Nenhuma criança, nenhum aluno, nenhum professor ou professora é responsável pela delinquência praticada por determinados governantes em nosso país
No dia Internacional da Educação, 24 de
janeiro, relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) aponta que, no mundo inteiro, crianças e adolescentes foram
prejudicadas com o avanço da pandemia por dois anos e pelo fechamento das
escolas, o que resultará que no mundo inteiro uma geração será afetada, com
recuo no seu desenvolvimento.
No Brasil, a situação é muito mais
complicada, porque já tentávamos de várias formas diminuir os efeitos nocivos
de uma educação que não tem sido abrigo para parte considerável das crianças e,
portanto, não consegue estruturar um bom caminho para a aprendizagem.
Estudo apresentado em documento do Unicef
intitulado Cenário da Exclusão Escolar no Brasil nada mais é do que um alerta
às autoridades e à sociedade sobre a situação da educação neste momento de
pandemia.
Dados mostram que de 2016 a 2019 havia um
crescimento do acesso de crianças e adolescentes de quatro a 17 anos à escola.
Por exemplo, segundo o documento, a exclusão escolar afetava principalmente quem já vivia em situação mais vulnerável. “A maioria fora da escola era composta por pretas(os), pardas(os) e indígenas. Proporcionalmente, a exclusão afetava mais as regiões norte e centro-oeste. E, de cada dez crianças e adolescentes fora da escola, seis viviam em famílias com renda familiar per capita de até ½ salário mínimo. A desigualdade social presente em nossa sociedade se reproduzia ao olhar para a exclusão escola”.
Estudos da Pesquisa Nacional por Amostras
de Domicílio (PNAD) já revelavam em 2019 que cerca de um milhão e cem mil
crianças e adolescentes se encontravam fora das escolas, a maioria nas faixas
etárias de 15 a 17 anos, idade na qual todos deveriam estar cursando o Ensino
Médio, e de quatro e cinco 5 anos, que corresponde à Pré-escola, segundo grupo
etário da Educação Infantil.
A situação de exclusão
escolar se distribui entre as regiões e os estados brasileiros, sendo a maior
concentração nas regiões sudeste e nordeste, onde há maior concentração
populacional.
No entanto, com relação à exclusão, no
nordeste, três estados apresentam percentuais abaixo da média nacional: Piauí
(1,5%), Rio Grande do Norte (1,7%) e Bahia (2,5%), enquanto o Ceará registra o
mesmo percentual da média nacional (2,7%).
Chama atenção o documento para a situação
da população excluída das escolas nas áreas rurais. “Em todo o Brasil, crianças
e adolescentes vivendo nas áreas rurais são as(os) mais afetada(o)s pela
exclusão escolar. No ano de 2019, mais de 10% das crianças de quatro e cinco
anos e de adolescentes de 15 a 17 anos nessas localidades estavam fora da
escola. Uma parcela dessas crianças e adolescentes reside em áreas isoladas ou
de alta vulnerabilidade, como os territórios da Amazônia Legal e do semiárido
que, juntos, abrigam 35,7% das matrículas da Educação Básica em redes públicas
no Brasil1.”
Os danos causados pela
pandemia ao processo de aprendizagem de crianças e adolescentes só contribuirão
para aprofundar o estado de desigualdade pelo qual passa a sociedade
brasileira.
Com as escolas fechadas durante os dois
anos de pandemia (2020 e 2021), a grande maioria dos alunos ficou distante dos
conteúdos curriculares. O uso de tecnologia pelas escolas brasileiras ainda é
muito incipiente e algumas escolas que ofereceram aulas em sistema remoto não
conseguiram atender os objetivos de aprendizagem.
Havia até o ano de 2019 um grande esforço
construído no país, com o desenvolvimento de muitas parcerias entre o setor
público e instituições da sociedade civil como igrejas, ong’s, associações para
universalizar o acesso e melhorar os índices de aprendizagem.
Com a chegada da pandemia, em novembro de
2020, mais de cinco milhões de meninas e meninos de seis a 17 anos não tinham
acesso à educação no Brasil. Desses, mais de 40% eram crianças de seis a dez
anos, faixa etária em que a educação estava praticamente universalizada antes
da pandemia. (Documento Unicef)
Ao apresentar o seu relatório global em
2022, o Unicef destaca que de cada quatro crianças no segundo ano, três não
conseguem atingir os padrões de leitura, ou seja 75% das crianças de sete e
oito anos de idade não conseguem ler e escrever e que, no Brasil, uma em cada
dez crianças de dez a 15 anos teme voltar às escolas quando reabrir o ano
letivo, por conta da Covid-19.
É claro que atualmente
estamos já num patamar diferenciado de proteção para a população
infantojuvenil, com a adoção de vacinas.
O desconhecimento sobre a atuação do vírus
fez com que em alguns países o distanciamento social mantivesse as escolas
fechadas por pequenos períodos intercalados com aulas online, já que o acesso à
tecnologia era possível por parte das famílias e por parte dos professores.
No Brasil as escolas foram fechadas, as
aulas paralisadas, os alunos penalizados. A aprendizagem que já apontava baixos
indicadores em avaliações realizadas pelo Ministério da Educação, através do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e pelo Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)
Com o fechamento das escolas, além da perda
do aprendizado os alunos também foram afetados com danos à saúde mental e
outros danos, como abusos, violência e privação da alimentação escolar.
Por onde começar?
Reduzir os impactos da ausência de
aprendizagem para crianças e adolescentes do Ensino Básico é tão importante
quanto reaquecer a economia.
Os responsáveis pelo Ensino Básico, de acordo
com a nossa Constituição, são os estados e os municípios em regime de
colaboração com o governo federal, regulamentada fundamentalmente pelo Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb).
É preciso que as ações tenham a dimensão de
cada responsável em sua função, pela proteção das crianças e adolescentes e
pela reestruturação do país nos aspectos econômico, social, ético e político.
Nenhuma criança, nenhum
aluno, nenhum professor ou professora é responsável pela delinquência praticada
por determinados governantes em nosso país.
Não há receita para recuperar o aprendizado
dos alunos nas escolas, sobretudo as públicas, mas há diretrizes definidas no
Plano Nacional de Educação e outros tantos documentos com ações planejadas, mas
que não saem do papel.
Mas se quisermos iniciar o trabalho, em
primeiro lugar vacinar todas as crianças em idade escolar. Daí para a frente é
recomeçar o ano letivo fazendo a busca ativa de todas que estão fora da escola
e tenham dificuldade para voltar, garantir o acesso à internet em todas as
escolas, mobilizar as escolas com a participação das famílias, valorizar o
professor com a formação continuada, acesso a tecnologia e melhoria dos
salários.
Por fim, é preciso iniciar um processo
junto à sociedade para fortalecer o sistema de garantia de direitos, reativando
imediatamente os programas de proteção à criança.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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