quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Pronunciamento na TV não pode ser propaganda

O Globo

Lula não violou lei eleitoral ao repetir em rede nacional anúncios já feitos antes, mesmo assim está errado

O pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na noite de segunda-feira — o primeiro do ano — não trouxe nenhuma novidade, a não ser o tom informal adotado sob a orientação do marqueteiro Sidônio Palmeira, secretário de Comunicação que assumiu em janeiro. Em pouco mais de dois minutos, Lula anunciou, em meio a expressões coloquiais e metáforas, dois programas que já haviam sido anunciados: o Pé-de-Meia, que cria uma poupança para incentivar a permanência de jovens na escola, e o Farmácia Popular, que fornece medicamentos gratuitamente.

“Venho aqui para falar de dois assuntos muito importantes. Uma dupla que não é sertaneja, mas que está mexendo com o Brasil: O Pé-de-Meia e o novo Farmácia Popular”, disse Lula. “É para os jovens brasileiros que trago a primeira boa notícia. O pagamento da poupança de R$ 1 mil do programa Pé-de-Meia entra amanhã na conta e rendendo.” A iniciativa já havia sido anunciada, até porque o programa está em evidência desde que foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por não ter sido incluído no Orçamento (valores chegaram a ser bloqueados). Sobre o Farmácia Popular, Lula afirmou que os beneficiários poderão ter acesso gratuito a todos os 41 itens (antes eram 39), que agora incluem fraldas geriátricas. A “novidade” também já havia sido anunciada.

Lula precisa de seu próprio 'Desenrola' - Vera Magalhães

O Globo

Maneira tortuosa de conduzir o governo, que inclui demora em decisões e fritura desnecessária de auxiliares, só complica crise do governo

Num momento em que atira para vários lados em busca de uma bala de prata que lhe devolva a popularidade ainda em queda, o presidente Lula carece, neste terceiro mandato, de seu próprio Desenrola, pois vem se esmerando em dificultar ainda mais as coisas para si.

A demissão de Nísia Trindade da Saúde, que cravei no site do GLOBO ainda no início da tarde de sábado, só foi confirmada nesta terça-feira, mesmo assim de forma oblíqua, que expôs uma cientista respeitada no meio acadêmico a um desgaste desnecessário e imerecido. Sim, porque uma coisa é reconhecer que Nísia padecia de problemas de gestão, que venho apontando nesta coluna há pelo menos um ano e que nada tinham a ver com a cobiça do Centrão por sua cadeira, aqui repudiada. Outra, completamente diferente, é submeter uma auxiliar a humilhação pública.

Mudar ministros requer etiqueta – Elio Gaspari

O Globo

Lula troca alguns de seus ministros numa humilhante fritura pública que desqualifica o próprio governo. Em setembro de 2023, sem uma só palavra de agradecimento, ele demitiu a atleta Ana Moser do Ministério dos Esportes, colocando em seu lugar o deputado André Fufuca (PP-MA). Tratava-se de trocar competência na equipe por votos do Centrão na Câmara.

Numa operação semelhante, em 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso viu-se obrigado a dispensar a ministra Dorothea Werneck, da Indústria e Comércio. Visitou-a, comoveu-se e registrou em seu Diário:

— Fui ficando com raiva de mim mesmo.

O cavalheirismo foi uma das marcas da presidência de FH.

A fritura de Nísia - Bernardo Mello Franco

O Globo

No sétimo mês de governo, Lula declarou que não demitiria Nísia Trindade do Ministério da Saúde. “Tem ministros que não são trocáveis. Tem pessoas e funções que são uma coisa da escolha pessoal do presidente da República”, disse. “A Nísia não é ministra do Brasil, ela é minha ministra”, acrescentou.

A titular da Saúde estava na mira do Centrão, que tentava derrubá-la para pegar a chave do cofre do SUS. Sem filiação partidária, ela conseguiu resistir aos torpedos disparados do Congresso. Ontem sucumbiu ao fogo amigo do Planalto.

