sábado, 5 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Regras para ações policiais em favelas do Rio são razoáveis

O Globo

Decisão do STF equilibra necessidade de enfrentar criminosos e proteger inocentes dos tiros da polícia

Diante da situação crítica na segurança no Rio de Janeiro, fez bem o Supremo Tribunal Federal (STF) em flexibilizar as normas para operações policiais nas favelas, impostas em 2020, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, a ADPF das Favelas. Embora elas não proibissem as incursões, na prática engessavam o trabalho da polícia. Foram alvo de críticas do governo do estado e da prefeitura carioca. Em decisão consensual, a Corte retirou a exigência de excepcionalidade para as ações. Caberá à própria polícia avaliar quando são necessárias. É mais sensato.

Foi acertada também a decisão de acabar com restrições a helicópteros. Evidentemente, eles devem ser usados com cautela, mas a polícia não pode abrir mão de um recurso essencial no enfrentamento a criminosos cada vez mais bem armados. O poder de fogo dos bandidos ficou claro no mês passado, quando o copiloto de um helicóptero da polícia levou um tiro na cabeça ao sobrevoar uma comunidade.

Polarização e democracia - Marcus Pestana

A democracia é invenção humana. Portanto, não é perfeita. É experiência coletiva. Aprendizado social permanente. Tentativa e erro. Avanços e retrocessos. Envolve cidadãos, partidos políticos, organizações da sociedade civil e instituições de governo. Três poderes independentes. Embute sempre, diferente das longevas ditaduras, a possibilidade de autocorreção a partir das legítimas pressões e críticas da oposição, da imprensa, dos líderes sociais e através da alternância no poder. Dispõem de freios e contrapesos contra toda e qualquer tentativa autoritária. Pressupõe o respeito aos adversários políticos, o reconhecimento de sua legitimidade. A Constituição e as leis estão acima de todos. Pressupõem a contenção no exercício do poder.

A democracia parecia a grande ideia vitoriosa ao final do século XX. Experiências totalitárias à direita e à esquerda foram derrotadas. O nazifascismo e o stalinismo foram amplamente repudiados. Remanesceram governos autoritários na China, Coréia do Norte, Vietnã, Cuba, Venezuela, Rússia e em diversos países africanos e do Oriente Médio. Mas a democracia estava consolidada na maioria e nos principais países do Mundo, exceto China e Rússia.

É a segurança, estúpido! - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

É fundamental que todos compreendam que a questão se tornou uma prioridade absoluta para a população

Os altos índices de criminalidade constituem o principal problema do país, conforme os dados da última pesquisa de opinião realizada pela Genial/Quest. Pela primeira vez, na série histórica, o tema da violência superou questões como desempregosaúde ou a economia. O dado não surpreende. Milhões de brasileiros são expostos diariamente ao medo e à brutalidade da violência. Apesar da gravidade e persistência desse problema, os esforços para conter a criminalidade ao longo das últimas décadas foram insuficientes.

A responsabilidade pela violência endêmica que nos afeta deve ser atribuída a boa parte dos políticos, em especial aos governadores. Salvo louváveis exceções, pouco se fez para enfrentar os interesses corporativos e modernizar o sistema de segurança e justiça no Brasil. Governos de centro, de direita e de esquerda foram, no mínimo, omissos na promoção das necessárias reformas.

‘Adolescência’ cria pânico moral nos progressistas – Pablo Ortellado

O Globo

Estamos mesmo diante de uma epidemia de misoginia adolescente? Não há evidência disso

A minissérie “Adolescência”, na Netflix, tornou-se um dos assuntos mais comentados nas últimas semanas. Ela conta a história (fictícia) da prisão de um menino inglês de 13 anos, acusado de assassinar uma colega, aparentemente movido por um impulso misógino. A trama investiga como a escola, a família e a cultura da internet podem ter colaborado para a tragédia.

A minissérie não apenas emocionou espectadores — também disparou um alarme. Mas será que esse alarme está baseado em fatos ou é apenas um pânico moral, alimentado por setores progressistas da sociedade?

Trump contra a globalização – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Com o preço mais alto, certamente haverá menos consumidores em condição de pagar. Isso é desaceleração, desemprego

Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), definiu assim a situação econômica após o tarifaço de Trump: "Altamente incerta".

