EDITORIAIS
É positiva ideia de diversificar fontes de
energia elétrica
O Globo
Investimentos na produção de energia
elétrica costumam ser altos, exigir planejamento minucioso e demandar bastante
tempo para entrar em funcionamento. Não é por outra razão que são sempre
esperados com expectativa os relatórios do Plano Decenal de Energia, preparados
pela Empresa de Pesquisa Energética, órgão vinculado ao Ministério de Minas e
Energia.
Neles são traçados os cenários de demanda
futura e as necessidades de expansão. Como demonstraram as repetidas crises de
suprimento dos últimos anos, esse é um tema de amplo interesse. É importante
para empresários preocupados com a produção e custos, para ambientalistas
atentos aos impactos ambientais e também para o cidadão comum, muitas vezes
surpreendido por contas de luz mais caras.
O último relatório, o que contém o
planejamento até 2031, entrou em consulta pública na segunda-feira, 24. Um
amplo debate do setor se faz necessário para apontar possíveis erros de
avaliação, mas já é possível dizer que ele traz algumas boas novas. A principal
é reconhecer que o país não pode ficar à mercê de repetidos sobressaltos,
sempre na eminência de apagões e racionamentos. Os técnicos da Empresa de
Pesquisa Energética parecem ter se dado conta de que é preciso dar uma atenção
redobrada aos riscos impostos pelo aquecimento global.
A fonte hídrica responde por cerca de 62% da capacidade instalada de geração. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, os reservatórios das hidrelétricas registraram os níveis mais críticos em 91 anos. Nesse período de um ano, 9 meses ficaram entre os piores de todo o histórico. Foi um caso extremo, mas não isolado de estiagem. Há oito anos os reservatórios têm ficado com água abaixo da média. É possível que esteja em curso uma mudança no regime de chuvas. Como demonstram os casos recentes da Bahia e Minas Gerais, períodos de escassez hídrica seguidos de eventos extremos de temporais podem se consolidar como o novo normal.
O volume de água que chegou aos
reservatórios das principais hidrelétricas do país entre 2010 e 2020 caiu 10%
em comparação com a média de 1931 a 2020, segundo uma pesquisa do Grupo de
Estudos Energéticos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). As razões para a
redução das vazões se devem a mudanças climáticas e intervenções humanas em
outras áreas, como a agricultura irrigada.
O relatório do Plano Decenal de Energia
acerta ao propor uma maior diversificação das fontes, reduzindo a dependência
de uma específica. A proposta é diminuir a fatia da hídrica de 62% da
capacidade instalada de geração para 48,5% e aumentar o gás natural de 8,5%
para 12,5%, a solar de 6,5% para 18,5% e a eólica de 10,5% para 12%. Faz bem
também ao prever a construção de uma nova usina nuclear com previsão de início
de operação em 2031. Com duas usinas no Rio (Angra 1 e 2), a energia atômica
responde por menos de 2% da matriz. A expectativa é de que Angra 3 entre em
operação em 2026. A nova usina agora proposta (ainda sem local definido)terá
capacidade de gerar o suficiente para abastecer uma cidade de 1,5 milhão de
habitantes. Se a experiência for bem-sucedida, poderá abrir a porta para outras
no futuro.
Governo precisa justificar melhor ideia de
plataforma de saúde aberta
O Globo
O Ministério da Saúde acerta ao se mostrar
preocupado em aumentar a concorrência no setor de saúde complementar, mas a
proposta de criar uma plataforma com registros e indicadores de saúde de
pacientes merece ser analisada com mais cuidado antes de o governo ir em frente
com a ideia de anunciar uma medida provisória sobre o tema. Inspirada no Open
Banking, do Banco Central, a iniciativa foi batizada de Open Health. O objetivo
é incentivar as operadoras a oferecer planos mais baratos.
Em diferentes áreas, o acesso a informações
sempre foi decisivo para obter vantagens comparativas. O setor de saúde não é
exceção. Os provedores de planos conhecem bem seus clientes, sabem que tipo de
exames fazem, as especialidades dos médicos que consultam, os hospitais que procuram
e a periodicidade das ocorrências. Com isso, podem montar cenários baseados em
estatísticas, melhorar seu desempenho e elevar suas margens de lucro. Hoje
esses dados estão guardados em silos, cada plano com seus clientes.
