segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

Na cena política aberta à nossa frente não há como negar que o longo ciclo da modernização conservadora chegou ao fim nesta triste sucessão presidencial. O passado não mais ilumina, como diria um grande autor, e não se pode ser mais fiel a ele. Reflexividade não é um conceito da moda entre cientistas sociais, mas uma exigência do tempo presente que requer de cada um de nós a escolha do caminho a seguir quando nos devemos soltar do que nos aparecia como destino de um país do Terceiro Mundo e dele prisioneiros. Sem os intelectuais não faremos isso.
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Sociólogo, PUC-Rio. ‘A hora dos intelectuais’, O Estado de S. Paulo, 4/11/2018.

Fernando Gabeira: Crônicas do ensaio geral

- O Globo

A fusão de Meio Ambiente e Agricultura suscitaria acusações do tipo raposa tomando conta do galinheiro

Numa antiga peça de Harold Pinter, dois andarilhos entram, de repente, na cozinha de um grande restaurante. Subitamente, começam a ouvir pedidos de pratos sofisticados. Aturdidos, olham para o embornal e percebem que há em suas modestas provisões um pão, uma fruta talvez.

Cada vez que vejo uma equipe nova assumir o governo, lembro-me dos andarilhos aturdidos por sofisticadas demandas a que não podem atender. Quando Bolsonaro apareceu diante da câmera, ao vencer as eleições, tinha apenas uma bandeira do Brasil, levemente torta, colada com durex na parede. No passado, candidatos contratavam hotéis, posavam diante de grandes painéis, e suas imagens eram transmitidas em alta definição.

Isso só aumentou em mim a suspeita de que, apesar de sua força descentralizada na sociedade, a campanha de Bolsonaro era modesta e artesanal. Basta lembrar que, nos últimos dias, todos os principais atores do grupo foram silenciados. Compreendo que isso era para não causar polêmicas. Teoricamente, nos últimos dias, todos falam porque o o objetivo central é persuadir.

Bolsonaro tem noção dos limites. Num culto religioso, ele afirmou que pode não estar bem preparado, mas Deus capacita os escolhidos. Acho que a fé ajuda, suscitando energia, resiliência e até compaixão. Nesse sentido, a fé ilumina.

Demétrio Magnoli: Você disse ‘Dois Brasis’?

- O Globo

O mapa eleitoral do segundo turno reproduz, em cores ainda mais nítidas, a polaridade regional de 2014. Bolsonaro triunfou, quase sempre por largas margens, no Centro-Sul e nas suas extensões amazônicas. O PT venceu, avassaladoramente, no Nordeste e na Amazônia “tradicional”. A fronteira geográfica do voto foi traçada em 2006, na reeleição de Lula, e sedimentou-se nas duas eleições presidenciais seguintes. A velha tese dos “Dois Brasis”, enunciada pelo sociólogo francês Jacques Lambert em 1957, emerge como profecia oracular. Desconfio, porém, que o brilho intenso do mapa regional binário sinalize a sua explosão. A cartografia política de 2018 funciona como diagnóstico, não como prognóstico.

São raros os países, como EUA e Itália, que exibem persistentes padrões regionais de voto. O Brasil não teve nada parecido com isso até o ciclo de poder lulopetista. Lula triunfou no país todo (menos em Alagoas) em 2002. Depois, porém, o lulismo perdeu a maior parte do eleitorado do Centro-Sul, enquanto ampliava sua hegemonia no Nordeste. A derrota de Haddad marcou a conclusão do percurso, com a transferência de Minas Gerais e do Rio de Janeiro para o campo antipetista. De certo modo, é Lambert que venceu as eleições de 2018.

