quarta-feira, 5 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Acordo entre PCC e CV requer resposta unificada do Estado

O Globo

Combater aliança entre duas maiores facções criminosas do país exige coordenação do governo federal

Se o poder público precisava de argumento mais forte para articular a integração entre os governos federal, estadual e municipal no combate ao crime, não precisa mais. O acordo entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), depois de quase dez anos de guerra, é razão suficiente para que a Federação se articule para enfrentar a ação coordenada das duas maiores facções criminosas do país.

Segundo mensagens interceptadas pelas forças de segurança, o motivo alegado para que as duas facções passem a atuar em conjunto — prova do acordo entre as quadrilhas — é a tentativa de flexibilizar o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) a que estão submetidos seus chefes nas prisões federais de segurança máxima. Eles ficam em celas individuais monitoradas, têm direito a duas horas por dia de banho de sol, sem acesso a jornais, revistas, televisão, rádio ou telefone celular. Também não podem manter contato físico nas visitas de familiares. Mas evidentemente há um interesse muito maior: coordenar as atividades do crime organizado em todo o país.

Será que agora o ano começa? - Vera Magalhães

O Globo

Carnaval, Oscar, eleição das Mesas, acordo das emendas e reforma ministerial já passaram, e país precisa conhecer a agenda para 2025

Passados a eleição das Mesas do Congresso, o Carnaval, o Oscar, o acordo das emendas e a parte da reforma ministerial que diz respeito à articulação, não tem mais desculpa para 2025 não começar. Afinal, qual a agenda para este ano crucial para a economia e para a definição do futuro político do país? Estamos em março, mas a resposta não parece clara o suficiente e, para as coisas deslancharem, ainda há vários entraves no caminho.

Começando pelas questões mais comezinhas da pequena política, porque a composição das comissões permanentes da Câmara e do Senado ainda não está certa, e isso impede que deputados e senadores se dediquem de forma integral àquilo para que são eleitos e pagos: votar propostas que digam respeito à vida dos cidadãos.

Faz mais de um mês que Hugo Motta (Republicanos-PB) foi eleito para comandar a Câmara, mas os partidos seguem disputando espaço nas comissões, sobretudo na de Constituição e Justiça, que o PL pretendia manter para continuar fazendo guerrilha ideológica à frente do mais importante colegiado da Casa — mas que, já ficou claro, irá ou para o MDB ou para o União.

Rubens Paiva continua aqui – Elio Gaspari

O Globo

Com Walter Salles empunhando o Oscar, ouve-se Guimarães Rosa: “As pessoas não morrem, ficam encantadas (...) O mundo é mágico”

Os oficiais que, em janeiro de 1971, prenderam, espancaram e mataram Rubens Paiva podiam tudo. Tanto podiam que empulharam o país por décadas, impingindo-lhe uma patranha, segundo a qual ele havia sido resgatado por parceiros. Perderam. Nos últimos minutos do domingo, “Ainda estou aqui” levou o Oscar de Melhor Filme Internacional.

Perderam para a memória de Eunice Paiva, sua viúva, para o livro escrito por seu filho, Marcelo, para a arte de Walter Salles, para Fernanda Torres e a equipe do filme. Perderam para a memória dos povos, num momento em que o Brasil se uniu numa torcida semelhante à das vitórias da seleção brasileira de futebol. Podiam tudo — e perderam.

Regimes políticos e economia - Tiago Cavalcanti

Valor Econômico

Pesquisa dois dias após o 8 de janeiro registra que 36,8% das pessoas apoiavam um golpe de Estado no Brasil

A rápida e desafiadora transformação econômica e social da China sob um regime político centralizado tem se dado em paralelo à ascensão de políticos “anti-establishment”, que se colocam acima das instituições, nos EUA e em países da Europa. Com isso, avança o fortalecimento da visão de que o modelo político predominante no Ocidente representa um obstáculo para o desenvolvimento econômico.