Faz sentido pensar que uma plataforma
única, com acesso livre para empresas de saúde complementar, poderia incentivar
a competição. Mas há vários temores. Alguns de solução aparentemente rápida,
outros mais complicados. Pacientes com doenças graves ou crônicas correm o
risco de ser prejudicados pelos planos. Para evitar isso, diferentes tipos de
regras podem coibir a segregação.
A ausência de padrão nos documentos com
históricos médicos também é uma barreira para criar a plataforma. Antes de
abrir essas informações, seria preciso uniformizá-las. Embora trabalhosa, essa
dificuldade também poderia ser facilmente resolvida.
Outros pontos levantam questões mais
preocupantes. O governo brasileiro não é conhecido por ter grande capacidade de
proteger os dados de seus cidadãos da ação de criminosos. Há denúncias
frequentes de vazamentos nos mundos off e on-line. O Ministério da Saúde não
tem a mesma capacidade técnica do Banco Central. Recentemente, o ConecteSUS,
programa do governo federal que integra dados de saúde dos cidadãos, foi vítima
de um ataque digital, ficou semanas fora do ar e até hoje está instável.
Registros e indicadores de saúde nas mãos erradas têm consequências
desastrosas. Podem ser mais sensíveis que operações bancárias ou de crédito.
No Brasil, menos de 20% dos planos de saúde
são individuais ou familiares. A esmagadora maioria é coletiva ou empresarial.
Levando em conta que muitos usuários de planos individuais e familiares
provavelmente optariam por não fornecer seus dados por diferentes razões, é
possível que um cenário de forte competição e queda dos preços nunca se
materialize. Antes de uma medida provisória, o governo deveria apresentar
estudos rigorosos sobre o tema, além de outras alternativas para incentivar a
concorrência.
Mais juros nos EUA
Folha de S. Paulo
Fed abala mercados e tende a dificultar a
incerta política econômica do Brasil
Numa mudança abrupta para seus padrões,
embora plenamente justificada pela conjuntura, o banco central americano vem
desde o fim do ano passado preparando os mercados financeiros para um ciclo
acelerado de alta dos juros.
Ao contrário do que prevaleceu entre a
crise financeira de 2008 e o advento da Covid-19, a inflação se tornou um fator
de grande preocupação. Em 2021, a elevação dos preços ao consumidor nos Estados
Unidos chegou a 7%, a maior em quase três décadas.
Inicialmente percebida como fenômeno
temporário e decorrente dos abalos nas cadeias de produção durante a pandemia,
a pressão inflacionária vem se mostrando mais persistente, o que aumenta o
risco de contaminação das expectativas de longo prazo.
Nos últimos meses, ficou mais claro que a
resistência da carestia não decorre apenas da continuidade dos problemas
logísticos e da falta de insumos —trata-se também de um quadro de forte
crescimento econômico e desemprego perto das mínimas históricas.
Os fortes estímulos, na forma de gastos
públicos inéditos em situação de paz, cortes de juros e expansão de liquidez,
levaram a uma retomada rápida. O crescimento do Produto Interno Bruto em 2021 ficou
em 5,7%, e as projeções apontam para ao menos 3,5% neste ano.
A taxa de desemprego já recuou a 3,9%,
patamar não muito distante do que o Fed considera como pleno emprego. Como a
crise sanitária ainda mantém um grande contingente fora da força de trabalho, é
possível que ainda haja algum espaço de expansão do mercado.
Por ora, no entanto, as pressões salariais
são crescentes e talvez estruturais, dadas as grandes mudanças no mercado e a
dificuldade de preenchimento de vagas.
Nesse contexto de exuberância, o presidente
do Fed, Jerome Powell, indicou que subirá os juros, hoje em zero, a partir de
março —e que também deve iniciar a redução de seu balanço de ativos.
A diferença em relação ao observado nas
últimas duas décadas é que a correção agora deve ser bem mais rápida, levando a
taxa básica de juros a cerca de 2,5%, patamar considerado neutro, até 2023.
