terça-feira, 4 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Oscar inédito de Walter Salles traz estímulo à arte

O Globo

Reconhecimento à excelência técnica, prêmio para ‘Ainda estou aqui’ é um marco no atual momento histórico

Oscar inédito do diretor Walter Salles, na categoria Melhor Filme Internacional, representa mais que reconhecimento à competência técnica de “Ainda estou aqui”, relato da busca da viúva Eunice Paiva por seu marido, Rubens Paiva, assassinado nos porões da ditadura militar em 1971. Trata-se de estímulo a um dos maiores mercados de audiovisual do mundo e de marco no atual momento histórico. Não foi por acaso que Salles agradeceu em nome do cinema brasileiro e dedicou a estatueta às atrizes que vivem Eunice — Fernanda Torres e Fernanda Montenegro —, além de à própria Eunice.

O número de indicações ao Oscar é prova da excelência do trabalho, produção de VideoFilmes, RT Features e Mact Productions, em coprodução com Globoplay, ARTE France e Conspiração. Além de concorrer com outros filmes estrangeiros, “Ainda estou aqui” foi finalista na categoria principal — Melhor Filme —, e Fernanda Torres disputou o Oscar de Melhor Atriz. Antes de ser aclamada em Hollywood, a história da família Paiva já era sucesso nas telas dentro e fora do Brasil. Aqui, o filme foi visto por mais de 5 milhões. No Reino Unido e na Irlanda, fez a melhor estreia de um filme latino-americano, arrecadando R$ 3,5 milhões no primeiro fim de semana. Na França, foi lançado no mês passado em 475 salas. Em Portugal, conquistou a maior audiência entre 16 de janeiro e 9 de fevereiro. Nos Estados Unidos, está em cartaz em 762 cinemas. Com a premiação, é certo que aumentará o impacto do cinema brasileiro no mercado doméstico e também no exterior.

A vitória da vida - Merval Pereira

O Globo

O primeiro Oscar, que nunca se esquece, é a demonstração internacional da maturidade de nossa indústria cinematográfica

A primeira vitória do Brasil no Oscar, com “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, como Melhor Filme Internacional, tem significado político importante para um país que ainda lida com uma recente tentativa de golpe antidemocrático, por um grupo de militares e civis que sonhavam abertamente com a volta da ditadura militar.

Retratada no filme com sobriedade e emoção, a figura de uma mulher lutadora, Eunice Paiva, que teve de sobreviver à morte do marido, o ex-deputado Rubens Paiva, e lutou durante anos para ter, pelo menos, a admissão oficial do governo de que ele fora assassinado num quartel do Exército, é o centro de uma aventura que toca a todos, torna-se universal.

Por isso, aliás, a piada do apresentador Conan O’Brien sobre sua mulher desejar que ele sumisse como o personagem do filme só demonstra a alienação de um comediante que, no mínimo, não se preparou para executar bem seu trabalho. A sensibilidade que lhe faltou sobrou aos milhões de espectadores pelas salas de cinema do mundo, de um filme falado em português que impactou cidadãos sensíveis a situações de risco impostas por governos autoritários, sejam de que natureza forem.

O iliberal – Pedro Doria

O Globo

A gente vem tratando as ideologias políticas como caricaturas faz tanto tempo que muita compreensão se perdeu. Este segundo governo de Donald Trump é bastante diferente do primeiro. Se o Trump de 2017 era essencialmente confuso e caótico, para este de 2025 podemos lançar mão de muitas palavras, mas uma é mais importante do que todas as outras. É um governo iliberal. Esse “i”, que denota o oposto do liberalismo, representa uma ruptura brusca a respeito do que os Estados Unidos foram, pelo menos nos últimos cem anos. Em essência, estamos entrando em terreno desconhecido e potencialmente perigoso.

Esqueçam, pois, a caricatura que a esquerda latino-americana faz dos Estados Unidos e do liberalismo. Uma crença fundamental move a ideia americana: que um mundo com mais democracias liberais operando com economias de mercado é ideal para os Estados Unidos. As razões são algumas. Democracias são mais estáveis que ditaduras, e democracias, quando têm problemas entre si, resolvem à mesa, talvez com mecanismos multilaterais. Além disso, democracias com economias de mercado são particularmente abertas ao comércio. Essa dinâmica enriquece a todos.

Meio século numa noite - Míriam Leitão

O Globo

Não esquecer foi a grande virtude do Brasil. Tornar a história conhecida do mundo foi o maior prêmio que o filme deu a nós e à democracia brasileira

Entre a noite em que Walter Salles recebeu o Oscar, em Los Angeles, e o dia, no Rio de Janeiro, em que Rubens Paiva foi sequestrado pela ditadura militar do seio da sua família, passaram-se 54 anos, um mês e dez dias. Nesse tempo, Eunice e seus cinco filhos enfrentaram tudo à espera do corpo que não veio. Hoje o país está imerso nessa história como se ela tivesse acontecido ontem. Não esquecer foi a grande virtude do Brasil. Tornar a história conhecida do mundo foi o maior prêmio que o filme deu a nós e à democracia brasileira. A estatueta de “Ainda estou aqui” chega no momento exato em que precisamos dela.

Assisti à cerimônia do Oscar com minhas netas mais novas, Manuela, 13, e Isabel, 11. Quando Rubens Paiva morreu, o pai delas, Vladimir, não havia nascido. Elas viram o filme, falam com intimidade sobre Eunice, Rubens e seus filhos, como se os conhecessem. O fio que trouxe a história até nós foi tecido, primeiramente, pelas mãos de Eunice. Depois, pela literatura de Marcelo Rubens Paiva. Por fim, pelo cinema brasileiro. Mais de cinco milhões de pessoas viram o filme, incontáveis famílias conversaram sobre esse tema nos seus encontros. Isso não é pouco num país em que o desmonte da memória é uma estratégia para escapar dos temas incômodos.

