segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Alex Ribeiro: O Brasil sobrevive à alta de juros pelo Fed?

Valor Econômico

Selic de dois dígitos protege, mas não deixa país imune

O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, não excluiu nenhuma possibilidade no combate à inflação muito alta que assola os Estados Unidos. Pode subir os juros em 0,25 ponto percentual nas sete reuniões do seu comitê de política monetária previstas para este ano e até lançar mão de movimentos mais fortes, de 0,5 ponto percentual. O Brasil vai sobreviver ao solavanco?

Os primeiros dias após a reunião do Fed, que ocorreu na quarta-feira passada, foram relativamente positivos. A bolsa subiu na semana, embora tenha oscilado um bocado. E a cotação do dólar caiu, fechando a R$ 5,39. Em parte, isso se deve à realocação de investimentos, que deixaram ações nos Estados Unidos, sobretudo de tecnologia, e foram para os emergentes, inclusive Brasil.

Mas esse movimento provavelmente não teria ocorrido se, por aqui, os juros não tivessem subido antes. Com todas as queixas de que o Banco Central brasileiro está atrás da curva e de que apertou de forma pouco convincente, sinalizando por um bom tempo um ciclo apenas parcial, o fato é que a meta da taxa Selic deve chegar nesta semana a dois dígitos, subindo dos atuais 9,25% ao ano para 10,75% ao ano. É possível que aumente mais nos próximos meses, para algo em torno de 12% ao ano.

Os juros não resolvem todos os problemas do Brasil, já que a inflação ainda segue muito alta, falta confiança na política fiscal e há muita incerteza política. Mas, sem a Selic nos níveis atuais, os investidores provavelmente estariam mais reticentes em trazer recursos ao Brasil. Há um grupo de países emergentes que está claramente atrás da curva, como Indonésia, Índia e África do Sul, que tendem a sofrer mais com o Fed.

O juro alto é uma espécie de vacina que amortece o impacto da alta de juros pelo Fed, mas não garante imunidade absoluta. Os economistas estão fazendo as suas apostas sobre qual vai ser o efeito líquido no Brasil. Tem uma corrente que acha que a alta de juros pelos Estados Unidos pode ter desdobramentos positivos, pois lida com um foco central de pressão inflacionária global.

O próprio Banco Central vem chamando a atenção para isso. Os gigantescos estímulos monetários e fiscais injetados nos Estados Unidos aumentaram fortemente a demanda por bens industriais e, por tabela, por insumos usados para produzi-los, incluindo energia. Se os Estados Unidos forem bem-sucedidos em conter essa pressão, o Brasil terá uma força que puxa a inflação para baixo.

Mas tudo vai depender, é claro, de quanto a própria alta de juros pelo Fed vai atingir o Brasil. Mesmo com os juros internos mais altos, é de se esperar que haja alguma pressão na taxa de câmbio. Esse seria um vetor que puxa a inflação para cima.

Qual das duas forças tende a prevalecer, ao final? Vai depender do quão ordenado for o processo de alta de juros nos Estados Unidos. E da capacidade do Fed de conseguir controlar a inflação.

Um documento publicado há alguns dias pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que a precificação do mercado para as altas de juros estava aquém do que havia sido indicado em dezembro pelos membros do Fed. Com uma geração mal acostumada com a política acomodatícia, os mercados acreditam que o BC americano vai largar a toalha no primeiro sinal de fraqueza da atividade econômica ou dos preços do ativos. Quando o mercado acordar para o fato de que Powell fala sério, poderá haver alguns solavancos.

Há muita incerteza sobre o tamanho do aperto. O chairman do Fed não deu um roteiro claro para a alta de juros. “Não é possível prever com muita confiança exatamente qual trajetória de juros será mais apropriada”, disse, em entrevista coletiva. O Bank of America passou a prever altas de juros em todas sete reuniões que restam neste ano, o que elevaria a taxa, hoje próxima a zero, para o intervalo entre 1,75% e 2% ao ano. Experientes economistas dizem que, num ritmo de 0,25 ponto percentual por reunião, o Brasil aguenta bem, se não houver nada muito negativo nas eleições. Mas será que esse ritmo de aperto e orçamento seriam suficientes?

Os analistas econômicos estão fazendo as contas do que seria necessário, em termos de juro, para baixar a inflação americana, que chegou a 7%. A Nomura, por exemplo, fala que pode ter alta de 0,5 ponto percentual. Um juro nominal de 1,75% ao ano ainda está abaixo da taxa neutra, que em dezembro os próprios membros do Fed estimaram em 2,5% ao ano. Qualquer coisa abaixo de 2,5% ao ano, portanto, mantém a política monetária acomodatícia. Além disso, o que vale é a taxa real. As projeções de mercado para inflação neste ano estão por volta de 3%.

Outra dúvida é se os Estados Unidos vão conseguir controlar a inflação tão rápido. Os juros não são a única força que poderá ajudar a trazer os índices de preços para baixo. Powell citou a retirada dos estímulos fiscais e uma melhora no lado da oferta na economia, embora acredite que a retomada das cadeias produtivas possa se prolongar em 2023. Mas há também forças que podem fazer a inflação ficar mais persistente.

O FMI citou, no seu Panorama Econômico Mundial, o risco de uma eventual desancoragem das expectativas de inflação de longo prazo. Esse era um problema que, nos últimos anos, parecia restrito a economias emergentes, como o Brasil. Os Estados Unidos conviveram por anos com expectativas de inflação muito baixas. Agora, com o mercado de trabalho muito apertado, e com desconfianças de que a taxa natural de desemprego subiu pelo menos temporariamente, assiste a pressões por maiores reajustes salariais. Tudo isso complica o trabalho desinflacionário.

Para o Banco Central brasileiro, não há muito o que fazer, a não ser desejar boa sorte para o Fed e cuidar da nossa própria inflação. Desde que o Brasil abandonou o regime de câmbio fixo, a taxa de juros passou a ser manejada com vistas ao equilíbrio interno da economia. O trabalho bem feito dá frutos. Entre 2005 e 2007, o Brasil baixou os juros, mesmo em meio de um ciclo de aperto nos Estados Unidos.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Tentando entender um pouco de economia,macroeconomia,microeconomia e afins.