O viés é de aperto maior se a inflação se
mostrar duradoura, um risco presente quando se tem em conta a alta continuada
de preços de energia e matérias-primas.
Como sempre é o caso quando sobe o custo do
dinheiro no principal centro financeiro do mundo, o rearranjo não deve ser
indolor, algo que já se observa na forte queda das Bolsas neste início de ano.
É um primeiro sinal dos abalos que podem
chegar aos mercados de crédito e nos fluxos de capitais internacionais, um
alerta importante para o Brasil, que passará o ano eleitoral sem grande clareza
a respeito da política econômica.
Crianças deportadas
Folha de S. Paulo
Voo com 90 menores vindo dos EUA expõe
política cruel de Biden para migrantes
Na última quarta-feira (26), 90 menores de
idade, incluindo crianças de até 10 anos, desembarcaram
de um voo que partiu do estado americano do Arizona em direção ao
aeroporto internacional Tancredo Neves em Confins (MG).
A viagem trouxe 211 brasileiros deportados
dos Estados Unidos, a mostrar a face mais desumana da política migratória da
maior potência mundial e levantar questões sobre as circunstâncias em que os
jovens chegaram ao Brasil.
Até onde se pôde apurar, eles vieram
acompanhados dos pais. Falta investigar, no entanto, se em algum desses casos
pessoas se passaram por genitores para, de acordo com as regras migratórias dos
EUA, responderem ao processo em liberdade ao se entregar às autoridades em solo
americano.
Desde que se hospedou na Casa Branca, o
democrata Joe Biden tem emulado as políticas migratórias de seu antecessor,
Donald Trump, apesar de promessas de uma abordagem mais humanizada.
A esse respeito, recorde-se a cena grotesca
em que agentes de fronteira dos EUA montados a cavalo usaram rédeas para
intimidar migrantes haitianos no estado do Texas, em setembro do ano passado.
Biden não tem sido capaz de equacionar a
legítima proteção fronteiriça com suas obrigações internacionais de ajuda
humanitária. O episódio, apesar de condenado oficialmente pela Casa Branca, não
foge do padrão de medidas agressivas recorrentes, entre elas deportações em
larga escala.
As detenções na fronteira com o México
atingiram o número mais alto da história no ano fiscal de 2021, encerrado em
setembro, com mais de 1,7 milhão de migrantes. No recorde anterior, de 2000,
contabilizou-se 1,64 milhão de detenções, cerca de 90 mil a menos.
O número de brasileiros cruzando a linha
entre os países disparou. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, a cifra
teve salto de 700%, chegando
a 56,9 mil cidadãos.
Brasil e Estados Unidos têm a obrigação de
dar especial proteção a crianças em situação de vulnerabilidade, como é o caso
dos menores de idade submetidos ao árduo e desumano processo de cruzar a
fronteira americana.
Autoridades dos dois países devem cooperar
para assegurar, de um lado, que haja acolhida humanitária adequada, e de outro,
que os responsáveis por eventual tráfico sejam punidos no rigor da lei.
O sequestro do Orçamento
O Estado de S. Paulo
Plano de gastos é refém de parlamentares
que exploram pusilanimidade de Bolsonaro
A sanção do Orçamento deste ano reforçou a
necessidade de uma reforma que garanta ao Executivo um mínimo de controle sobre
o destino do dinheiro público oriundo dos impostos pagos pela sociedade. As
despesas obrigatórias, que incluem gastos com servidores públicos e benefícios
previdenciários e sociais, representaram mais de 93% dos dispêndios de 2021,
segundo o Tesouro Nacional, ante 85% em 2008. A margem de gastos
discricionários, cuja escolha deveria caber ao governo, cai ano a ano e tem
sido cada vez mais consumida pelo apetite voraz dos parlamentares por meio de
emendas, tudo com a animada cumplicidade de Jair Bolsonaro.