A tese binária da oposição entre um “Brasil moderno” e um “Brasil arcaico” está refletida no mapa do voto por município. Nele, aparecem tanto os bastiões remanescentes de voto petista em bolsões deprimidos do Centro-Sul (sul do RS, norte de MG) quanto as veredas do voto antipetista nos eixos de expansão da fronteira agrícola na Amazônia (sul do PA, RO, AC). O gráfico de dispersão do voto segundo o IDH confirma a natureza da polaridade expressa no mapa: Bolsonaro venceu em 97% dos municípios de maior renda; Haddad, em 98% do municípios de renda menor. A correlação voto/ renda é tão brutal quanto a voto/região —e a primeira explica a segunda.

Cacá Diegues: Uns choques necessários

- O Globo

Na democracia, a maioria escolhe os que comandarão a sociedade, mas também os que vão fazer oposição

O Partido dos Trabalhadores conseguiu produzir, em crescendo, uma autoimagem negativa para seus aliados naturais e eleitores de sempre. A alta auto-concentração de seus projetos, a ausência de autocrítica, o culto à personalidade sem limites, o fracasso espetacular do governo Dilma e a arrogância apesar de tudo fizeram do PT um alvo prioritário de eleitores irritados. Os inúmeros erros desde o mensalão, negados sem explicação conveniente e com intransigência autoritária, acabaram por contagiar tudo o que vinha dali. Inclusive a cândida candidatura de Fernando Haddad.

Em grande parte do voto majoritário que elegeu o novo presidente, deve estar a rejeição a um partido político que, apesar de anos no poder, quase nunca realizou o prometido, enquanto anunciava sua excelência como representante das classes populares e exibia uma velha liderança que, ao contrário do que já fora, se tornara populista, personalista e cheia de ambiguidades. O PT se tornaria assim eleitor involuntário de um candidato conservador que se dispunha a acabar, na marra, com a corrupção no serviço público, principal razão da miséria brasileira da qual o próprio Partido dos Trabalhadores fazia parte.

Mesmo que não concordemos com as ideias e com o programa dos vencedores, não podemos esquecer que eles foram eleitos pelo voto popular, uma maioria indiscutível do país. Mas, numa democracia, não é por ser maioria que eles se tornam inquestionáveis. Temos o direito de discordar, desejar para o Brasil um outro futuro que não aquele que anunciam. Numa democracia, a maioria escolhe os que vão comandar a sociedade, mas também aqueles que vão lhes fazer oposição, mantendo sempre acesa a possibilidade de a minoria estar eventualmente com a razão. É para isso que existem os outros, os que não pensam como eles, que não são iguais a eles.

Marcus André Melo: Como viemos até aqui

- Folha de S. Paulo

As questões redistributivas no país não foram eclipsadas pelas identitárias

O que Brexit, Trump, Erdogan, Duterte e Bolsonaro têm em comum? Muito pouco.

Analistas têm subsumido fenômenos inteiramente heterogêneos em uma onda conservadora, conceito de escassa tração analítica, a não ser quando aplicado a domínios restritos.

Trump e o Brexit refletem, de fato, um movimento comum de “globalization losers” (perdedores da globalização).

Se na Europa e nos EUA a globalização produziu deslocamentos sociais —declínio e crise de antigas regiões industriais e violento recrudescimento da imigração para países ricos—, engendrando crise de representação política e populismo, no Brasil e na América Latina, o efeito foi outro.

A globalização e a ascensão da China provocaram entre nós um boom de commodities que teve efeito avassalador. Some-se a isso a descoberta do pré-sal, que magnificou o efeito “maldição de recursos”.

No plano da representação política, as questões redistributivas não foram eclipsadas pelas identitárias. Conferir centralidade à guerra cultural (forte nas das democracias avançadas) no caso brasileiro constitui grave equívoco interpretativo.

Celso Rocha de Barros: E aí, Moro? Qual vai ser?

- Folha de S. Paulo

Há bons testes de sua convicção democrática que podem ser aplicados já hoje

A decisão de Sergio Moro de aceitar o Ministério da Justiça no governo do sujeito que só ganhou porque o Lula foi preso é, enfim, leiam essa frase de novo, e levem em conta que ela saiu nos principais jornais do mundo.