Na essência deste argumento, está a conjectura de que a chamada democracia liberal impõe processos decisórios lentos devido à necessidade de maiorias e convergências institucionais, dificultando a implementação de reformas estruturais. Além disso, políticos eleitos podem priorizar medidas populistas de curto prazo em vez de políticas econômicas sustentáveis com retornos apenas no longo prazo. Em contraste, regimes baseados no centralismo do poder têm melhores condições de agir rapidamente, promovendo transformações aceleradas e investimentos em projetos com altos retornos no curto e longo prazo.

De Roosevelt a Trump - Luiz Gonzaga Belluzzo

Valor Econômico

Os eflúvios protecionistas são escoltados pela súcia de super-ricos que se empenham no projeto de apropriação privada das instituições do Estado

No Congresso do Partido Democrata, em 1936, Franklin D. Roosevelt discursou sobre as ameaças da oligarquia financeira para a sociedade: “Era natural e talvez humano que os príncipes privilegiados dessa nova dinastia econômica, sedentos por poder, tentem alcançar o controle do próprio governo. Eles criaram um novo despotismo e o embrulharam nos vestidos de sanções legais. Em seu serviço, novos mercenários procuraram regimentar o povo, seu trabalho e sua propriedade.”

Mais adiante Roosevelt fulminou: “Novos impérios foram construídos a partir do controle das forças materiais. Mediante o novo uso das corporações, dos bancos e da riqueza financeira, da nova maquinaria da indústria e da agricultura, do trabalho e do capital – nada disso sonhado pelos fundadores da pátria –, a estrutura da vida moderna foi totalmente convertida ao serviço da nova realeza. Não havia lugar nos seios da nova nobreza para abrigar os milhares de pequenos negócios e comerciantes que desejavam fazer um uso sadio do sistema americano de livre-iniciativa e busca do lucro.”

Governo Trump volta a reclamar de tarifas altas no Brasil - Assis Moreira

Valor Econômico

‘Agenda de Política Comercial 2025’ de Trump enviada ao Congresso procura justificar seu unilateralismo

Acusa a OMC de ter sido ‘incapaz de reduzir disparidades e desequilibrios’ no comércio. Exemplifica comparando a tarifa consolidada nos EUA de 3,4% e a aplicada de 3,3% na média em 2023, enquanto no Brasil a consolidada era de 31,4% e a aplicada de 11,2%. Na India, a tarifa consolidada na OMC era de 50,6% e a aplicada de 17%. As alíquotas médias consolidadas e aplicadas da Coreia eram de 17,0% e 13,4%, respectivamente. Tarifa consolidada é o máximo que um país pode aplicar, pelos acordos na OMC.

‘Daqui para frente, os Estados Unidos tomarão medidas para criar a alavancagem necessária para reequilibrar nossas relações comerciais e transferir de volta a produção (hoje em outros países), inclusive, entre outros, por meio do uso de tarifas. Isso aumentará os salários e promoverá uma defesa nacional forte’, avisa o novo representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer.

Carro-pipa, o emergencial que virou permanente - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Possivelmente, seria melhor construir mais cisternas no semiárido nordestino e deixar os carros-pipa para atendimentos complementares

Às vésperas do Carnaval, na última quinta-feira, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MDIR) anunciou a liberação de recursos para a Operação Carro-Pipa. A paralisação do programa, por falta de pagamento aos “pipeiros”, ameaçava o abastecimento de famílias e dava combustível à oposição num dos principais redutos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o sertão nordestino.

Com o Orçamento de 2025 ainda em análise no Congresso Nacional, os recursos disponíveis para a pasta foram insuficientes para manter os pagamentos em dia, informou o MIDR em nota.

A expectativa da pasta é que o orçamento seja aprovado agora em março, evitando novos atrasos.

O dilema de Gleisi para desencarnar do PT - Vera Rosa

O Estado de S. Paulo

Centrão e mercado temem que ministra mantenha duelo com Haddad e endureça política do governo

O presidente Lula disse que sente saudade de Flávio Dino. Hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dino não deixava ataques sem resposta quando era titular da Justiça e fazia a disputa política com a oposição. Desde que foi alçado ao STF por decisão do próprio Lula, há um ano, o governo não tem mais quem vista tal figurino.