O sequestro do Orçamento não é um fenômeno
exatamente novo. Tudo começou em 2013, ainda na gestão Dilma Rousseff, quando o
Senado aprovou uma proposta que tornou impositiva a execução das emendas
parlamentares individuais em um momento de crescente desgaste nas relações
entre os Poderes. Na época, o Executivo empenhava as emendas, mas não liberava
os pagamentos e privilegiava, evidentemente, as de autoria de congressistas do
PT. Enquanto pôde, a base do governo conseguiu segurar o avanço dessa proposta,
mas em 2015, assim que Eduardo Cunha assumiu o comando da Casa, a primeira
emenda constitucional aprovada pelos deputados foi justamente a do Orçamento
impositivo. Numa política de redução de danos, a gestão petista conseguiu
assegurar que metade delas fosse destinada à saúde.
Se o início do problema remete a Dilma, a
degradação da formulação do Orçamento teve um enorme impulso após a eleição de
Bolsonaro. Estimulados pela jactância do ministro da Economia, Paulo Guedes,
que se recusou a participar da elaboração da peça orçamentária no fim de 2018,
o Congresso fez o que quis do péssimo slogan de campanha “mais Brasil, menos
Brasília”, supostamente uma tentativa de descentralizar o uso de recursos pela
União e elevar a autonomia de Estados e municípios.
Como não há vácuo de poder, quando alguém
se recusa a exercer as funções para as quais foi escolhido – caso de Bolsonaro,
que nada produziu na Câmara e hoje é figura decorativa na Presidência –, outros
o fazem. Foi o que o Congresso fez em 2019, ao aprovar duas emendas
constitucionais que tornaram obrigatória a execução das emendas de bancada, de
autoria coletiva, e das transferências diretas a Estados e municípios,
conhecidas como “emenda pix” ou “emenda cheque em branco” por sua finalidade
indefinida e não sujeita à fiscalização. Não satisfeito, o Legislativo criou
ainda, por meio de uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), as
emendas de comissão e as emendas de relator-geral, base do orçamento secreto,
um esquema para assegurar apoio ao governo revelado pelo Estadão. No teatro que
vem sendo encenado por Bolsonaro e pelo Congresso há três anos, entre vetos
presidenciais mantidos e derrubados, a execução dessas despesas jamais foi
bloqueada.
Nesse contínuo processo de degradação, o
País chega a 2022 com um Orçamento que tem a cara de Bolsonaro: engessado por
despesas obrigatórias e emendas paroquiais de R$ 35,6 bilhões, uma verdadeira
orquestra de horrores regida pela batuta de um dos maiores líderes do Centrão,
Ciro Nogueira (PPPI). “O Parlamento está muito bem atendido conosco”, disse
Bolsonaro, orgulhoso de seu próprio desleixo com o uso do dinheiro público.
De fato, os congressistas não têm do que
reclamar. A população que lide com os cortes em saúde, educação e
infraestrutura em meio a uma crise em que não há crescimento nem emprego, mas
não faltam recursos para comprar tratores superfaturados ou para conceder
reajuste às forças de segurança, tudo em nome de votos. Caberá ao próximo
presidente o desafio de reconstruir a relação entre Executivo e Legislativo sob
outras bases que não a do clientelismo. Sendo a economia a ciência das escolhas
e a escassez de recursos uma realidade inexorável, as prioridades devem ser
baseadas no interesse da coletividade. Pelo futuro do País, o resgate do
Orçamento pelo governo é que deveria ser obrigatório, não as emendas.
Estradas ruins podem ficar piores
O Estado de S. Paulo
Seguidos cortes das verbas para manutenção,
reparos e ampliação podem comprometer uma malha rodoviária já desgastada
A cada ano do governo Bolsonaro tem ficado
mais difícil, arriscado e caro o transporte pelas rodovias brasileiras. Ainda
responsável por boa parte da malha rodoviária nacional, o governo federal
investe cada vez menos na conservação e construção de estradas. Num ano em que,
por decisão do Executivo, apoiado pelo Centrão, foram inteiramente preservadas
as emendas do orçamento secreto que beneficia parlamentares, o orçamento do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é o menor dos
últimos 10 anos. O aumento de estradas em mau estado de conservação aferido
pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) é a consequência mais óbvia
desse desprezo do governo pelos investimentos.