Produtores tranquilizam Lula sobre inflação

Eliane Oliveira / O Globo

Em reuniões realizadas na semana passada com representantes do setor privado, para discutir formas de reduzir os valores cobrados pelos alimentos e, com isso, evitar novas altas na inflação, o governo ouviu um cenário mais otimista: com a colheita da safra de grãos, a tendência é de queda nos preços.

No caso da carne bovina, a cotação do produto, que havia ficado 15% mais barato em fevereiro, ante dezembro, pode ter uma nova queda de 10%. Foi o que informaram representantes dos produtores que estiveram reunidos com os ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, Carlos Fávaro e Paulo Teixeira, na quinta-feira passada.

Ainda estamos aqui - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Se o golpe de Bolsonaro tivesse dado certo, o Brasil teria ganhado o seu primeiro Oscar?

Ainda Estou Aqui foi o filme certo, na hora certa. O primeiro Oscar não poderia ter vindo num momento melhor para o Brasil, os brasileiros, a nossa história e até para o governo Lula, que tem um refresco e pode comemorar, enfim, um prêmio e a felicidade popular. E tudo isso no meio do carnaval, uma das festas mais eletrizantes e inclusivas do mundo.

Só faltaram a legítima estatueta para Fernanda Torres, que brilhou ao viver não uma, mas as várias Eunices Paivas durante Ainda Estou Aqui, e uma homenagem a Cacá Diegues. No mais, pareceu tudo perfeito, a começar de Walter Salles, um diretor perfeito, que fez um filme sobre ditadura sem chocar com choques elétricos, cadeiras do dragão, afogamentos e técnicas de tortura tornadas rotineiras nos anos de chumbo.

Mas que calor, ô ô ô ô ô ô - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Quanto maiores as dificuldades, mais a brincadeira se reinventa

Carnaval é uma festa móvel e onívora que se renova a cada fevereiro ou março, apesar daqueles que não gostam dele (e têm o direito de não gostar), das pessoas que o atacam preconceituosamente e de quem o proíbe, como o prefeito de Porto Alegre.

No processo de modernização permanente é inevitável um olhar ao passado para rever as tradições. O que não significa abraçar os saudosistas, gente para as quais o melhor não volta: as marchinhas do Nássara, os sambas do Império Serrano, os blocos de sujos, o Baile do Havaí no Iate Clube de Botafogo (onde, diz a lenda, a certa hora ouvia-se a ordem: "Todo mundo nu pulando na piscina!").

Emendas seguem regras do novo anormal - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Supremo freia o avanço, mas Congresso ainda mantém poder excessivo sobre o Orçamento

Uma operação casada entre os três Poderes foi o que possibilitou uma trégua no embate das emendas parlamentares, suspensas desde agosto do ano passado. Estão, por ora, liberadas por força de um acordo entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Havia uma audiência marcada para o último dia 27, desmarcada na véspera, quando se soube da aceitação do plano de trabalho apresentado ao ministro Flávio Dino pela Controladoria Geral da União junto com o Congresso.

Lula à espera do inverno russo - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Presidente não sai do arroz com feijão para enfrentar crise de popularidade; parece apostar em fenômeno natural que o salvará mais uma vez

Começo com uma piada. É 1973. Depois da virada israelense na guerra do Yom Kippur, uma coluna de tanques do Estado judeu toma a direção do Cairo. Preocupados, os egípcios pedem conselho aos russos, conhecidos por sua habilidade em repelir invasões estrangeiras.

A primeira instrução chega de Moscou através de um telegrama: recuar. Os egípcios retrocedem suas forças, mas os tanques não se detêm. Pelo contrário, aceleram. Nova consulta a Moscou, nova resposta: recuar. Quando os israelenses chegam às portas da capital, os egípcios, visivelmente mais nervosos, perguntam de novo aos soviéticos o que devem fazer. Algumas horas depois, vem a resposta: aguardar início do inverno.

Direita, celebre 'Ainda Estou Aqui'! - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

O primeiro Oscar para um filme brasileiro produziu a catarse nacional, mas infelizmente nem todo mundo entrou na festa

primeiro Oscar para um filme brasileiro produziu a catarse nacional. Infelizmente, nem todo mundo entrou na festa. Muita gente da direita brasileira não celebrou. Se falam do filme, é para fazer alguma ironia ou crítica da política atual. Por quê?

O teor de muitas dessas manifestações é o de comparar a ditadura militar à suposta ditadura atual: a do Supremo. É um paralelo fraco, por mais que os inquéritos do Supremo possam e devam ser criticados. Não há semelhança entre as pessoas presas por tentarem um golpe de Estado que derrubaria a democracia —com penas, sim, excessivamente longas— com a prisão, tortura e assassinato de pessoas que lutavam pela democracia.

Os golpistas de hoje têm julgamentos públicos e são defendidos por advogados —além de podermos falar livremente deles na imprensa e nas redes. Os democratas dos anos 1970 eram censurados, torturados e mortos.

Poesia | A Colombina baunilha - Marcelo Mário de Melo

Com olhos de adereço

chuva fina de confete

caracóis de serpentina

respingos de frevo e festa

a Colombina aflorou

arrastando pelos olhos

a gestos de enleio e dança

um Pierrot solitário.


Mas as flechas e o sinete

nas trilhas do encantamento

vieram pelo aroma

que brotou da Colombina:

sumos de suor sorvete

mulher cheirando a baunilha.

 

Ao fim do reino de Momo

no silêncio dos clarins

restou um Pierrot rendido

cheirando fios de lembrança.

Música | Ultimo Regresso com Getulio Cavalcanti e Bloco da saudade