segunda-feira, 3 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Visão iconoclasta de Trump imola Ucrânia no altar de Putin

Folha de S. Paulo

Humilhação inédita imposta a Zelenski pelo republicano mina ordem mundial, com perigo para interesses dos próprios EUA

A definição do que é interesse nacional é um complexo jogo em que se equilibram, de forma conflituosa, imperativos geopolíticos e a sustentação de princípios morais. Quase invariavelmente os primeiros falam mais alto. A questão é a resultante. Na Guerra da Ucrânia, a visão do principal ator externo ao conflito estava clara.

Para o governo dos Estados Unidos sob Joe Biden, impedir que Vladimir Putin prevalecesse em sua agressão suplantava as vantagens do apaziguamento. Havia, claro, cinismo: nunca se cogitou dar a Kiev recursos para elevar o preço da invasão a tal ponto que o russo desistisse dela.

O veterano Biden temia a Terceira Guerra Mundial, não sem razão. O Kremlin aproveitou-se disso e modulou, com ameaças reiteradas de uma escalada nuclear, a ajuda que a Ucrânia recebia.

Conversa de carnaval – Fernando Gabeira

O Globo

Apesar de tantas mudanças, das análises sociais da folia, da comercialização e tudo o mais, a chama ainda está acesa

Apesar de ter quase meio século, a teoria do querido Roberto DaMatta ainda é uma insuperável explicação do carnaval brasileiro. É uma análise mostrando a quebra da hierarquia social que funciona magicamente até Quarta-Feira de Cinzas.

As teses de Darwin sobre a evolução das espécies, sobre a sobrevivência dos mais aptos por meio das dificuldades diante dos obstáculos também é inquestionável. No entanto há espaço para avaliar não apenas o carnaval, como também a teoria de Darwin sob outro ângulo: o impulso para namorar, acasalar, a escolha sexual. Uma das figuras que desafiam a visão clássica de Darwin é o pavão. Com suas longas caudas radiais de azul iridescente, aqueles olhos em círculos de bronze, ele não pode ser considerado apenas sob a ótica da sobrevivência.

Sua estrutura é incômoda para buscar alimentos e absolutamente ineficaz para escapar de predadores. No entanto o pavão maravilhoso sobrevive assim pois essa é sua maneira de agradar à pavoa, de acasalar. Tanto o pavão quanto a música — ou mesmo a arte, vistos sob o prisma da pura sobrevivência material — são perda de energia. Mas os pássaros cantam nos bosques e na floresta também para seduzir suas fêmeas.

Deus, amor e tarifas – Demétrio Magnoli

O Globo

A globalização não depende exclusivamente do mercado dos Estados Unidos

Tarifas. Na campanha eleitoral, Trump definiu-a como sua predileta, “a mais linda palavra”. Depois, na hora do triunfo, rebaixou-a para o terceiro posto, atrás de Deus e amor. A paixão tarifária do presidente tem o poder de mudar o mundo — mas não do modo como ele almeja.

Sob a lógica de Trump, tarifas cumprem três finalidades diferentes: geopolíticas, comerciais e industriais. Seriam ferramentas de intimidação, de substituição de importações e de reequilíbrio da balança comercial americana.

Theodore Roosevelt inventou o Big Stick: “Falar suavemente e carregar um Grande Porrete”. A ideia era negociar os interesses imperiais dos Estados Unidos usando a ameaça da ação militar. Deu certo, nos casos do Canal do Panamá e de Cuba. Trump inspira-se no precedente, mas substitui a Grande Frota Branca de 16 navios de guerra pela espada das taxas alfandegárias.

Lula como um boneco gigante de Olinda - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Nomear Gleisi para a Secretaria de Relações Institucionais é sinal de que Lula está sem prumo e sem rumo

Uma das manifestações mais marcantes do carnaval pernambucano são os bonecos gigantes de Olinda. Embora existam registros de que o primeiro boneco, chamado “Zé Pereira”, tenha aparecido em 1919 na cidade sertaneja de Belém do São Francisco, foi nas ladeiras estreitas da cidade alta de Olinda que eles se popularizaram, especialmente a partir do “Homem da Meia-Noite”. Esse boneco icônico abre o carnaval de Olinda à meia-noite de sexta-feira desde 1931.

Com até quatro metros de altura e cerca de 50 quilos, esses bonecos têm cabeça e corpo fixos. O que encanta o público é a forma como rodopiam seus braços compridos de tecido e balançam mãos mais pesadas nas pontas, parecendo meio perdidos e inebriados pelo som rasgado e entoado pelas orquestras de frevo.

O segundo tempo do jogo de Lula - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Ou bem o governo assume a rota da responsabilidade fiscal e faz o que precisa ser feito ou vai amargar um último ano daqueles

A economia e os ciclos políticos andam de mãos dadas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está amargando um período de queda de popularidade justamente quando os mercados cobram a execução de um programa de controle do déficit público. O governo precisa aceitar: o crescimento econômico não voltará, em 2026, na ausência de juros mais baixos, dependentes de uma política fiscal sólida. Para isso, o coreto político tem de estar organizado.

O PIB, neste momento, está nas mãos do Banco Central. Aproveitando a trégua do PT, o Comitê de Política Monetária (Copom) vem elevando os juros, num jogo já combinado com seu antecessor. O tal do guidance – e sempre há uma palavra em inglês para dizer o óbvio – é isto: segurem-se, pois os juros vão subir mais um tanto.