Moro no governo Bolsonaro trinca a imagem da Lava Jato e dificulta a vida de quem defendia a operação diante da esquerda.

Mas isso tudo é discussão pré-Bolsonaro.

Até o dia 28, estávamos preocupados com instituições, com partidos, com programas, com nossa imagem externa. Agora todos os cenários otimistas já sumiram no retrovisor, e sobrou a tarefa de conter isso aí até a eleição de 2022.

Há quem diga que Moro ministro poderia moderar Bolsonaro, e conter a escalada autoritária que o novo presidente evidentemente pretende iniciar em breve. Se for verdade, é o que importa em nossa situação atual, que é muito ruim.

Antes de discutirmos é provável que Moro modere Bolsonaro, é bom dizer que é possível.

Moro é mais popular que Bolsonaro, e Bolsonaro foi eleito surfando a onda da Lava Jato. Custaria muito, muito caro para Bolsonaro demitir Moro. O ex-juiz tem ampla margem para contrariar, frustrar ou ofender Bolsonaro antes de ser demitido.

Mas Moro quer controlar Bolsonaro?

Eugênio Bucci: Macarthismo e mau-caratismo

- Folha de S. Paulo

Brasil transita em direção a uma cultura da violência

O senador americano Joseph McCarthy (1908-1957), republicano, virou o ícone da sanha anticomunista que tomou conta dos Estados Unidos entre os anos 40 e 50. A ordem democrática não foi oficialmente quebrada, mas quase.

O "macarthismo" foi uma santa inquisição sem batina, perseguindo fanaticamente escritores, roteiristas, atores e jornalistas, sem prova. Queimou reputações e estripou a honra de suas vítimas, numa campanha trágica e ridícula, de uma só vez. Não tinha justificativa, mas tinha um contexto: a Guerra Fria.

O planeta se dividira entre comunismo e capitalismo. O Tio Sam temia que a União Soviética infiltrasse na "América" seus agentes malignos disfarçados de pessoas aparentemente "normais", como na série de televisão "Os Invasores". Era preciso incinerá-los. O cidadão pacato podia ser o inimigo "disfarçado".

Na ditadura militar brasileira, os governantes, convencidos de que a política era a continuação da guerra, destroçaram famílias, vidas e esperanças sob o pretexto imundo de combater o "inimigo interno", que estaria a serviço do "inimigo externo". O resultado foi uma farsa grotesca e sanguinária que, além de não ter justificativa, não tinha nem contexto.

Agora, com a vitória de Jair Bolsonaro, ganha estridência no Brasil uma fúria anticomunista de cunho patrioteiro, religioso, moralista --e anacrônico. Seus agentes gritam em defesa dos costumes da "família". Não admitem que adolescentes vejam beijos homoafetivos em livros ou na televisão, embora declarem não ter "nada contra" a "opção" (outro sem sentido) homossexual. Invocam o nome de Deus como cruzados. Consideram imorais as novelas da Globo.

Vinicius Mota: Quem não teve Blair terá Thatcher

- Folha de S. Paulo

Quando a centro-esquerda não compreende o mundo, arrisca-se a ter Paulo Guedes como resposta

A democratização brasileira, observada pelas lentes da economia política, obedeceu a ciclos relativamente identificáveis. Coalizões que favoreceram soluções caseiras e autonomistas se alternaram com outras mais conectadas aos consensos técnicos e acadêmicos globais.

As transições entre um movimento e outro, curiosamente, sempre ocorreram dentro da mesma gestão. Os desastres de seguidos planos econômicos voluntaristas levaram o presidente José Sarney a alterar a linha de ação no final do seu mandato.

Com o breve e traumático interregno da passagem de Zélia Cardoso de Mello, no início da administração Collor, a conexão com o que o conhecimento produzia de mais consensual no planeta continuou prevalente até meados da gestão Lula.

Em meio ao frenesi da descoberta de petróleo abundante nas profundezas do leito marítimo —e às vultosas intervenções dos países ricos e da China para evitar uma depressão após a debacle financeira de 2008—, a orientação aqui mudou outra vez.

