segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Mirtes Cordeiro*: Exclusão escolar cresce na pandemia

Nenhuma criança, nenhum aluno, nenhum professor ou professora é responsável pela delinquência praticada por determinados governantes em nosso país

No dia Internacional da Educação, 24 de janeiro, relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que, no mundo inteiro, crianças e adolescentes foram prejudicadas com o avanço da pandemia por dois anos e pelo fechamento das escolas, o que resultará que no mundo inteiro uma geração será afetada, com recuo no seu desenvolvimento.

No Brasil, a situação é muito mais complicada, porque já tentávamos de várias formas diminuir os efeitos nocivos de uma educação que não tem sido abrigo para parte considerável das crianças e, portanto, não consegue estruturar um bom caminho para a aprendizagem.

Estudo apresentado em documento do Unicef intitulado Cenário da Exclusão Escolar no Brasil nada mais é do que um alerta às autoridades e à sociedade sobre a situação da educação neste momento de pandemia.

Dados mostram que de 2016 a 2019 havia um crescimento do acesso de crianças e adolescentes de quatro a 17 anos à escola.

Por exemplo, segundo o documento, a exclusão escolar afetava principalmente quem já vivia em situação mais vulnerável. “A maioria fora da escola era composta por pretas(os), pardas(os) e indígenas. Proporcionalmente, a exclusão afetava mais as regiões norte e centro-oeste. E, de cada dez crianças e adolescentes fora da escola, seis viviam em famílias com renda familiar per capita de até ½ salário mínimo. A desigualdade social presente em nossa sociedade se reproduzia ao olhar para a exclusão escola”.

Estudos da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD) já revelavam em 2019 que cerca de um milhão e cem mil crianças e adolescentes se encontravam fora das escolas, a maioria nas faixas etárias de 15 a 17 anos, idade na qual todos deveriam estar cursando o Ensino Médio, e de quatro e cinco 5 anos, que corresponde à Pré-escola, segundo grupo etário da Educação Infantil.

A situação de exclusão escolar se distribui entre as regiões e os estados brasileiros, sendo a maior concentração nas regiões sudeste e nordeste, onde há maior concentração populacional.

No entanto, com relação à exclusão, no nordeste, três estados apresentam percentuais abaixo da média nacional: Piauí (1,5%), Rio Grande do Norte (1,7%) e Bahia (2,5%), enquanto o Ceará registra o mesmo percentual da média nacional (2,7%).

Chama atenção o documento para a situação da população excluída das escolas nas áreas rurais. “Em todo o Brasil, crianças e adolescentes vivendo nas áreas rurais são as(os) mais afetada(o)s pela exclusão escolar. No ano de 2019, mais de 10% das crianças de quatro e cinco anos e de adolescentes de 15 a 17 anos nessas localidades estavam fora da escola. Uma parcela dessas crianças e adolescentes reside em áreas isoladas ou de alta vulnerabilidade, como os territórios da Amazônia Legal e do semiárido que, juntos, abrigam 35,7% das matrículas da Educação Básica em redes públicas no Brasil1.”

Os danos causados pela pandemia ao processo de aprendizagem de crianças e adolescentes só contribuirão para aprofundar o estado de desigualdade pelo qual passa a sociedade brasileira.

Com as escolas fechadas durante os dois anos de pandemia (2020 e 2021), a grande maioria dos alunos ficou distante dos conteúdos curriculares. O uso de tecnologia pelas escolas brasileiras ainda é muito incipiente e algumas escolas que ofereceram aulas em sistema remoto não conseguiram atender os objetivos de aprendizagem.

Havia até o ano de 2019 um grande esforço construído no país, com o desenvolvimento de muitas parcerias entre o setor público e instituições da sociedade civil como igrejas, ong’s, associações para universalizar o acesso e melhorar os índices de aprendizagem.

Com a chegada da pandemia, em novembro de 2020, mais de cinco milhões de meninas e meninos de seis a 17 anos não tinham acesso à educação no Brasil. Desses, mais de 40% eram crianças de seis a dez anos, faixa etária em que a educação estava praticamente universalizada antes da pandemia. (Documento Unicef)

Ao apresentar o seu relatório global em 2022, o Unicef destaca que de cada quatro crianças no segundo ano, três não conseguem atingir os padrões de leitura, ou seja 75% das crianças de sete e oito anos de idade não conseguem ler e escrever e que, no Brasil, uma em cada dez crianças de dez a 15 anos teme voltar às escolas quando reabrir o ano letivo, por conta da Covid-19.

É claro que atualmente estamos já num patamar diferenciado de proteção para a população infantojuvenil, com a adoção de vacinas.

O desconhecimento sobre a atuação do vírus fez com que em alguns países o distanciamento social mantivesse as escolas fechadas por pequenos períodos intercalados com aulas online, já que o acesso à tecnologia era possível por parte das famílias e por parte dos professores.

No Brasil as escolas foram fechadas, as aulas paralisadas, os alunos penalizados. A aprendizagem que já apontava baixos indicadores em avaliações realizadas pelo Ministério da Educação, através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)

Com o fechamento das escolas, além da perda do aprendizado os alunos também foram afetados com danos à saúde mental e outros danos, como abusos, violência e privação da alimentação escolar.

Por onde começar?

Reduzir os impactos da ausência de aprendizagem para crianças e adolescentes do Ensino Básico é tão importante quanto reaquecer a economia.

Os responsáveis pelo Ensino Básico, de acordo com a nossa Constituição, são os estados e os municípios em regime de colaboração com o governo federal, regulamentada fundamentalmente pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

É preciso que as ações tenham a dimensão de cada responsável em sua função, pela proteção das crianças e adolescentes e pela reestruturação do país nos aspectos econômico, social, ético e político.

Nenhuma criança, nenhum aluno, nenhum professor ou professora é responsável pela delinquência praticada por determinados governantes em nosso país.

Não há receita para recuperar o aprendizado dos alunos nas escolas, sobretudo as públicas, mas há diretrizes definidas no Plano Nacional de Educação e outros tantos documentos com ações planejadas, mas que não saem do papel.

Mas se quisermos iniciar o trabalho, em primeiro lugar vacinar todas as crianças em idade escolar. Daí para a frente é recomeçar o ano letivo fazendo a busca ativa de todas que estão fora da escola e tenham dificuldade para voltar, garantir o acesso à internet em todas as escolas, mobilizar as escolas com a participação das famílias, valorizar o professor com a formação continuada, acesso a tecnologia e melhoria dos salários.

Por fim, é preciso iniciar um processo junto à sociedade para fortalecer o sistema de garantia de direitos, reativando imediatamente os programas de proteção à criança.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. 

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