terça-feira, 1 de abril de 2025

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Lei mais dura não bastará para conter roubo de célula

O Globo

É positivo punir receptadores com mais rigor, mas o essencial é a polícia ser eficiente na investigação

No tempo necessário para ler este texto, três celulares terão sido roubados ou furtados no Brasil. É um problema endêmico: 107 aparelhos por hora, quase 1 milhão ao longo de um ano, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Dada a quantidade de informações sensíveis ou vitais que os dispositivos hoje armazenam, é incalculável o prejuízo causado às vítimas — isso quando não acabam mortas ou feridas. Roubos acontecem nos bairros nobres e nas periferias, de dia e à noite, do verão à primavera. Diante desse descalabro, o Ministério da Justiça planeja enviar ao Congresso um Projeto de Lei que aumenta a pena para receptadores de aparelhos. A proposta altera o tempo máximo de prisão de seis para 12 anos, a pena mínima de três anos para quatro anos e facilita os flagrantes.

As mudanças são bem-vindas. O endurecimento das penas sem dúvida pode funcionar como fator de dissuasão para os criminosos. Mas seria uma ilusão acreditar que apenas mudar a lei resolverá o maior incentivo aos roubos: a impunidade. Sem a polícia investigar e prender as redes de receptadores, de nada adiantará a pena mais dura. Para conter os roubos, policiais civis precisam ser equipados, treinados e cobrados, com base em estatísticas confiáveis e públicas. A taxa de solução de crimes no Brasil é vergonhosa. Menos de 10% dos roubos são esclarecidos, segundo pesquisadores do FBSP. Nos Estados Unidos, a polícia é no mínimo três vezes mais eficiente. Por aqui, o problema maior não é a legislação permissiva que atrapalha o trabalho de uma força policial eficiente. Os dados e fatos disponíveis sugerem o contrário.

Lula destaca 40 anos de democracia ao lembrar golpe de 1964 - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

É importante a reflexão sobre 1964 para que os fatos não se repitam como tragédia, ou seja, para que outra tentativa de golpe não tenha êxito

Desde a redemocratização, há 40 anos, nunca foi tão importante relembrar o golpe de 1964. Embora nossas instituições democráticas tenham revelado resiliência ao debelar a intentona de 8 de janeiro de 2023, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos envolvidos na conspiração golpista, entre os quais o ex-presidente Jair Bolsonaro, três generais de Exército e um almirante de esquadra, não é um tema pacífico no Congresso Nacional, mesmo tendo sido um dos palácios invadidos e depredados por bolsonaristas inconformados com a eleição do petista.

As articulações para aprovação de uma anistia aos envolvidos, o que inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível, são a comprovação de que o passado sombrio precisa ser levado em conta no presente. Foi o que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, sem alimentar ressentimentos em relação às Forças Armadas, que foram fundamentais para que fracassasse a tentativa de o destituir, uma semana após a posse.

“Hoje é dia de lembrarmos da importância da democracia, dos direitos humanos e da soberania do povo para escolher nas urnas seus líderes e traçar o seu futuro. E de seguirmos fortes e unidos em sua defesa contra as ameaças autoritárias que, infelizmente, ainda insistem em sobreviver”, escreveu Lula no seu perfil do X.

Bolsonaro por ele mesmo - Míriam Leitão

O Globo

Bolsonaro é um réu que facilita o trabalho da acusação, pois suas próprias declarações acabam servindo como provas contra ele

Desde que se tornou réu, Jair Bolsonaro tem se esforçado para progredir para a situação de réu confesso. A entrevista à Folha de S.Paulo vai nessa direção. Ele disse que não esperava o resultado das eleições e, por isso, passou a pensar em alternativas. O único caminho possível após uma derrota eleitoral é respeitar a decisão, reconhecer a derrota e preparar a transição. Não foi o que ele fez.

“Eu conversei com as pessoas, dentro das quatro linhas, que vocês estão cansados de ouvir. O que a gente pode fazer? Daí foi olhado lá, sítio, defesa, 142, intervenção”, disse ele à repórter Marianna Holanda. Está aí a confissão. Nada havia de anormal no país para se pensar em alternativas. As figuras constitucionais do estado de defesa e do estado de sítio têm que ter uma causa: “comoção grave de repercussão nacional”. Quem estava em comoção era ele, que “não esperava o resultado”, apesar de ter ficado atrás em todas as pesquisas, durante todo o tempo da disputa eleitoral. O problema era dele e não do país. Sobre o artigo 142, já havia encomendado uma interpretação torta, mas que evidentemente não se sustentou. Por fim, ele próprio usa a palavra autoexplicativa “intervenção” como alternativa analisada nesse momento pós- eleitoral.