As possíveis consequências da guerra tarifária confirmam. A coisa toda pode resultar em inflação nos Estados Unidos (e nos países que também elevarem suas tarifas) e desaceleração da economia americana e mundial, dada a queda inevitável no comércio global. Alguns analistas já falam em possível recessão. Daí a incerteza nas expectativas: inflação subindo exige que os bancos centrais aumentem ou mantenham taxas de juros elevadas. Se o problema principal for a recessão, a receita é invertida: juros para baixo. Que fazer se as duas coisas acontecerem juntas?

Hermínio, o timoneiro - Eduardo Affonso

O Globo

Decorrido um século, se ainda houver civilização, haveremos de falar de Hermínio Bello de Carvalho

A coluna da semana passada seria sobre Hermínio Bello de Carvalho, que, na véspera (28/3), completara 90 anos. Na última hora, a política atropelou a música, e o assunto acabou sendo Débora Rodrigues e Alexandre de Moraes. Foi mal. Sei que mais cedo ou mais tarde/ Vai ter um covarde pedindo perdão, lembra Hermínio, ao som de Jacob do Bandolim.

Em cinco anos, não nos lembraremos mais da patriota do batom. Daqui a 50, o superministro deve estar tão esquecido quanto os que esvoaçavam suas togas no plenário 50 anos atrás. Mas, decorrido um século, se ainda houver civilização (com Trump, Putin, Xi e Kim à solta, nunca se sabe), haveremos de falar de Hermínio Bello de Carvalho. Porque a arte é longa — breve é a vida.

Onde foi que erramos? - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

A força de sentimentos de discórdia ou de concórdia como balizadores do comportamento social declinam de forma acelerada

Diversos países têm um livro de referência ao qual os cidadãos, de tempos em tempos, recorrem para retemperar seu entendimento da sociedade em que vivem.

O exemplo hors-concours é, com certeza, a França, que compartilha com os Estados Unidos a obra-prima de Alexis de Tocqueville A Democracia na América (1835). O Brasil é um caso especial. Para identificar o “nosso” livro, devemos, primeiro, descartar a geração dos críticos da Constituição Republicana de 1891, quase todos medíocres e propensos a ouvir o canto de sereia de Mussolini. Depois da Segunda Guerra, sim, passamos a contar com autores do quilate de Victor Nunes Leal, Raymundo Faoro, Simon Schwartzman e José Murilo de Carvalho. Mas, sem demérito para nenhum desses, penso que o status de “clássico” cabe ainda a Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936 e diversas vezes reeditado.

O correto enquadramento dos fatos - Miguel Reale Júnior

O Estado de S. Paulo

O exame dos fatos deve ser a fonte indicativa da tipificação precisa, a produzir, então, reprimenda justa e proporcional

Hoje, conhecida a trama que redundou na tentativa de golpe, percebe-se que atos desatinados de Bolsonaro, desde abril de 2020, constituíam plano bem urdido visando a anular eleição eventualmente perdida.

Para a denúncia, “especificamente em relação ao sistema eletrônico de votação e aos ministros do Supremo Tribunal Federal/Tribunal Superior Eleitoral, as ações da célula de contrainteligência intensificaram-se a partir da radicalização dos discursos públicos de Jair Bolsonaro, em meados de 2021, caracterizando o início coordenado da execução do plano maior de ruptura com a ordem democrática”. Destaque-se que Bolsonaro chegou a impor às Forças Armadas para não concluírem pela regularidade das urnas eletrônicas.

O plano previa intervir no Tribunal Superior Eleitoral, anular o resultado das eleições e convocar novas, sendo Bolsonaro consagrado em farsa eleitoral “auditável”.

Trump pode levar os EUA a papel secundário - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Presidente americano evoca o fim do século 19 para conduzir política econômica, mas esquece que país não tinha protagonismo

Desde 2017, EUA pararam os esforços para expandir o comércio, mas outros países fizeram o oposto

O Dia da Libertação é um nome oportuno para a política do presidente Donald Trump de impor novas tarifas massivas sobre produtos de todo o mundo. Ele considera os EUA uma colônia vitimizada, explorada por outros países que lhes roubaram empregos, indústrias e dinheiro. “Nosso país e seus contribuintes foram enganados por mais de 50 anos”, disse ele ao anunciar seus planos, na quarta-feira.