Nísia passou dois anos e dois meses no cargo. Enfrentou diversas crises, mas só se tornou “trocável” quando pesquisas apontaram um tombo na popularidade do governo. Transformada em bode expiatório, ela viu sua cadeira virar alvo de cobiça no PT. Agora será substituída pelo deputado Alexandre Padilha, que deixa o abacaxi da articulação política para assumir um dos maiores orçamentos da Esplanada.

Nosso país é real ou surreal? – Roberto DaMatta

O Globo

É concreto ou abstrato ver um Brasil que não consegue entender o que é ser progressista, conservador e reacionário?

Um avião que pousa de ponta-cabeça; um calor desmesurado nos nossos trópicos, que, além de tristes, como disse Lévi-Strauss, tornaram-se infernais diante de uma fervura de fim de mundo. Tempestades onde não chovia, seca no pântano, o extraordinário da neve e rios imensos secando. Começamos a duvidar do nosso seguro e permanente real...

É real essa inversão da rotina durante o batido surrealismo de um carnaval que perdeu sua força ritualística, porque hoje podemos transitar e transar com toda gente, de todo modo, em todo lugar e todo dia porque o proibido tornou-se permitido e — melhor e mais fascistoide — obrigatório?

A volta de Zé - Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Grupo articula duas festas para marcar retorno de Dirceu, o que deve aumentar a polarização em 2026

José Dirceu, o ex-ministro e estrategista que levou à aliança entre o PT e o PL em 2002, será candidato a deputado federal em 2026. É o que articulam fundadores do Partido dos Trabalhadores, advogados ligados à sigla e integrantes do grupo que se autodenomina “geração de 68”.

Eles preparam duas grandes festas “para o Zé”, uma em Brasília e outra em São Paulo. A primeira no dia 11 de março e a outra no dia 15 para comemorar o aniversário de Dirceu, que completará 79 anos – ele nasceu em 16 de março de 1946. Cassado em 2005 na esteira do escândalo do mensalão, preso em 2013, após ser condenado pelo Supremo a 7 anos e 11 meses de prisão – ele cumpriu 354 dias na cadeia – e detido outras três vezes durante a Operação Lava Jato, que o condenara a 23 anos de prisão, o ex-ministro viu as ações contra ele serem anuladas pelo STF na esteira do movimento que levou à revisão de outras condenações, como as de Lula.

Despesas ‘zumbis’ pressionam arcabouço - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Mobilização do Congresso para dar vida a emendas canceladas ocorre às vésperas da audiência de conciliação no STF em torno das emendas cujo pagamento foi bloqueado pelo ministro Flávio Dino

Avança rápido o projeto de lei complementar que “ressuscita” R$ 15,7 bilhões em despesas que não foram executadas nos anos em que estavam autorizadas no Orçamento, e por isso são chamadas de “restos a pagar”. A Câmara decidiu ontem apreciar a proposta, aprovada na semana passada no Senado, em regime de urgência.

O embaraço que isso pode trazer ao Orçamento de 2025 é moderado, avaliam técnicos da área orçamentária.

A mensagem política, porém, é muito ruim do ponto de vista das contas públicas e do ambiente macroeconômico. “Se o Congresso aprovar essa irresponsabilidade, podemos assistir a uma forte subida do dólar”, disse à coluna o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Não há margem, dentro dos limites do arcabouço fiscal, para acomodar mais esse conjunto de despesas, explicou.

Exemplo prático de dano da ‘fake news’ do Pix - Fernando Exman

Valor Econômico

Norma revogada da Receita seria um instrumento importante para combater o crime organizado

Hydra era um monstro gigante parecido com uma cobra d’água que, dependendo da versão, tinha sete ou mais cabeças. Representava o mal e ameaçava tudo destruir, diz a mitologia grega. Qualquer um que tentasse decapitá-la iria descobrir que, assim que uma cabeça qualquer era cortada, outras emergiam do ferimento. Só uma das cabeças era a “verdadeira”, aquela que, ceifada, levaria à sua morte. Milhares de anos depois de sua concepção, a história inspirou o nome da operação contra duas “fintechs” que operavam para o crime organizado.