O fim da Pax Americana – José Horta Manzano*

Correio Braziliense

Na guerra que se instalou na sequência da invasão russa do território ucraniano em 2022, Trump deixou claro seu apoio ao agressor, posição esdrúxula, que contraria o bom senso e o direito que os países livres e soberanos têm de defender o próprio território de ataques externos

A Pax Americana, que vigorava desde que o silêncio dos canhões anunciou o fim da Segunda Guerra, dá sinais de estar se esgotando. Num momento histórico em que qualquer um pode afirmar, sem risco de ser ridicularizado, que Hitler era comunista, que o Tiradentes era gay ou que o papa é pedófilo, fica claro que nada é como antes. Nosso mundo de confiança, acolhedor e reconfortante, vai se tornando um mundo de desconfiança, em que acordos de cavalheiros se tornaram vaga reminiscência histórica. Na atualidade, golpes baixos são assestados todos os dias pelas mais altas autoridades, restando às vítimas os olhos para chorar.

Faz apenas um mês que Donald Trump assumiu a Casa Branca. Nesse curto espaço de tempo, seu comportamento, reforçado pelo de J.D.Vance, seu vice-presidente e pelo de Elon Musk, seu assessor especial, tem demonstrado que a solidariedade atlântica — base estável do que, até outro dia, se chamava Ocidente e que incluía a América do Norte e a Europa — está demolida, varrida, morta e enterrada. Em duas semanas, deixou de existir.

Os aspectos político-sociais da tarifa zero - Francisco Christovam*

Correio Braziliense

Pelo alcance e consequências de um projeto dessa natureza, a sua adoção passa, obrigatoriamente, por avaliações políticas, técnicas, operacionais, urbanísticas, econômicas e, principalmente, sociais

A implementação da tarifa zero em algumas cidades brasileiras vem possibilitando um amplo debate sobre essa importante política pública, nos seus mais variados aspectos. Pelo alcance e consequências de um projeto dessa natureza, a sua adoção passa, obrigatoriamente, por avaliações políticas, técnicas, operacionais, urbanísticas, econômicas e, principalmente, sociais.

Embora a tarifa zero tenha sido adotada em Conchas, interior do estado de São Paulo, em 1992, foi no período pós-pandemia que essa prática cresceu de forma acelerada. Hoje, 140 cidades brasileiras estão subsidiando seus sistemas de transportes com a utilização da tarifa zero de maneira plena ou parcial, ou seja, em alguns dias da semana, em algumas áreas da cidade ou para segmentos específicos da população.

As emendas orçamentárias voltam ao normal? - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

As emendas são parte das relações Executivo-Legislativo desde 1946 mas sua dinâmica se alterou radicalmente ao longo do tempo

A resposta à pergunta que dá o título a esta coluna exige que recuemos na história. As emendas orçamentárias têm sido parte do funcionamento do nosso presidencialismo multipartidário desde 1946, quando tivemos as primeiras eleições com representação proporcional com lista aberta (RPLA). A RPLA em grandes distritos eleitorais produz fragmentação partidária e o imperativo de formação de governos de coalizão. Barbosa Lima Sobrinho, ex-governador de Pernambuco, intuiu suas implicações: "não conheço melhor sistema para a representação das minorias, nem pior para a constituição de maiorias" (1952).

Golpismo não é liberdade de expressão - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Ninguém foi preso ou responsabilizado por meras palavras, mas por ações no 8 de janeiro

Golpistas de extrema direita estão em uma cruzada internacional para disseminar a ideia de que estariam sendo perseguidos e censurados. Para convencer seus alvos prioritários e seus eleitores, vale tudo.

O relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para Liberdade de Expressão, Pedro Vaca, precisou desmentir o que correu nas redes e afirmou que nenhuma ditadura recebe um relator. A equipe de Vaca teve uma demonstração empírica de como funciona a máquina de desinformação da extrema direita brasileira.

O crime na legalidade - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

É besteira continuar trocando tiros nos morros; o criminoso pode estar no escritório ao nosso lado

No que se tornou uma das passagens mais importantes de "O Poderoso Chefão", a família Corleone decide que um de seus garotos precisa levar uma vida correta, longe do crime, formar-se em direito e se tornar um advogado para, se for o caso, defendê-los na Justiça. É o que os americanos chamam de "go legit", entrar na linha, legitimar-se. Os criminosos descobriam que, quanto mais se infiltrassem formalmente na sociedade, menos precisariam de usar a metralhadora. Enxergaram longe.

"Ainda Estou Aqui" faz história e ganha o primeiro Oscar do Brasil

Ubiratan Brasil / Valor Econômico

Oscar 2025 termina em festa para "Ainda Estou Aqui" e "Anora"

O clima de final de Copa do Mundo em torno do longa "Ainda Estou Aqui" se transformou em festa verdadeira com a vitória no Oscar de Melhor Filme Internacional, na noite desde domingo. Primeira produção brasileira a ganhar esse prêmio, "Ainda Estou Aqui" conquistou aos poucos a admiração de americanos e europeus. Isso porque é uma história universal liderada por Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, a mulher que teve de assumir o controle da família após o assassinato de seu marido, o deputado Rubens Paiva, pelo governo militar, nos anos 1970. No Brasil, já foi visto por mais de 5 milhões de pessoas e é apontado como um forte incentivador da volta do público ao cinema para ver produções nacionais. O longa é um drama simples, universal e, mesmo contando uma história do Brasil, reverbera em uma audiência de qualquer nacionalidade.

"Isso vai para uma mulher que - após uma perda sofrida durante um regime autoritário - decidiu não se curvar e resistir”, disse o diretor Walter Salles no palco, ao receber a estatueta de Penélope Cruz. Ele também dedicou a estatueta às atrizes Fernanda Torres (que perdeu o Oscar de melhor atriz para Mikey Madison, de "Anora") e Fernanda Montenegro, que vivem Eunice em tempos distintos.

Poesia | Soneto do amor total - Vinicius de Moraes

 

Música | Voltei, Recife (com Silvério Pessoa e Alceu Valença - Marco Zero