Seus asseclas, como o vicepresidente J.D. Vance e o secretário de Comércio Howard Lutnick, repetem essa percepção como papagaios, definindo a imagem de um país destituído, com fábricas esvaziadas, trabalhadores desempregados e salários estagnados.

A realidade é o oposto. E somente porque é o oposto – em outras palavras, por causa do poder econômico inigualável dos EUA – Trump é capaz de tentar sua política tarifária. O peso econômico dos EUA lhe permite tentar forçar o restante do mundo a se curvar à sua vontade. Mas Trump está usando o poder americano de uma forma tão arbitrária, destrutiva e burra que isso quase certamente resultará em um desfecho “perde-perde” para todos.

Espaço vital - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Os Estados Unidos querem retomar seu protagonismo, decidiram se fechar para demonstrar sua capacidade de influir nos destinos da humanidade

A minha geração entendia que a época de um governante invadir outro país já tinha passado. Hitler justificava a necessidade de expandir a área do território alemão como "espaço vital". Esse argumento permitiu que ele anexasse a Áustria, parte da Tchecoslováquia e depois invadisse a Polônia e a União Soviética. Mas o que Putin faz hoje é algo semelhante: ele precisa anexar a Ucrânia — que, segundo a versão oficial russa, sequer existe — para criar um cordão sanitário ao redor de seu território. Ele pretende recriar o território da extinta União Soviética.

Trump, protecionismo e a história como farsa - Leonardo Weller*

Folha de S. Paulo

É bem capaz que o presidente americano pague um preço amargo pela barafunda saudosista em que está se metendo

Donald Trump chocou o mundo com o surpreendente pacote protecionista anunciado no dia 2 de abril, data por ele batizada de "Dia da Libertação". Segundo a revista britânica The Economist, a tarifa média dos EUA deve se elevar dos atuais 2% para nada menos do que 24%, patamar inconcebível há décadas. O presidente apresenta seu violento tarifaço como um retorno ao passado. Reiteradamente Trump afirma que altas tarifas servirão para reindustrializar seu país, fazendo a América "great again".

Há um fundo de verdade no saudosismo protecionista de Trump. No entanto, como é de praxe com idealizações da história que tentam trazer o passado para o presente, também há muito de engodo e cilada nesta tentativa de guinada autárquica.

O dilema de Lula - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Diante da deterioração da popularidade, presidente precisa decidir logo se será ou não candidato à reeleição

Pesquisa Quaest mostrou que a perda de popularidade do governo Lula continua em curso. A desaprovação bateu nos 56%, contra 41% de avaliações positivas. Em janeiro, essas taxas eram de 49% e 47%.

Daria para organizar uma série de seminários acadêmicos para tentar entender o que está acontecendo. É um fenômeno complexo. Mas parece seguro dizer que não estamos apenas diante de um problema de comunicação, de um governo que produz ótimos indicadores macroeconômicos e tem bons programas sociais, mas não consegue informar a população de suas realizações. A gestão Lula trabalha com esse diagnóstico há meses, vem atuando em conformidade com ele, e os índices de popularidade só pioraram.

Quem chora por último - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Trump vê o déficit comercial como sinal de fraqueza e prova de que o resto do mundo extorque seu país, mas a verdade é o oposto disso

Big Bang: no "Dia da Libertação" de Trump, os EUA saltaram da condição de economia mais aberta à de uma das mais protegidas do planeta. À nova tarifa universal de 10% somam-se "tarifas recíprocas" definidas por critérios mercantilistas contra seis dezenas de parceiros comerciais. É uma "bomba nuclear no sistema global de comércio", na definição de Ken Roggoff, ex-FMI.

No mundo real, baseado na regra de "nação mais favorecida" estabelecida pelo GATT em 1947, cada país fixa tarifas universais por grupos de produtos (as exceções positivas são os acordos de comércio e as negativas, os regimes de sanções comerciais). Contudo, no universo paralelo trumpiano, expresso numa tabelinha de percentuais emanada da Casa Branca, existiriam tarifas aplicadas por cada país "sobre os EUA". As tais "tarifas recíprocas" são a réplica de Trump não a barreiras tarifárias mas a superávits comerciais de seus parceiros.