A escolhida para assumir esse papel, agora, é Gleisi Hoffmann. De saída da presidência do PT, a deputada tomará posse segunda-feira na Secretaria de Relações Institucionais, substituindo Alexandre Padilha, que comandará o Ministério da Saúde.

Democracia ou doutrinação - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

No fundo, o atual proprietário do prestigioso jornal e adeptos do letramento progressista compartilham a mesma convicção

"Vamos escrever diariamente em apoio e defesa de dois pilares: liberdades individuais e mercados livres. Claro, também abordaremos outros temas, mas pontos de vista contrários a esses pilares serão deixados para que outros veículos publiquem."

O "nós" da citação é nada menos do que o prestigioso jornal Washington Post. O autor dessa chocante declaração é seu atual proprietário, Jeff Bezos.

Como chegamos a esse ponto? Se você se acha um democrata convicto, mas está certo de que não deve compartilhar a mesa com posições políticas que considera erradas, perigosas ou inaceitáveis, mesmo que verbalizadas, apoiadas e votadas por um grande número de nossos concidadãos, tenho duas notícias para você. A primeira é que você não está sozinho. Antes, está afinado com uma enorme tendência política mundial. A segunda, lamento, é que há muito pouco de democrata em você.

O que Orwell pensaria da briga de Trump e Zelenski? - Rui Tavares

Folha de S. Paulo

Autor de '1984' imaginou mundo dividido em 3 grandes potências, e é quase assim que o presidente dos EUA gosta

Quem leu "1984", de George Orwell, lembra-se do ambiente de permanente vigilância e opressão, do medo e da lavagem cerebral, da novilíngua e do Grande Irmão. Mas em geral esquece a lição de geopolítica que o romance encerra.

Em "1984" há três blocos. O primeiro, dominado pelos Estados Unidos da América, é a Oceânia, e inclui todas as Américas mas também as Ilhas Britânicas. O segundo bloco é a Eurásia, dominado pela União Soviética e que vai, como o ex-presidente Dmitri Medvedev gosta tanto de dizer ainda hoje, de Lisboa a Vladivostok. O terceiro é a Lestásia, e é dominado pela China, incluindo o Extremo Oriente e parte do Sudeste Asiático.

Donald Trump não leu "1984". Mas o mundo de que ele gosta é quase igual ao do romance. Há três potências que têm supersoberania: ele, Vladimir Putin e Xi Jinping. Os outros que se adaptem. As redes sociais, os algoritmos e a inteligência artificial tratam da hipervigilância. E a democracia dissolve-se num permanente espetáculo narcísico.

Guerra de Trump ainda não começou - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Aumento de imposto de importação sobre produtos de vizinhos pode ser coisa pouca

O começo da guerra comercial de Donald Trump causa sensação "pop". É assunto vívido, que pode ser traduzido em histórias concretas, em dramas de empresas, em aumentos de preços de carros, "avocados" ou "maple syrup" (xarope de bordo canadense, aquele da panqueca). "Homens fortes", ditadores e cafajestes poderosos em geral, dão audiência. Dados os riscos sérios, o que se passa agora parece mera escaramuça de fronteira, porém.

Sabemos muito pouco. Nem mesmo a grande finança por ora acredita que Trump irá muito mais longe nessa "burrice", como diz o Wall Street Journal. Vide a reação ainda moderada nos mercados financeiros, de resto incerta: foi para o vinagre a previsão de que inflação, juros e dólar subiriam por causa das "tarifas". Por ora, o temor é de PIB e juros de longo prazo em queda.

A relativa força dos governadores - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Avaliação positiva dos governantes locais não serve como retrato fiel de eleições nacionais

Governadores muito mais bem avaliados que o outrora rei da popularidade Luiz Inácio da Silva (PT) é, ao que me lembre, algo inédito na nossa cena política. Pois foi o que mostrou a pesquisa Quaest/Genial divulgada na semana passada.