Criação do Gaeco Nacional é inconstitucional - Luciano Leiro*

O Globo

Combate ao crime organizado exige atuação coordenada de instituições fortalecidas e com competências bem definidas

A recente decisão do Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF) de criar o Grupo Nacional de Apoio ao Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco Nacional) suscita graves questionamentos jurídicos e institucionais. Primeiramente, a proposta nem sequer foi amplamente debatida com as forças de segurança pública e suas associações. A medida — aprovada sem fundamentação legal e constitucional — levanta dúvidas sobre sua legitimidade e eficácia.

A Constituição Federal, nos artigos 128 e 129, delimita as competências do Ministério Público, sem prever um órgão como o Gaeco Nacional. Criado por resolução do Conselho Superior do MPF, o grupo deveria ser submetido a uma lei específica. A ausência de base legal pode abrir margem a questionamentos judiciais futuros.

Fragilidade democrática - Merval Pereira

O Globo

Nos Estados Unidos, a reação a Trump tem sido muito branda por parte do Judiciário, embora em alguns estados o presidente autocrático já tenha sofrido derrotas importantes

É surpreendente a fragilidade das instituições dos Estados Unidos diante do avanço autocrático do governo Donald Trump. A classe política demora a reagir, especialmente o Partido Democrata, que deveria ser o contraponto a esse ataque à democracia, mas até agora se mostra acovardado institucionalmente, embora alguns de seus membros, aqui e ali, comecem a explicitar críticas aos desmandos do governo, de resto considerados aceitáveis por firmas de advocacia ou universidades, que se dobram à visão de mundo trumpista.

Guardadas as proporções, o que acontece nos Estados Unidos aconteceu no Brasil, com a tentativa permanente de Bolsonaro de sobrepujar as instituições republicanas. Ao contrário de lá, porém, aqui tivemos uma reação firme não apenas da sociedade civil, como do sistema judiciário, liderado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que limitou as ações autoritárias de Bolsonaro. Nos Estados Unidos, a reação tem sido muito branda por parte do Judiciário, embora em alguns estados o presidente autocrático já tenha sofrido derrotas importantes.

Acionista majoritário do BRB vive de mesada da União – Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Oferta pelo Master vem de um banco público cujo acionista majoritário, o DF, vive de mesada da União

Na votação do pacote fiscal em dezembro do ano passado, a proposta cuja rejeição mais frustrou a estimativa de corte foi o enquadramento do Fundo Constitucional do Distrito Federal nas regras do arcabouço, que atrela a correção dos recursos à inflação. Com isso, o fundo, que custa à União R$ 25 bilhões por ano (eram R$ 15 bi em 2021), continuou a ser corrigido pela variação da receita corrente líquida da União. Foi a segunda tentativa fracassada, em dois anos, de mudar esta correção.

Convergiram pela exclusão do FCDF das regras fiscais vigentes parlamentares da direita à esquerda. Na votação do ajuste, o relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), foi efusivamente cumprimentado tanto pela deputada Erika Kokay (PT-DF) quanto pelo deputado Alberto Fraga (PL-DF). O fundo, regulamentado em 2002, aporta recursos à segurança, educação e saúde públicas do DF porque a Constituição o trata como uma unidade da federação cujos “compromissos financeiros” cabem à União.

Estados e municípios são os novos vilões do descontrole fiscal - Luiz Schymura

Valor Econômico

Nos últimos dez anos, os gastos primários trimestrais dos governos subnacionais subiram da média anual de R$ 500 bilhões no período de 2015 a 2021 para R$ 650 bilhões nos três últimos trimestres de 2024

O acompanhamento das contas públicas nacionais tem virado tema rotineiro na pauta de economia dos principais veículos de imprensa. A atenção ao equilíbrio fiscal estrutural é assunto recorrente também nos debates políticos. A cada novo dado divulgado, novas projeções e análises de técnicos especializados são aguardadas ansiosamente para que se tenha um novo norte da solidez fiscal do país. O que se constata é o governo federal contendo gastos, enquanto Estados e municípios aumentam suas despesas. Com isso, apesar de a arrecadação estar crescendo, a fragilidade fiscal não cede. Como veremos adiante, a elevação dos dispêndios dos governos subnacionais é, na verdade, a grande responsável pelo preocupante crescimento da despesa primária pública, com o agravante de trazer grandes problemas também para a gestão fiscal no futuro.

