Valor Econômico
Oferta pelo Master vem de um banco público
cujo acionista majoritário, o DF, vive de mesada da União
Na votação do pacote fiscal em
dezembro do ano passado, a proposta cuja rejeição mais frustrou a estimativa de
corte foi o enquadramento do Fundo Constitucional do Distrito Federal nas
regras do arcabouço, que atrela a correção dos recursos à inflação. Com isso, o
fundo, que custa à União R$ 25 bilhões por ano (eram R$ 15 bi em 2021),
continuou a ser corrigido pela variação da receita corrente líquida da União.
Foi a segunda tentativa fracassada, em dois anos, de mudar esta correção.
Convergiram pela exclusão do FCDF das regras fiscais vigentes parlamentares da direita à esquerda. Na votação do ajuste, o relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), foi efusivamente cumprimentado tanto pela deputada Erika Kokay (PT-DF) quanto pelo deputado Alberto Fraga (PL-DF). O fundo, regulamentado em 2002, aporta recursos à segurança, educação e saúde públicas do DF porque a Constituição o trata como uma unidade da federação cujos “compromissos financeiros” cabem à União.
O Distrito Federal
é uma das últimas unidades da Federação a controlar um banco público, o BRB. Trata-se de uma instituição
financeira de economia mista e uma das poucas que restaram da leva de
privatizações.
Na última sexta-feira,
o BRB fez uma oferta pelo banco Master que hoje está sob
análise do Banco Central e do Cade. Propôs-se a pagar até R$ 2 bilhões por
49% das ações ordinárias. Ou seja, não obteria o
controle da instituição, que permaneceria com Daniel Vorcaro, personagem
com tapete vermelho em gabinetes estrelados do Congresso e bom trânsito com
ministros do Supremo Tribunal Federal e do Executivo.
A operação do BRB/Master
varou o fim de semana como o tema mais palpitante da República. O crescimento
acelerado do banco, captando dinheiro com uma taxa sem igual no mercado, acabou
por gerar desconfiança geral. Os recursos arrecadados eram destinados a
operações que nem sempre se mostravam rentáveis ou dependiam de decisões
judiciais, como já contou Consuelo Dieguez na “Piauí”, em
agosto do ano passado.
A saída vislumbrada para vencer a
desconfiança seria aumentar o limite dos investimentos garantidos pelo Fundo
Garantidor de Crédito. Mantido pelas instituições financeiras, o FGC ressarce
até R$ 250 mil. No segundo semestre de 2024, o senador Ciro
Nogueira (PP-PI) propôs elevar a cobertura do FGC a R$ 1 milhão.
A proposta, que logo ganhou o nome de “emenda Master”, foi
rechaçada.
A aprovação da operação pelo BC é, na
definição de um integrante do Executivo com passagem pelo mercado, o “fim do
governo Lula”. A liquidação, na visão de um dirigente de instituição
financeira, seria a melhor saída, com os investidores ressarcidos pelo FGC.
A alternativa, além de levar os bancos a terem que capitalizar o fundo
garantidor não resolve a situação de investidores institucionais como a Rioprevidência.
Quanto mais se cava nessa história, menos
se tem certeza do que o BRB teria
a ganhar com esta operação. Ainda que seus dirigentes garantam rentabilidade,
ninguém, de fato, sabe hoje qual o tamanho do passivo do Master.
O que não será resolvido, seja qual for a decisão do BC sobre a operação, é a
insustentável situação do acionista majoritário do BRB na
federação.
Como o acionista
majoritário de um banco tão capitalizado a ponto de comprar outro de patrimônio
maior que o seu precisa de um socorro anual da União de R$ 25 bi? E não apenas.
Além de custear suas políticas públicas, é a União ainda quem se encarrega dos
gastos do Distrito Federal com o Judiciário, o Ministério Público. Até o metrô
foi executado com o Orçamento federal.
Oliveira Alves Pereira Filho, com duas
monografias sobre o Fundo Constitucional do Distrito Federal premiadas
pelo Tesouro Nacional, compara o DF ao filho adulto que vive de mesada. Como o dinheiro sobra e não vem do seu próprio suor, pode
se dar ao luxo de desperdiçá-lo.
Ao cotejar os indicadores de segurança
pública do DF com outras unidades da Federação, Pereira Filho diz que o fundo
chega até a piorá-los porque permite um gasto perdulário com o maior salário do
país e aquisições desnecessárias, não se importando em aumentar a eficiência de
sua gestão. O 8/1 que o diga. A despesa per capita
com segurança na capital federal supera em cinco vezes a média dos demais
Estados.
Além do FCDF, o
Distrito Federal, por ter competências tributárias de Estados e municípios,
acumula os repasses federais de um e de outro, como o FPE,
o FPM, o Fundeb e os recursos
destinados ao SUS. Isso faz com que o Distrito Federal
tenha uma receita total per capita equivalente a mais do que o dobro da média
nacional e três vezes a média do Nordeste.
A engenharia orçamentária montada para
viabilizar a autonomia do Distrito Federal, na verdade, deu na anomalia
federativa e no BRB. A proposta para a compra do Master nasceu desta
abundância.
A receita sem precedentes do Distrito
Federal não evitou que em suas cidades satélites se aglomerassem algumas das
maiores favelas do país. Permitiu, porém, que o GDF tivesse folga de caixa para
capitalizar o BRB e
viabilizar uma proposta para que o Master continue com as práticas que levaram
à ascensão e queda de um meteoro do mercado financeiro cuja trajetória
fulgurante fez a alegria de muitas carreiras - públicas e privadas - em
Brasília e além.
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