A COP da educação - Cristovam Buarque

O caminho para o zelo ambiental precisa vir das escolas

As sucessivas reuniões e acordos internacionais ambientais desde 1972 foram insuficientes para reorientar a humanidade na direção do desenvolvimento sustentável. O futuro da Terra pede uma mudança de mentalidade aos cidadãos. Os cientistas alertam que, apesar de termos atravessado 29 cúpulas, hoje chamadas de COP, Conferência das Partes, é possível estarmos próximo ao ponto de não retorno nas mudanças climáticas, na devastação da biodiversidade e na elevação da temperatura do planeta, com consequências catastróficas. A COP30, em Belém do Pará, poderá ser mais um evento mundial de boas intenções.

As duas anistias do bolsonarismo - Cláudio Couto

O perdão judicial é incerto, mas o perdão político está em curso com a normalização da extrema-direita e do golpismo

A medida que avança no STF o julgamento dos golpistas do bolsonarismo, cresce no Congresso e nas ruas a mobilização em torno de uma possível anistia. Buscando legitimar o perdão aos golpistas, a ultradireita foca seus esforços nos condenados pela intentona do 8 de Janeiro, estejam presos ou foragidos da justiça. É mais fácil tentar justificar o perdão a um bando de palermas manipulados pelos artífices do golpe do que isentá-los de responsabilidade.

Os palermas, contudo, não são meros inocentes úteis. São gente que, antes de invadir e destruir as sedes dos Três Poderes, acampou por semanas diante de instalações militares, clamando pelo cometimento do maior dos crimes, o golpe de Estado. Este é o maior dos crimes porque não se limita à transgressão pontual de alguma lei. Em vez disso, busca derrubar o próprio Estado de Direito, sem o qual nenhuma lei legítima vigora. Se tanto, após um golpe passa a viger uma pretensa legalidade, imposta por usurpadores que alegam legitimar a si mesmos graças a terem sido vitoriosos no emprego da violência para derrocar a ordem legal sob o pretexto de uma ilusória “causa justa”.

O Estado como coisa - Aldo Fornazieri

Subjugar o Legislativo e entrar em guerra contra o Judiciário estão no âmago da estratégia de governos autoritários

Se há uma palavra para caracterizar o início do segundo mandato de Donald Trump, essa é ­“caos”. Ninguém consegue perceber claramente, nem mesmo trumpistas próximos do presidente, qual o sentido e o rumo que ele pretende imprimir ao governo e ao país. As decisões ora parecem ter sentido, ora parecem ter sentido nenhum. Não só os norte-americanos em geral estão açodados pelo medo, mas até republicanos e gente próxima do presidente se sente amedrontada em agir e em relação ao futuro.

Alguns cientistas políticos afirmam que Trump se move como se não tivesse a menor noção de Estado de Direito. Outros dizem que ele ignora peremptoriamente a Constituição. Exemplos não faltam: a Constituição garante a cidadania para quem nasce no solo dos EUA, mesmo se filho de estrangeiro e, nesse caso, ele a suspendeu. A Carta Magna proíbe mais de dois mandados a presidentes e ele afirma a intenção de buscar um terceiro.

Trump ataca as universidades - Luiz Gonzaga Belluzzo

A investida da Casa Branca foi recebida com temor e passividade

O New York Times registrou as agressões de Donald Trump às universidades norte-americanas: “O governo (…) transformou promessas de campanha de atacar universidades em ações devastadoras, retirando centenas de milhões em fundos federais da Universidade Columbia e da Universidade da Pensilvânia.”

Essa investida do Doido Trump foi recebida com temor e passividade balbuciante pelos gestores das universidades atacadas. A reportagem do Times assinala que, nos últimos meses, Harvard se moveu cautelosamente, buscando um acordo e reprimindo a liberdade de expressão. A passividade adaptativa “irritou alguns que temiam que Harvard estivesse capitulando em um momento de autoritarismo crescente”.

Poesia | Poema da Velhice, de José Saramago

 

Música | Bossa Nova Sinfônico - Mais que nada (Jorge Benjor)