Leandro Colon: A Casa Civil de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Pasta é bem maior que biografia de Onyx Lorenzoni. Deputado terá de surpreender no cargo

O governo Bolsonaro começa a atuar oficialmente nesta segunda-feira (5) em Brasília com a nomeação do deputado Onyx Lorenzoni como ministro extraordinário para coordenar o processo de transição.

Filiado ao DEM do RS, o futuro chefe da Casa Civil é figura conhecida no Congresso há mais de uma década. Ganhou visibilidade inicial em 2005, logo no primeiro mandato, quando dividiu com os então deputados ACM Neto e Eduardo Paes o palanque da gritaria oposicionista da CPI dos Correios, que investigou o mensalão no governo Lula.

“O que diferencia as pessoas é se elas são corruptas ou não são corruptas, se são éticas ou não são éticas. Se têm padrões morais sérios ou se não têm padrões morais”, disse Onyx em sessão daquela comissão.

Doze anos depois, ele admitiu ter recebido R$ 100 mil em caixa dois da JBS na campanha de 2014 (a empresa, em delação, mencionou R$ 200 mil).

Mesmo tendo liderado a bancada do partido por um período, Onyx nunca foi um personagem do primeiro escalão de comando do DEM. Alijado do pelotão de frente, construiu o próprio caminho na Câmara.

Cláudio Gonçalves Couto: O papel do STF no bolsonarismo de coalizão

- Valor Econômico

Proteção do STF às universidades pode ser um prenúncio

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, sinaliza desde a campanha para um novo modo de construir maiorias legislativas. Em vez de seguir o protocolo de todos os governos brasileiros no período pós-transição democrática, não construiria coalizões partidárias no Congresso. No lugar delas, optaria por negociações transversais, alicerçadas sobre as bancadas temáticas organizadas no Legislativo - no caso dele, notadamente, a ruralista, a evangélica e a da segurança pública.

Na avaliação do presidente eleito, tais apoios seriam suficientes para aprovar medidas caras aos membros dessas bancadas, como a flexibilização da legislação ambiental e a criminalização do Movimento Sem-Terra, a implantação de uma agenda de "moral de bons costumes" que passe pelo controle estrito do ensino e o endurecimento no tratamento com a criminalidade. Como tais bancadas se mostram favoráveis aos itens dessas pautas, o apoio já estaria em boa medida assegurado.

Claro que além dessas questões, há também outras, de grande importância, que passam em boa medida ao largo dessas clivagens particulares e, consequentemente, requerem costura de tipo distinto. A mais notável delas é a reforma previdenciária, seja qual for o formato que assumir. Os percalços do governo Temer no encaminhamento dessa agenda, antes ainda que fosse colhido pelo tsunami do escândalo da JBS, mostram como é difícil aprovar temas espinhosos mesmo a um governo hábil para lidar com o Congresso.

Angela Bittencourt: Em 3 dias, 5 ministros e pressões setoriais

- Valor Econômico

EWZ iShares Brazil ETF: concentração de apostas na queda

Jair Bolsonaro, presidente eleito do Brasil, é um homem de espírito tripartite. Na semana passada, a primeira de trabalho após a vitória no 2º turno com 58 milhões de votos, cometeu algumas proezas. Em três dias nomeou cinco ministros para o seu gabinete que deve ter no máximo 17. Nele já estão representados os Três Poderes da República e um ativo "núcleo" para tomada de decisões rápidas para a transição e o andamento do programa de governo que, naturalmente, passará por ajustes.

Ao aceitar o convite de Jair Bolsonaro para ocupar o futuro Ministério da Justiça e Segurança Pública com a intenção de seguir uma cartilha implacável contra a corrupção, o juiz Sergio Moro deixa 22 anos de magistratura e alinha-se ao presidente eleito, capitão reformado do Exército, e ao vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, hoje na reserva. Preenchem os demais cargos do primeiro escalão, economistas, engenheiros, advogados, ao menos um deputado e o astronauta - também engenheiro - que comandará o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Indicação política, até agora, nenhuma.