A crise fiscal, que a equipe chefiada pelo
ministro Paulo Guedes não conseguiu debelar nem ao menos atenuar, tende a
piorar com a passagem do controle do Orçamento para a chefia da Casa Civil,
hoje ocupada por um notório membro do Centrão, o ministro Ciro Nogueira.
Mudanças nas regras que limitam os gastos, como o rompimento dissimulado do
teto de gastos e o calote de dívidas reconhecidas pela Justiça (os
precatórios), estão entre as artimanhas do governo para tentar mostrar alguma
consistência em sua política fiscal.
Além de prejudiciais para o equilíbrio das
contas, artifícios como esses são insuficientes. Como ocorre há anos, parte dos
problemas tem sido resolvida com o corte de investimentos, pois é a conta que o
governo pode manipular com mais liberdade. Neste ano, o Dnit disporá de R$ 6,2
bilhões. Em 2012, a disponibilidade era de R$ 9 bilhões; em 2014, de R$ 10,7
bilhões. São valores nominais. Se os dispêndios dos anos anteriores forem
corrigidos pela inflação, a perda será muito mais acentuada.
Num país em que a movimentação de
mercadorias e pessoas é feita predominantemente por rodovias (esse modal
responde por mais de 60% da carga movimentada em território nacional), o ônus
da deterioração da malha rodoviária é alto. Custos maiores com combustível e
manutenção dos veículos são um deles. Lentidão é outro. Há também mais despesas
com acidentes que poderiam ter sido evitados se as estradas fossem melhores.
A mais recente pesquisa da CNT constatou
que quase um quarto da malha rodoviária brasileira pavimentada está em estado
péssimo (6,9%) ou ruim (16,3%). Somando-se os trechos considerados apenas
regulares, chegase a 61,8% das rodovias com qualidade insatisfatória. Boa parte
dos trechos considerados em condições boas ou ótimas é de responsabilidade de
operadoras privadas, o que é, há muito tempo, uma prova de que, num país com o setor
público em contínua crise financeira, a privatização é ainda mais vital do que
em outros.
Mas, apesar do discurso privatizante com
que o governo tem conseguido encantar quem está disposto a ser encantado por
falsas promessas, pouco se avançou nas privatizações das rodovias federais nos
últimos anos. Para este ano, a meta do Ministério da Infraestrutura é realizar
o leilão de 14 rodovias. É um objetivo desafiador em ano eleitoral, sobretudo
por envolver projetos de investimentos que ultrapassam R$ 80 bilhões. É sabido
que o mercado de potenciais interessados é muito concentrado e boa parte já
administra rodovias que exigirão investimentos pesados nos próximos anos.
Se o programa de concessões do governo
tiver êxito, cerca de 30% da malha rodoviária pavimentada ficará sob
administração de empresas privadas, como mostrou o Estadão. Ainda assim, as
rodovias sob responsabilidade do setor público continuarão largamente
predominantes, exigindo constantes investimentos para evitar sua degradação.
Os investimentos totais previstos no Orçamento da União para 2022 são proporcionalmente os mais baixos de toda a história. Perdendo seguidamente sua capacidade de investir, por não ter programa de ação nem, muito menos, visão de longo prazo sobre as necessidades do País, o atual governo não consegue atrair investimentos privados no volume necessário. Se não mudar esse tipo de gestão, o Brasil estará condenando sua economia a um desempenho pífio nos próximos anos.
OCDE dá nova chance ao Brasil; Lula recusou
convite em 2007
Valor Econômico
Depois de levar quase cinco anos analisando
pedido do governo brasileiro para ingressar em seus quadros, a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovou na semana passada convite
para o Brasil iniciar negociações com vistas à adesão. Como o processo de
conformidade envolve a aprovação de 253 dispositivos legais, as discussões
podem consumir de três a cinco anos. O tamanho da economia brasileira, o fato
de o país já ser signatário de mais de cem convenções da entidade e sua
importância geo-política podem reduzir esse prazo, a depender, claro, de quem
vença a eleição presidencial deste ano.
Uma das cláusulas mais importantes da OCDE
é a do compromisso com a democracia. Países sem democracia não são aceitos.
