segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Bruno Carazza*: Disseram que eles não vinham, olhem eles aí

Valor Econômico

Com morte da Lava- Jato, velha guarda quer voltar a Brasília

No primeiro episódio do podcast “Minuto Roraima”, você fica sabendo como milhares de pessoas que trabalharam nos ex-territórios de Roraima, Rondônia e Amapá foram transformados em servidores públicos federais. Na sequência, conhece a história da Polícia Militar do Estado, e de como uma lei aprovada pelo Congresso em 2016 equiparou seus soldos com os do Distrito Federal, os maiores do país. No último programa, são apresentadas as políticas sociais e de transferência de renda da prefeitura da capital, Boa Vista.

O apresentador do podcast se diz responsável por todas essas benesses. Sumido dos holofotes desde o final de 2018, ele ressurge com a imagem renovada, tentando explorar as mídias modernas (está também no YouTube e nas principais redes sociais). Até o famoso bigode foi abandonado.

A audiência de Romero Jucá ainda é baixa, mas o movimento é claro. O “resolvedor-geral da República” quer voltar ao Senado, para a cadeira que ocupou de 1995 a 2018 - quando terminou as eleições num humilhante terceiro lugar, atrás de Chico Rodrigues (aquele do dinheiro no feofó) e do ex-deputado estadual Mecias de Jesus.

2018 foi um ano duro para os políticos tradicionais. Uma onda de indignação popular começou a se formar com os protestos de 2013, ganhou impulso com o impeachment de Dilma Rousseff e se transformou num tsunami com a Operação Lava-Jato. A então chamada “velha política” foi dizimada nas urnas.

Os índices de reeleição ou de obtenção de um novo cargo em 2018 foram os mais baixos do passado recente: apenas 58,3% entre os deputados e míseros 28,6% no caso dos senadores - e olha que eram duas vagas em disputa naquele ano.

Jucá, portanto, não caiu do cavalo sozinho. Outros nomes relevantes da política brasileira também ficaram sem mandatos, de todas as correntes ideológicas, envolvidos ou não em processos criminais. Jorge Viana, Lindbergh Farias, Delcídio do Amaral, Vanessa Grazziotin, Cristovam Buarque, João Capiberibe, Edison Lobão, Eunício Oliveira, Garibaldi Alves, Armando Monteiro, Magno Malta, Roberto Requião, Ricardo Ferraço, Valdir Raupp - para ficar só no “alto clero” do Senado de então.

Na Câmara, a lista de quem ficou a ver navios também é longa, com muitas figuras que ocupavam os cadernos de política dos jornais (e alguns deles também as páginas policiais): José Carlos Aleluia, Benito Gama, Mendonça Filho, Carlos Melles, Cristiane Brasil, Alberto Fraga, Heráclito Fortes, Antônio Imbassahy, Janete Capiberibe, Lúcio Vieira Lima, Leonardo Picciani, Luiz Carlos Hauly, Marco Maia, Marcos Pestana, Osmar Serraglio, Paes Landim, Saraiva Felipe, Ronaldo Lessa, Sarney Filho e Zeca do PT, entre outros.

À época, a carreira de muitos desses políticos foi dada como encerrada. Passados quatro anos, aparentemente a maré virou.

Com a morte da Lava-Jato, dezenas de condenações foram extintas. A decisão do STF de transferir processos de corrupção para a Justiça Eleitoral, menos estruturada do que a Federal, atrasou investigações. E a nova Lei de Impunidade, ops!, de Improbidade Administrativa também vai ajudar a limpar a ficha de muita gente.

Afora esse processo de recuperação judicial de biografias políticas, as condições da competição eleitoral deste ano também favorecem o retorno de velhas raposas.

De um lado, o caótico governo Bolsonaro sinalizou ao eleitorado que esse papo de “nova política” pode não ser tão positivo assim.

Além disso, os partidos chegam a 2022 turbinados com R$ 6 bilhões dos fundos partidário e eleitoral. Esse volume inédito de dinheiro público para fazer campanha é controlado pelos diretórios dos partidos - e essa velha guarda, mesmo sem cargos, ainda tem muita influência em seus redutos eleitorais.

Livres dos processos judiciais e com fartura de recursos para gastar, muitos conseguirão voltar a Brasília - e ditarão as condições de governabilidade do próximo presidente da República.

Para o bem ou para o mal, seja quem for ocupar o Palácio do Planalto a partir de 01/01/2023, é bom ir se preparando para negociar com um Congresso com menos novatos e mais “políticos tradicionais”.

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Bolsonaro editou na semana passada o Decreto nº 10.948/2022, abrindo um escritório do Ministério da Economia em Washington. O cargo já tem dono: Carlos da Costa, fiel escudeiro de Paulo Guedes desde os tempos do mercado financeiro.

A nomeação marca o início da temporada da distribuição de boquinhas que acontece todo final de mandato - quando presidentes e ministros premiam seus apoiadores mais fiéis com temporadas no exterior à custa do contribuinte.

Atualmente existem 86 postos de adidos e auxiliares militares, 28 adidos agrícolas e 4 adidos tributários, além de dezenas de representações em organismos internacionais; todos com funções pouco claras e quase nenhuma prestação de contas do trabalho exercido.

Num país que já tem um corpo diplomático muito bem selecionado, capacitado e remunerado para tratar de questões econômicas, geopolíticas e comerciais, essas sinecuras para os mais chegados deveriam ser extintas, não ampliadas.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

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