Gustavo Loyola: E agora, Jair?

- Valor Econômico

Com a visão ultra liberal de Guedes, seria de se esperar uma agenda mais agressiva de privatizações e concessões

Durante a campanha, ao escolher Paulo Guedes para seu principal assessor econômico, Jair Bolsonaro aparentemente abraçou uma agenda liberal distante, portanto, da orientação que prevaleceu durante os governos petistas. Nas próximas semanas, perceberemos com maior nitidez os contornos do que será a política econômica nos quatro anos de seu mandato presidencial. Caso prevaleça a visão liberal de Guedes, o Brasil tem uma janela de oportunidade para a realização das reformas necessárias para melhorar o ambiente de negócios, acelerar o crescimento da produtividade e elevar os investimentos.

O impeachment de Dilma significou uma guinada importante na política econômica prevalecente nos governos petistas. Temer conseguiu formar uma excelente equipe econômica e foi possível colecionar muitos avanços durante sua gestão. Infelizmente, dificuldades políticas trazidas pelo envolvimento do presidente em denúncias graves de corrupção prejudicaram o aprofundamento da agenda de reformas, principalmente no que diz respeito à Previdência Social.

Desse modo, sob o ângulo estrito da política econômica, a administração de Bolsonaro se caracterizará mais pela continuidade do que pela ruptura. A rigor, considerando a visão ultra liberal de Guedes, seria de se esperar uma agenda mais agressiva de privatizações e concessões, assim como de reformas microeconômicas, sem deixar de lado a manutenção da responsabilidade fiscal e monetária e a realização da reforma previdenciária.

Cida Damasco: Primeiros sinais

- O Estado de S.Paulo

Ministérios, Previdência, impostos. Nova equipe busca discurso comum

O presidente eleito Jair Bolsonaro entra na sua segunda semana pós-segundo turno ainda comemorando o golaço de Sergio Moro no superministério da Justiça. Mas tem pela frente a tarefa de desfazer alguns desacertos no seu programa de governo, principalmente na área econômica. Ninguém espera que um presidente recém-eleito tenha um projeto de governo pronto e acabado.

Para preencher os vazios, com alterações ou contribuições de parceiros, servem inclusive os dois meses de transição até a chegada ao Planalto. Ainda mais quando se trata de uma espetacular virada no quadro político, como a protagonizada por Bolsonaro, que abriu espaço para novos personagens não só no Planalto, como nos governos estaduais e no próprio

Congresso. Mesmo assim, não convém deixar que mensagens transmitidas ao País nesse período sejam contraditórias, até porque se o quadro político é novo, o econômico está aí há um bom tempo à vista de todos, com problemas mais do que identificados exigindo soluções certeiras.

Pelo menos duas grandes fontes de discordâncias e/ou indefinições dentro do time de Bolsonaro chamam a atenção nesse primeiro momento. A primeira diz respeito ao enxugamento de ministérios, de 29 para praticamente a metade. Promessa recorrente de vários outros governantes, a fusão de ministérios, além de não trazer o corte de gastos imaginado, sempre acaba atropelada pela necessidade de fazer valer o “presidencialismo de coalização”, que na prática resulta no tal loteamento de cargos. Porém, mesmo que Bolsonaro consiga de fato se descolar dessa lógica na chegada ao Planalto, também impressionam critérios para definir o perfil de algumas pastas que vão vingar depois do redesenho.

Eleição testa pesos e contrapesos da democracia: Editorial | O Globo

Mecanismo de equilíbrio do regime demonstra seu funcionamento no pleito

As eleições presidenciais de 1989 foram acompanhadas de alguma tensão. Era a primeira pelo voto direto depois dos 21 anos de ditadura militar. A campanha do candidato Fernando Collor de Mello tinha alguma agressividade e havia o ineditismo do enfrentamento aberto, democrático, entre a esquerda, por meio de Lula, e um representante da direita. Antecedeu, de certa forma, 2018.