Quem é membro e a desrespeita é expulso. Outro aspecto relevante é a Convenção
de Combate à Corrupção de Autoridades Estrangeiras. Por esse acordo, os
países-membros são obrigados a aprovarem lei que determine a abertura de ações
judiciais, no país de origem, contra empresários e executivos acusados de
pagamento de propina a autoridades de outras nações. É esse tipo de instrumento
que tem permitido ao governo americano prender e processar pessoas acusadas de
corrupção fora dos Estados Unidos - um exemplo é o escândalo envolvendo a Fifa.
Se um país é integrante da OCDE, o prêmio
de risco exigido por investidores nacionais e estrangeiros na compra de títulos
emitidos pelo governo soberano e por empresas privadas é menor. Isso se deve ao
entendimento de que a economia dessa nação segue regras rígidas de governança.
Pode-se dizer que, se o Brasil entrasse hoje para a entidade, o Banco Central
não precisaria elevar a taxa básica de juros (Selic) aos níveis projetados pelo
mercado - mais de 12% ao ano até dezembro. Não se trata de mágica. Para uma
nação fazer parte da OCDE, seu ambiente institucional altera-se de tal forma
que a confiança dos investidores em suas leis e instituições muda de patamar e,
consequentemente, torna-se desnecessário cobrar mais caro para financiá-la.
Não fazer parte da OCDE é exemplo do atraso
que alguns setores impõem à coletividade no Brasil. Por trás da resistência há
dois fatos enraizados na vida nacional: a tendência histórica de isolamento em
relação ao mundo e o apego de certas instituições e segmentos da sociedade a
ideologias anacrônicas. No primeiro caso, destacam-se grupos acostumados a ter
proteção do Estado. São os setores da economia arredios à abertura comercial e
à adoção de padrões de governança vigentes nos ambientes de negócio dos EUA e
da Europa ocidental e, graças à OCDE, de parcela significativa de países do
Leste Europeu. Nas nações regidas por códigos e leis definidos no âmbito da
entidade, a relação das empresas com o Estado é pautada pela impessoalidade e a
tolerância zero com desvios, tanto no que diz respeito à legislação quanto à
conduta moral de empresários e executivos.
No segundo grupo de resistência à entrada
do Brasil na OCDE pontuam segmentos da burocracia estatal, como o Itamaraty,
detentor do monopólio das relações institucionais do país com o exterior. Não
se trata de visão única ou mesmo majoritária do serviço diplomático, mas de
forte sentimento anti-americano forjado durante a segunda metade do regime
militar, nos estertores da Guerra Fria.
A ditadura acabou em 1985, o Muro de Berlim
foi derrubado seis anos depois, a Guerra Fria acabou no início da década de
1990, mas a posição altaneira dos “barbudinhos” do Itamaraty, como são chamados
esses diplomatas, manteve-se predominante. Nos dois mandatos do presidente
Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), esse grupo perdeu hegemonia,
o que permitiu ao Brasil reaproximar-se dos EUA.
Em dezembro de 2002, Luiz Inácio Lula da
Silva protagonizou fato inédito ao ser recebido, antes de assumir a
Presidência, pelo então presidente George W. Bush na Casa Branca. Os dois se
deram tão bem que, em meados de 2003, realizou-se em Washington o encontro de
cúpula com a maior presença de ministros dos dois governos na história. Como
disse certa vez o ex-embaixador do Brasil nos EUA, ministro e deputado Roberto
Campos, “o Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades”.
Nos anos seguintes àquela reunião, o comando do Itamaraty sabotou a aproximação com os EUA. Em seu livro de memórias, o embaixador Rubens Barbosa revela que Vera Pedrosa, então subsecretária de assuntos políticos do Itamaraty, disse o seguinte a Donna Hrinak, embaixadora americana em Brasília: “Os EUA não são uma prioridade para o Brasil”. O devaneio anti-EUA do período Lula - seguido de total ausência de relacionamento nos 5,5 anos de Dilma - provocou prejuízo tangível. Em 2007, o Itamaraty tomou decisão monocrática de barrar interesse manifesto da OCDE de convidar o país a se associar à entidade.
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