Firmas dos EUA temem retaliação e menos ganhos no exterior - Assis Moreira

Valor Econômico

Alguns setores americanos chegam a obter mais de 50% de seus ganhos nos mercados internacionais

A inquietação global aumenta à véspera do choque tarifário que Donald Trump vai impor aos países, na quarta-feira. O banco Goldman Sachs aponta risco maior de recessão no rastro de uma escalada na guerra comercial.

O banco americano diz agora esperar que Trump anuncie tarifas de 15% na média contra todos os parceiros comerciais dos EUA. Assessores trumpistas ontem falavam em alíquotas de até 20% por país.

Com seu dito ‘dia da liberação’, Trump quer ao mesmo tempo aumentar a receita fiscal com as tarifas e usá-las para impor às outras nações que baixem suas alíquotas de importação aplicadas sobre produtos americanos, ou fazer mudanças em suas políticas comerciais.

Indústria e progresso - Luiz Gonzaga Belluzzo

Valor Econômico

A manufatura contemporânea é conduzida pelo aumento do volume de dados, ampliação do poder computacional e conectividade e a emergência de capacidades analíticas aplicada aos negócios

Paul Krugman disparou um post no Substack a respeito das políticas de Donald Trump. “Este post é sobre como as políticas de Donald Trump não poderiam ‘nos tornar uma nação manufatureira novamente’, mesmo que conseguissem reduzir muito os déficits comerciais... As pessoas devem entender que seremos uma economia de serviços, não importa o que aconteça, a fixação na manufatura como a única fonte de bons empregos está desatualizada”. Esta consideração de Krugman está ancorada na concepção que privilegia as relações entre três setores: agricultura, indústria (manufatura) e serviços. Primário, secundário e terciário.

Para cuidar do tema dos três setores, seria oportuno tratar da Revolução Industrial. O historiador Carlo Cipolla escreveu: “A Revolução Industrial transformou o homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada”. A ruptura radical no modo de produzir introduziu profundas alterações no sistema econômico e social.

Dando uma banana para o Brasil - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Narrativa da perseguição busca caminho para o pedido de asilo político

Com o remake de "Vale Tudo", novela que discutiu se vale a pena ser honesto num ambiente desonesto, volta à memória o impacto do último capítulo. O empresário corrupto interpretado por Reginaldo Faria foge com a família no avião particular. Ao som de Gal Costa cantando versos de Cazuza ("Brasil, qual é o teu negócio?"), dá uma banana para o país. "Você precisa fazer um personagem fascista para que as pessoas entendam o que significa o fascismo", disse o ator numa entrevista.

Réu por ter participado dos atos golpistas de 8/1 (e facilitado o trabalho da Polícia Federal ao divulgar imagens da destruição), Léo Índio, primo dos filhos mais velhos de Bolsonaro, fugiu para a Argentina. A suspeita é que tenha pedido asilo por "perseguição política".

Trump está afundando os EUA e o mundo - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Ninguém ousa investir em um contexto tão imprevisível, e o amadorismo com que tudo é feito cobra um preço

Ninguém sabe o que virá neste "Dia da Libertação", ou seja, o pacotaço tarifário de Trump a ser anunciado nesta quarta-feira. Provavelmente nem ele. O Brasil estará no meio? Pode ser. Pode ser tudo um grande blefe que resulte em uma ou outra tarifa simbólica? Também pode.

Tudo indica, contudo, que as tarifas não sejam mero blefe ou estratégia de negociação, e sim uma real política econômica, que cumpre dois objetivos. O primeiro objetivo das tarifas é aumentar a arrecadação federal, que precisará ser compensada dados os enormes cortes de impostos prometidos por Trump. Peter Navarro, o assessor de comércio e indústria, alega que as tarifas sobre automóveis vão arrecadar US$ 100 bilhões por ano e as restantes US$ 600 bilhões. Sem elas, o governo cairá no abismo fiscal. O segundo objetivo é gerar empregos na indústria americana, reduzindo importações e estimulando a produção dentro dos EUA.

Contradição flagrante - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Ao defender liberdade de expressão e perseguir estudantes simpáticos à causa palestina, governo Trump viola princípios do liberalismo

O princípio da não contradição (PNC) tem seus limites. Ele não funciona bem para compreender fenômenos quânticos, por exemplo. Mas, no mundo macroscópico em que vivemos, ele é uma excelente apólice de seguro contra erros lógicos e físicos. De modo geral, as coisas não podem ser e não ser ao mesmo tempo.