O clima de tensão deste pleito, no entanto, foi o mais denso entre as eleições diretas depois da redemocratização. Formou-se um cenário perfeito para o aguçamento dos choques entre grupos políticos. Com o risco de violência, que afinal ocorreu no atentado contra o ainda candidato Jair Bolsonaro, em Juiz de Fora.

A atmosfera ficou pesada durante meses, devido ao julgamento de Lula, na segunda instância, em Porto Alegre. A defesa havia recorrido da condenação do ex-presidente em primeiro grau, em Curitiba, pelo juiz Sergio Moro, no processo do tríplex do Guarujá. Ele foi acusado dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Vaivém ambiental: Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro indica recuo na intenção de anexar pasta do Meio Ambiente à da Agricultura; o que importa é conciliar melhora da produção rural e preservação

Na reforma administrativa planejada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a drástica redução prometida do número de ministérios representa, de modo simbólico, a intenção de enxugar a máquina de Estado e não subordiná-la a barganhas partidárias ou ativismos ideológicos.

Se tais objetivos são fáceis de vender numa campanha eleitoral, a execução concreta se mostra menos simples. O exemplo mais claro, até aqui, é o da eventual fusão das pastas da Agricultura e do Meio Ambiente —que tem gerado um vaivém de declarações do eleito, de auxiliares e aliados.

Na mais recente, Bolsonaro considerou que, “pelo que tudo indica”, as duas áreas permanecerão geridas por órgãos próprios no primeiro escalão federal. Trata-se de uma providência mais sensata, em tese ao menos, que a reivindicação de hegemonia por parte da banda mais atrasada do agronegócio.

Cada vez mais urgente: Editorial | O Estado de S. Paulo

O esgotamento do prazo para a criação, pela União, de uma linha de crédito especial para governos estaduais pagarem precatórios, sem que nenhuma medida tenha sido tomada pelas autoridades federais, torna ainda mais evidente a gravidade da crise financeira dos Estados e a urgência com que a questão precisa ser resolvida. As atuais administrações estaduais foram beneficiadas com o alongamento da dívida com a União, tiveram autorização para contratação de empréstimos com o aval do governo federal, ganharam mais prazo para pagar os precatórios judiciais, mas, em sua grande maioria, continuam em busca de socorro financeiro e não têm capacidade para cumprir o teto de gastos que acertaram quando tiveram seus compromissos financeiros renegociados. A falta de regulamentação de uma linha de crédito estimada em R$ 100 bilhões e que deveria ter sido criada pela União até o dia 30 de junho passado é um problema adicional às dificuldades que os Estados já enfrentam.

A Emenda Constitucional n.º 99, aprovada no fim do ano passado, estendeu de 2020 para 2024 o prazo para os Estados e municípios pagarem os precatórios, que são suas dívidas com pessoas físicas e jurídicas reconhecidas por sentença definitiva da Justiça. Os precatórios se referem a salários, pensões, aposentadorias e indenizações por morte ou invalidez (são os chamados precatórios de natureza alimentar) ou decorrem de ações de outros tipos, como as dívidas referentes a desapropriações. Em muitos casos, por isso, são valores devidos a pessoas necessitadas ou que tiveram seus imóveis desapropriados para a execução de obras públicas.

Cenário melhora após eleição, mas Copom mantém cautela: Editorial | Valor Econômico

Na sua primeira reunião após a eleição do deputado Jair Bolsonaro (PSL) para a presidência da República, os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central concluíram que os riscos para o cumprimento das metas de inflação diminuíram, mas ainda não o suficiente para baixar a guarda sobre uma eventual alta de juros nas suas próximas reuniões.

Faz sentido uma dose de cautela. A equipe de Bolsonaro, chefiada pelo economista Paulo Guedes, demonstrou um compromisso mais forte do que os adversários com o ajuste fiscal e reformas que ampliam a produtividade da economia. Saíram derrotadas plataformas eleitorais que propunham retrocessos, como a extinção do teto de gastos públicos e propostas de equacionar o déficit público com medidas de expansão fiscal - ou seja, com mais gastos.