Deflagrada na terça-feira (25) em conjunto pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e a Polícia Federal (PF), a Operação Hydra prendeu um policial civil, apontado como CEO de uma das “fintechs”, e cumpriu dez mandados de busca e apreensão em São Paulo, Santo André e São Bernardo. A Justiça também determinou o bloqueio de valores existentes em oito contas bancárias, além da suspensão temporária das atividades das instituições de pagamento que foram alvo.

Razões para a desaprovação do governo - Nilson Teixeira

Valor Econômico

Mesmo que a reversão da queda da aprovação do governo Lula não seja trivial, é presunção assumir que a chance de reeleição do presidente seja reduzida

A aprovação do governo Lula na pesquisa da Datafolha alcançou 24% em fevereiro de 2025, o nível mais baixo dos seus três mandatos. Após se manter relativamente estável em 2023 e 2024, a aprovação recuou 11 pontos percentuais (pp) frente à pesquisa de dezembro, com diminuição de 14 pp entre os que têm mais de 60 anos, 15 pp entre aqueles com menor escolaridade, 15 pp nos eleitores com renda inferior a dois salários-mínimos e 20 pp nos que votaram em Lula no segundo turno.

Apesar de não ser possível apontar com precisão as causas da abrupta queda da aprovação do governo no início de 2025, vários fatores ampliaram a insatisfação da sociedade nos últimos dois anos:

Aposta em vitória da oposição é prematura - Christopher Garman

Valor Econômico

É preciso cautela para avaliar que os índices de aprovação de Lula estão derretendo ou que ele está fora do páreo

Nos 25 anos em que atuo na área de consultoria de risco político, nunca observei um debate eleitoral tão antecipado quanto o atual. A reação do mercado à pesquisa publicada pelo Datafolha em 14 de fevereiro, que mostrou uma queda de 11 pontos na aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deixou isso claro. No mesmo dia, o dólar fechou abaixo de R$ 5,70 pela primeira vez desde novembro.

É muito difícil dizer o quanto as expectativas sobre o resultado das urnas em 2026 estão influenciando o câmbio. Mas há um consenso cada vez maior (certo ou não) de que só uma vitória da oposição levará a um ajuste fiscal e de que estamos caminhando para um cenário de mudança em 2026. Também influenciam essa avaliação a expectativa de desaceleração da economia este ano por conta do aumento da taxa de juros, e as várias vitórias eleitorais de candidatos de direita pelo mundo.

Lula está como Alice no país das maravilhas – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Para um observador, o chefe do Executivo está vivendo uma realidade paralela, perdeu a conexão com a vida de seus eleitores tradicionais e, também, não consegue estabelecer sintonia com as camadas mais jovens da população

É inesgotável o repertório de frases do livro de aventuras infantis Alice no País das Maravilhas, escrito por Lewis Carroll e publicado pela primeira vez em 1865. O autor cultivou amizade com três filhas do deão da faculdade onde lecionava, sendo que uma delas, Alice Liddel, durante um piquenique, em 4 de julho de 1862, pediu que o escritor contasse uma história. Carroll inventou uma série de peripécias de uma menina de 7 anos chamada Alice. Como era gago e tinha dificuldades para construir a narrativa oral, Alice pediu-lhe que escrevesse mais histórias.

Amigo cidadão - Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

O aviso de Kakay vai além de amizade responsável, alerta que a esquerda não percebeu as transformações que exigem mudanças nos propósitos e na forma de fazer política

Um ditado antigo diz "amigo do rei que o avisa, além de amigo, é bom cidadão". Ao avisar que o isolamento do PT e do presidente Lula pode levar os eleitores a caírem na tentação por regime autoritário de direita, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, foi amigo e cidadão. Sua manifestação vai além de amizade responsável, alerta que a esquerda não percebeu as transformações tecnológicas, sociais, culturais, econômicas e ecológicas que ocorreram nas últimas décadas, exigindo mudanças nos propósitos e na forma de fazer política. O mundo entrou no século 21, mas ideias da esquerda continuam em séculos passados. Isso não é problema para a direita conservadora, mas é a negação da esquerda progressista.