Considerados os índices de aprovação, em São Paulo Lula perde de 29% a 61% para Tarcísio de Freitas (Republicanos); no Rio, de 35% a 42% para Claudio Castro (PL); em Minas, de 35% a 62% para Romeu Zema (Novo); no Paraná, de 30% a 81% para Ratinho Júnior (PSD); no Rio Grande do Sul, perde de 33% a 62% para Eduardo Leite (PSDB); em Goiás, de 28% a 86% para Ronaldo Caiado (União).

PT e o núcleo palaciano de Lula

Ranier Bragon / Folha de S. Paulo

Compõem hoje a Esplanada MDB, PSD, União Brasil, PP, Republicanos, PDT, PSB, PC do B, PSOL e Rede

escolha de Gleisi Hoffmann para ser a nova articuladora política segue um histórico de manutenção do PT no núcleo do governo, comandando postos-chave. Mas a evolução dos feudos partidários nas três gestões de Lula (2003-2006, 2007-2010 e 2023 em diante) mostra que vários deles, até o hoje oposicionista PL, têm ou já tiveram seus espaços.

Em uma escalada ascendente, hoje os ministros de outras legendas e sem vinculação partidária somam mais da metade dos filiados ao PT, em um placar de 26 a 11.

Por ora, a reforma ministerial de Lula tem se concentrado em trocas "caseiras", em peças do próprio PT ou ligadas ao partido.

Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação), do PT, cedeu a vaga ao marqueteiro Sidônio Palmeira em janeiro. Nísia Trindade (Saúde), sem filiação, mas ligada ao partido, foi trocada por Alexandre Padilha (PT), até então o responsável pela articulação política. Na sua vaga, entra agora a presidente do PT.

Em seu primeiro mandato, Lula iniciou o governo só com o PT e partidos de esquerda, além de alguns ministros e figuras importantes sem vinculação partidária, entre eles o banqueiro e ex-tucano Henrique Meirelles no Banco Central (o BC à época não tinha status de ministério).

Só no início do segundo ano, em 2004, foi que Lula fez uma primeira reforma em seu ministério para ingresso de um partido que seguiria até Dilma Rousseff (2011-2016), além de estar aliado atualmente, o PMDB (hoje MDB).

Apesar da relação muitas vezes conturbada, o MDB foi nos dois primeiros governos Lula o aliado preferencial, só havendo um rompimento completo no período do impeachment de Dilma, que foi liderado por duas figuras centrais do partido, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o então vice-presidente, Michel Temer.

Nação, Democracia e uma certa ideia de refúgio – Ivan Alves Filho*

Há uma frase atribuída ao escritor inglês Samuel Johnson, nascido no início do século XVIII, que correu mundo, sendo citada até por Vladimir Lenin, o líder da Revolução Russa de 1917. Ela diz o seguinte: "O nacionalismo é o último refúgio dos calhordas". Ou seja, o ditador manda matar, manda torturar, desdenha as instituições, rouba ou deixa roubar, mas é um nacionalista. Está desculpado. Ama o seu país e ponto final.  

Mas… de que nação estamos mesmo falando? De uma nação sem povo, só com hino e bandeira, muito provavelmente. Aí reside justamente a calhordice. Vários ditadores apelaram para essa fórmula, uma espécie de "mata, mas ama". Benito Mussolini, Juan Perón, Muammar Gaddafi são alguns desses ditadores. Quase todos acabaram mal. A vida deu o troco. 

Chantagens inconfessas pela paz - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

A impressão tirada de toda aquela retórica de Donald Trump na conversa com Zelenski no Salão Oval da Casa Branca, defendendo a Rússia contra a Ucrânia, e que assustou americanos e europeus, tem propósitos inconfessos, entre outros, o de trazer os russos para uma aliança preventiva contra a possibilidade de um conflito com a China. Em segundo lugar, despertar a Europa para essa onerosa tutoria militar dos Estados Unidos, denunciada por Trump, e o vice-presidente Vance - "Não vamos ficar ali por muito tempo", sugerindo que os governos europeus devem   criar o seu próprio escudo de segurança, sem depender dos EUA. A Finlândia, nas portas da Rússia, foi o primeiro a se posicionar.  

Poesia | Espaço curto e finito, de José Saramago

 

Música | Geraldo Azevedo - É de fazer chorar (Luiz Bandeira)