Os efeitos benfazejos da aderência ao PNC se estendem para a vida prática. O sujeito que age de forma coerente com as ideias que defende tende a ser visto como justo, o que amplia sua credibilidade. E credibilidade é um ingrediente para o sucesso na política.

Retaliação ao 'tarifaço' - Ricardo Della Coletta

Folha de S. Paulo

Governo precisa calibrar possível retaliação para que tiro não seja de festim ou, pior, saia pela culatra

Lula disse em mais de uma ocasião que pode sobretaxar produtos americanos diante do tarifaço que Donald Trump começou a impor sobre bens do Brasil —barreiras que tendem a ser ampliadas no dia 2. A decisão sobre uma retaliação contra os EUA não é trivial e deve envolver um complexo cálculo para evitar que o tiro seja de festim ou, pior, saia pela culatra.

Os principais produtos importados pelo Brasil dos EUA são: motores e máquinas, óleo combustível, aeronaves e gás natural, além de medicamentos. Aplicar grosseiramente um imposto sobre essa pauta traria consequências econômicas indesejadas, com risco de contratar inflação.

Outra alternativa seria selecionar artigos específicos que não representam risco de danos colaterais para a economia. O problema é que, para ser crível, a retaliação precisa indicar prejuízos significativos para o país alvo das medidas. Mirar apenas numa seleta lista de bens de luxo, por exemplo, pode não surtir oefeito dissuasório necessário para forçar Trump a negociar.

A terceira opção é a retaliação cruzada sobre serviços e propriedade intelectual, arsenal que foi eficaz na disputa que Brasil e EUA travaram sobre subsídios que os americanos davam ao algodão.

‘Viralatismo’? - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Reagir a Trump com rottweiler ou vira-lata? No fundo, o Brasil está num mato sem cachorro

Bolsas, investidores e o setor produtivo estão com a respiração suspensa, no aguardo do tarifaço que Donald Trump anunciou para esta quarta-feira, 2/4, citando diretamente o Brasil, sem sinalizar quais setores, muito menos produtos. O efeito colateral da ameaça é, como em tudo, na polarização política brasileira: a oposição tenta tirar uma casquinha para culpar o governo e o presidente Lula pelas loucuras de Trump, que é autoritário, inconsequente e sem limites.

Na versão de setores privados e parlamentares, o Brasil está pagando o preço do apoio de Lula a Kamala Harris contraTrump nas eleições norte-americanas com o fechamento de canais e de diálogo entre os dois governos. O Itamaraty responde: o tarifaço contra aço e alumínio não foi contra o Brasil, mas contra o mundo, e ter ou não canais não mudou nada.

Trump ameaçou, impôs tarifas e até humilhou líderes de aliados dos EUA, como Canadá, Reino Unido, Colômbia, Argentina e Ucrânia, e já desvia as baterias para o “amigão” Vladimir Putin. De que adiantam alianças, apoios, beijação de anéis e (alegadas) portas abertas na Casa Branca, Departamento de Estado, USTR, órgãos de comércio, agricultura, segurança? As decisões na maior potência mundial são tomadas por uma única pessoa, que não abriu exceções para nada e ninguém.

Num ponto, todos no Brasil concordam: o tumulto é generalizado e não há muito o que fazer até quarta-feira. A expectativa é de que o tarifaço atinja etanol e madeira, mas está tudo muito nebuloso sobre quais setores e produtos, qual a abrangência e qual o tamanho da encrenca. Outro consenso é que reclamação na OMC, como fazem China e Canadá, é um gesto político necessário, mas sem efeito. Assim, resta ampliar as negociações e, em último caso, “reciprocidade”.

O chefe do Departamento de Estado Marco Rubio teria o primeiro contato com o chanceler Mauro Vieira nesta segunda-feira, mas houve “problemas de agenda”. O vice e ministro Geraldo Alckmin conversa com o Departamento de Comércio dos EUA. O embaixador Maurício Lyrio liderou uma delegação a Washington. As perspectivas, porém, não são claras. A fábrica de semiacabados, em construção no Alabama, vai suprir o mercado americano? Ou vão abrir cotas para o Brasil?

Sobra a “reciprocidade”, mas um especialista pondera: “O Brasil não tem cacife para retaliar os EUA. Retaliar o quê? Para quê? Para atrair uma pancada ainda mais pesada de Trump?” O Itamaraty considera “viralatismo”, mas a realidade é que o Brasil, como o mundo, está num mato sem cachorro, seja vira-lata, poodle ou rottweiler. Como enfrentar a loucura de Trump?