Resta saber, porém, se o novo governo vai mesmo entregar o prometido. Isso depende da capacidade das áreas técnicas formularem propostas exequíveis. Uma dúvida recorrente nos mercados é se o governo Bolsonaro conseguirá mobilizar uma base parlamentar para apoiar medidas impopulares, sobretudo uma ampla reforma da Previdência Social.

Apesar de um nível ainda grande de incertezas, os riscos sem dúvidas diminuíram. Isso já se reflete nas projeções de inflação apresentadas pelo Copom em comunicado de reunião da semana passada, que manteve os juros básicos da economia em 6,5% ao ano pela quinta vez.

Oposição tenta se reinventar para travar pauta conservadora

Com 150 deputados eleitos, partidos de esquerda buscam pautas comuns, mas já há rachaduras entre eles

Angela Boldrini | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na tarde de quarta (31), quem passasse pelo corredor das comissões da Câmara dos Deputados ouvia gritos à medida que se aproximava do plenário oito, local marcado para a votação do projeto Escola Sem Partido.

“Abaixo a lei da mordaça!”, gritavam manifestantes contrários ao texto, com cartazes ligados a movimentos como UNE e CUT.

Enquanto isso, no plenário da Casa, deputados da oposição se apressavam em marcar presença para atingir o mínimo de 257 deputados para abrir a ordem do dia, a sessão de votação que derruba todos os outros trabalhos na Câmara.

A combinação resultou no adiamento da reunião que analisaria o relatório favorável à proposta, uma bandeira da bancada evangélica que tem o apoio do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

A estratégia demonstra como deve ser o processo de atuação da oposição no Legislativo. Com cerca de 150 deputados, apostará em táticas de obstrução, aliadas a protestos de movimentos sociais, para tentar travar a pauta conservadora.

Segundo o líder do PT, Paulo Pimenta (RS), a decisão de como agir é tomada dia a dia. “No caso do Escola Sem Partido, era importante dar presença para fazer cair a sessão da comissão. Em outros, evitamos dar quorum”, diz.

O chamado “kit obstrução” é amparado pelo regimento da Câmara e consiste em manobras para segurar votações. Os deputados podem, por exemplo, deixar de registrar presença para evitar que se atinja o número mínimo necessário para se iniciar uma sessão.

PSDB junta os 'cacos' depois da eleição

Fernando Taquari | Valor Econômico

SÃO PAULO - A eleição de 2018 terminou com um gosto amargo para o PSDB e acentuou as incertezas que cercam o partido. Não há até o momento nenhuma reunião marcada para fazer um balanço dos resultados nas urnas e projetar o futuro. Por ora, tucanos conversam nos bastidores. Há um consenso sobre a necessidade de uma autocrítica. Mas muitos divergem em relação aos rumos daqui para frente.

As diferenças colocam em lados opostos os grupos do ex-governador Geraldo Alckmin, derrotado na eleição presidencial, e do futuro ocupante do Palácio dos Bandeirantes, o ex-prefeito João Doria. Os doristas defendem um alinhamento do PSDB com o governo eleito de Jair Bolsonaro (PSL) e pedem passagem nos cargos da executiva nacional. Essa postura desagrada integrantes históricos e aliados de Alckmin.

Os tucanos fizeram neste ano a menor bancada de sua história na Câmara dos Deputados (29) e terão o menor número de governadores (3) desde 1990. Com 4,76% dos votos válidos, Alckmin ainda registrou a mais baixa votação de um tucano numa sucessão presidencial. O saldo poderia ter sido pior não fossem as vitórias no Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e, sobretudo, em São Paulo, onde o PSDB conseguiu, por uma estreita vantagem, manter uma hegemonia no Estado que já dura 24 anos.

Raquel Tavares: As rosas não falam (Cartola)

Cecília Meirelles: A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.