Folha de S. Paulo
Escritor morreu depois de anos ensinando a
direita brasileira a desconfiar da democracia
Em um dado momento da vida, Olavo
de Carvalho resolveu ir morar no lado burro da cultura ocidental.
Tornou-se politicamente influente quando o Brasil se tornou seu vizinho.
Se Olavo de
Carvalho tivesse morrido, digamos, em 2001, talvez tivesse entrado
para a história como um agitador cultural de certo interesse. Já tinha defeitos
seríssimos, mas formou alguns alunos bons, que depois abandonaram seu grupo.
Divulgava autores conservadores que podem ter sido importantes para os jovens
conservadores dos anos 90. Escrevia bem.
No começo dos anos 2000, Lula foi eleito presidente e Olavo foi morar nos Estados Unidos, em circunstâncias estranhíssimas. A partir daí, sua inserção no debate brasileiro muda. Conforme o PT se fortalece, aumenta a demanda por ideias que descrevessem o PT como um participante ilegítimo da democracia brasileira (um braço do Foro de São Paulo, por exemplo). E Olavo adquire o repertório do conspiracionismo reacionário americano, que exacerba seus piores defeitos.
Como
divulgador dos influencers da extrema direita americana, conquistou uma
audiência razoável na internet brasileira. Se tivesse ficado só nisso,
já teria causado algum dano ao nosso debate público. Mas, sejamos honestos, os
alunos do "Curso Online de Filosofia" já eram burros antes da
matrícula.
Olavo só veio para a primeira divisão em
2018, quando o Brasil caiu para a última. O bolsonarismo adotou o olavismo como
ideologia oficial do movimento. Era importante ter uma ideologia oficial, fosse
qual fosse. Bolsonaro queria ter um movimento seu, pessoal, que o ajudasse a
não ser controlado pelos militares que o cercavam. O sectarismo de Olavo foi
instrumental para isolar os bolsonaristas em uma bolha relativamente isolada da
discussão (e das denúncias) da grande mídia.
No meio bolsonarista, Olavo floresceu:
nunca houve a menor possibilidade de alguém no bolsonarismo saber que ele
estava errado sobre Kant, Marx ou Rorty. O atual ministro da Cultura estava na
novela "Mutantes", da TV Record. Se Olavo lhe dissesse que Heidegger
era uma das Paquitas, o ministro acreditaria.
E foi assim que um sujeito em franca
decadência intelectual, que achava Isaac Newton burro e não sabia se a terra
era plana ou esférica, indicou, não um, mas dois ministros da Educação
brasileiros, além do pior chanceler do mundo. As ideias dos extremistas
americanos que Olavo trouxe para o Brasil tiveram evidente influência na
atitude negacionista do bolsonarismo diante da pandemia. Olavo defendia um
golpe militar abertamente desde o impeachment de Dilma.
E
agora morreu Olavo, depois de anos ensinando a direita brasileira a desconfiar
da democracia e da ciência. O que devemos nos perguntar é: como o
Brasil decaiu a ponto de Olavo ter se tornado mais influente à medida que se
deixava degenerar intelectual e moralmente? Por que não houve uma resposta de
direita racional à crise do petismo? A direita brasileira é poderosa demais
para ter que se preocupar com bons argumentos? Havia defeitos nas ideias de
esquerda que facilitaram a proliferação de respostas tão ruins? Em que momento
nos tornamos incapazes de falar sobre nossos problemas e começamos a delirar?
E, sobretudo: como se sai desse
sonambulismo?
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