava preparada, porém, para o despontar de novos produtos, como os aplicativos de mobilidade, que mudaram as relações de trabalho. Não se preparou para a substituição da abundância pela compulsória necessidade de limites, ecológicos, sobretudo, porque o aumento no consumo provoca danos climáticos. Não sabe o que fazer com o tamanho do Estado, esgotado fiscal, gerencial e moralmente, atalho para corrupção e privilégios. Perdeu-se diante do dilema entre a soberania nacional e a globalização nas cadeias de produção e finanças. Não estava pronta para enfrentar o planeta movido a individualismo. Brotaram ainda limites na urbanização diante da violência e da imigração; e houve a ampliação dos direitos de minorias que se chocam com valores éticos tradicionais. A esquerda, enfim, vem sendo derrotada eleitoralmente, agora, por ter se esgotado como portadora de utopia.

Ainda sobre o semipresidencialismo - Marcus Pestana

Diante das crescentes dificuldades de todos os presidentes da República brasileiros em conquistar maioria parlamentar para implantar seus programas de governo, nas últimas duas décadas, os deputados Luiz Carlos Hauly (PODE/PR) e Lafayette de Andrada (REP/MG) apresentaram a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 02/2025 propondo a adoção no país do chamado sistema semipresidencialista.

Os regimes democráticos tinham seus sistemas de governo classificados como parlamentarista ou presidencialista. O presidencialismo está presente, por exemplo, nos EUA, no México e em toda América Latina. Já o parlamentarismo convive com formas de governo combinadas com monarquias constitucionais (Reino Unido, Espanha, Canadá, Holanda, Bélgica, Suécia, Noruega) ou a República sendo o Chefe de Estado o seu presidente (Portugal, Alemanha, Itália, Grécia). O semipresidencialismo seria uma mescla do presidencialismo com o parlamentarismo, com o presidente da República tendo poderes maiores que os Chefes de Estado com funções decorativas ou restritas à defesa nacional e à diplomacia.

Dá para recuperar? - Aldo Fornazieri

Só a mobilização popular é capaz de virar o jogo da popularidade do governo Lula

Muitos se surpreenderam com o tombo do governo Lula nas pesquisas. No Datafolha, foram 11 pontos em dois meses, de 35% para 24%. Para quem acompanhava os acontecimentos com senso crítico e sem a tradicional adulação, a queda era, no entanto, previsível. O governo entrou no modo crise praticamente ao longo de todo o ano de 2024. Dois elementos principais alimentaram a combustão interna. De um lado, as sucessivas declarações do presidente Lula que minaram sua credibilidade e desgastaram a sua imagem. De outro, o ataque sistemático à equipe econômica feito por outros ministros e dirigentes do PT, com a condescendência do presidente em vários momentos e com a colaboração da primeira-dama.

Nenhum governo pode minar sua equipe econômica, desacreditá-la. Por coordenar os interesses do Estado, da sociedade e dos agentes econômicos, ela deve ser o centro fiador da credibilidade do governo e do presidente. Sem isso, não há administração capaz de sustentar a confiança e de coordenar as expectativas, imprimindo uma direção e um sentido ao País. Esse é o principal fulcro da crise política.

Proezas do nazitrumpismo - Luiz Gonzaga Belluzzo*

A ameaça do totalitarismo está sempre presente, à espreita, nas sociedades modernas

Deus!, ó Deus!,onde estás que não respondes?
Em que mundo, em que estrela tu te escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito, 
Que embalde desde então corre o infinito… 
Onde estás, Senhor Deus?… 
Castro Alves – Vozes D’África

Nestes dias de trombadas do agente laranja – as “trumpadas” – é recomendável não tirar o olho da sucessão de atentados trumpistas às instituições republicanas. Pensei em escrever liberais-republicanas. Recuei porque, no momento atual, o pretendido liberalismo político-econômico se transmuta em nazifascismo.

Veja o caro leitor que Elon Musk e os demais ricaços do trumpismo não exibem originalidade. São descendentes de antecessores da mais elevada estirpe. A sociedade norte-americana apresenta uma trajetória marcada pelo liberal-oportunismo consubstanciado no mando e controle do Estado pelos ricaços.

Nos Estados Unidos das últimas décadas do século XIX e no início do século XX, as peripécias financeiras, especulativas e corruptas dos “barões ladrões” levaram a sucessivos episódios de destruição da riqueza e das condições de vida dos mais frágeis. As falcatruas se desenvolveram à sombra de um Estado cúmplice da concorrência darwinista. O Estado deixou-se contaminar de alto a baixo, da polícia ao Judiciário, pela lógica da grana.

O chefe do bando - André Barrocal*

Na primeira denúncia, a Procuradoria-Geral coloca Bolsonaro no centro da tramoia golpista

Em 30 de dezembro de 2022, antevéspera do fim do mandato, Jair Bolsonaro viajou para a Flórida, nos Estados Unidos. Um major-brigadeiro e colaborador na Presidência da República, Mauricio Pazini Brandão, mandou-lhe uma mensagem de celular no mesmo dia: “Estou na casa de meu filho em ­Clermont, a oeste de Orlando. Se for de seu interesse, gostaria de conversar contigo. Favor sinalizar, quando possível”. Em 2 de janeiro de 2023, com Lula no poder, Pazini, afeito a demonizar as urnas eletrônicas, escreveu de novo ao capitão: “O plano foi complementado com as contribuições de sua equipe. Aguardamos na esperança de que será implementado. Bom dia. A ‘minha tropa’ (hehehehe) continua com ‘sangue nos olhos’..… Bom dia. Feliz Ano-Novo. Conversa hoje com o Amir. Desmobilizamos a tropa ou permanecemos em alerta?”

Poesia | Cada um de nós é por enquanto a vida, de José Saramago

 

Música | Falsa Baiana - Roberto Silva & Roberta Sá