Mais pesquisa ruim para Lula - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Nova pesquisa mostra rejeição ainda maior a ideias, planos e a quarto mandato

Luiz Inácio Lula da Silva tem feito campanha para que se explore petróleo na bacia da Foz do Amazonas, no mar que fica diante do Amapá e da Ilha de Marajó, no Pará. Quase metade dos brasileiros (49,7%) é contra, 16,5% são indiferentes, 20,8% pensam como o presidente.

E daí? Nem nesse assunto, em tese lateral em termos políticos, o discurso de Lula está colando. Não quer dizer que iniciativas de governo devam se curvar, ponto a ponto, a desejos imediatos ou ideias circunstanciais da população.

Apenas se observa que nem aí Lula faz pontos na pesquisa MDA para a Confederação Nacional do Transporte (CNT). O presidente tem procurado falar ainda mais nas escolas, nas ruas, campos, construções, em rede nacional ou em rádios locais. Vai colar?

A culpa que Nísia não tem - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A desaprovação do governo é fruto do conjunto de uma obra mal concebida pelo presidente

troca de ministros é prerrogativa do presidente da República, assim como a escolha de auxiliares é da responsabilidade dele. Portanto, quem errou não foi Nísia Trindade, mas quem a nomeou para comandar a pasta da Saúde sem incluir a cláusula de vitrinista no contrato.

Profissional experiente e respeitada na área, foi chamada justamente pelo prestígio acumulado. Se esperava que ela tivesse também predicados marqueteiros, Luiz Inácio da Silva (PT) equivocou-se de pessoa.

Trump está matando a galinha dos ovos de ouro - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Medidas adotadas pelo presidente estão criando um ambiente hostil à ciência, que é uma das razões do sucesso dos EUA

Pelo menos desde o século 7 a.C. fabulistas alertam para o perigo de, com vistas a obter vantagens de curto prazo, destruir para sempre a rentabilidade de um recurso valioso. O mais célebre desses contos morais é a história da gansa dos ovos de ouro, de Esopo.

Em português a gansa virou galinha, mas sem alteração da mensagem central: não importa quais sejam as suas expectativas e objetivos, não mate a ave que lhe fornece regularmente um ovo de ouro por dia; se o fizer, você se arrependerá. Donald Trump, com sua egolatria e mentalidade de mercador de bazar, está eviscerando várias gansas, galinhas e até codornas que garantiam aos EUA enorme poder e riqueza. Um golpe particularmente duro é o que ele está dando contra a ciência americana.

A direita radical cresce mesmo onde parecia improvável - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Até na Alemanha, onde qualquer discurso extremista de direita dispara mil alarmes

A eleição de domingo para o Parlamento Alemão deve, enfim, encerrar qualquer dúvida sobre o fato de que, nas grandes democracias da América e da Europa, o voto na extrema direita está consolidado. Ou não?

Não há dúvida de que a AfD —que dobrou de tamanho entre uma eleição e outra e foi a legenda preferida de um em cada cinco alemães— é um partido extremista de direita, tanto no discurso eleitoral quanto na proposta política. Dificilmente se pode ser mais radical à direita do que ele, dentro dos limites das regras da democracia liberal. Além disso, não se pode subestimar o fato de que esse crescimento ocorreu na Alemanha, um país onde, devido à memória de sua tragédia política no século 20, qualquer discurso extremista de direita dispara mil alarmes.

Poesia | Marília Gabriela - "Com Licença Poética", de Adélia Prado

 

Música | Recife Manhã de Sol - Bloco da Saudade