segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Reflexão do dia - Fernando Henrique Cardoso

Meus amigos economistas, na época subordinados, achavam que seria difícil a implementação do plano. Alegavam que o governo era fraco, tinha acabado de ocorrer o impeachment e o Congresso estava desorganizado com a crise dos anões do Orçamento. Minha posição era o contrário. Com o Congresso em desorganização e como o governo não tinha muita unidade naquele momento, foi possível uma certa hegemonia e tocar o plano adiante. O Congresso estava sem força, e o governo, procurando uma tábua de salvação. Havia muita gente, inclusive do governo, que queria o controle de preços e que se prendessem supermercadistas. Muitos defendiam a volta dos fiscais do Sarney. Mas não tiveram força para nos opor. Recebemos um apoio amplo de todos os setores econômicos e da mídia. Foi difícil ficar contra o plano. O PT e a CUT saíram com o slogan ‘Real é pesadelo, não é sonho’, mas imediatamente tiveram que tirar das ruas. As pessoas sentiram logo o aumento do poder aquisitivo, a vantagem de seus salários serem reajustados automaticamente. Logo depois do Real, o consumo cresceu imensamente com a queda da inflação. No início de 1995, a economia crescia a taxas anualizadas acima de 12%. Tivemos até que brecar esse crescimento. Como ocorre agora, se largar demais a economia sem investimento, vai haver problemas lá na frente.

(Fernando Henrique Cardoso, entrevista 1/7/2009 – 15 anos do Plano Real)

A dádiva e as forças próprias:: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Sucessões presidenciais, mesmo quando anódinas, como esta em que estamos envolvidos, têm o condão de mudar o curso dos acontecimentos. Sucessões brasileiras envolvem um colégio eleitoral de milhões de pessoas, expostas por um largo período de tempo à propaganda eleitoral nos meios de comunicação de massa, com seus candidatos obrigados a decifrar, em meio a uma profunda heterogeneidade social e regional, quais são as motivações para o voto de um eleitorado de comportamento ainda muito pouco conhecido.

Assim, afora a presença do marketing político e dos institutos de pesquisa especializados no estudo do voto que atuam no sentido de produzir alguma inteligibilidade e previsibilidade sobre o processo eleitoral, as eleições, especialmente em uma sociedade inarticulada como a nossa, contam, ou deveriam contar, com a leitura privilegiada dos candidatos sobre o cenário e as circunstâncias em que estão envolvidos.

Algumas sucessões do nosso passado recente não podem ser explicadas se não se consideram os atributos demiúrgicos de candidatos vencedores, como Jânio Quadros, Fernando Collor e Lula, que, em meio a inumeráveis caminhos possíveis, descobriram os que poderiam levá-los a atingir as expectativas dos eleitores das eleições em que disputaram. No caso deles, pode-se sustentar que o carisma tenha sido um elemento determinante em suas vitórias, na medida em que importou em leituras inovadoras da situação do país e que significavam rupturas com rotinas e com as formas usuais de interpretá-la.

Essas eleições de 2010 nascem sob o signo oposto ao da inovação. Tanto para Dilma como para Serra, os dois contendores que aí estão no segundo turno, a chave de leitura com se credenciam à disputa eleitoral é a da continuidade, diagnóstico que lhes chega dos especialistas e que não reclamava deles uma qualidade especial, salvo a de se apresentarem como administradores preparados a fim de dar sequência a um script que vinha "dando certo". A partir dessa opção comum, ambas as candidaturas abdicam da invenção, da criação propriamente política, e partem para o confronto eleitoral em um campo dominado pela linguagem da administração.

Sob esse registro sem alma, o horário político franqueado pela legislação vai servir de vitrine para as obras realizadas e de lugar para controvérsias estatísticas sobre serviços anteriormente prestados, cada candidato brandindo uma cornucópia gigante de onde se extraem promessas de habitação, saúde, segurança, saneamento básico, aumentos salariais, vida farta e barata como dádiva do futuro governante.

Porém, como se diz, promessas são dívidas, e, dessa perspectiva, a questão social brasileira, nesta disputa eleitoral, adquiriu - e essa é, sem dúvida, uma vitória de Lula - uma envergadura inédita na política brasileira. De passagem, notar que o tema das privatizações, antes tão influente, somente, agora, no segundo turno, faz sua aparição, embora, pelo que se vê, sem acender a imaginação dos eleitores e a dos próprios candidatos.

Abrir essa cornucópia, sabem-no as pedras das ruas, vai depender da economia, e, tirante as expectativas de tesouros escondidos no pré-sal, o público eleitor não está suficientemente informado de como tantas promessas vão se converter em bens tangíveis, uma vez que os candidatos se têm mostrado reticentes sobre quais são os seus programas de governo.

De qualquer modo, o mandato que vier a nascer dessa campanha presidencial estará incontornavelmente comprometido com a realização do que foi o programa social das duas candidaturas, temática dominante em todo o seu transcurso, ambas alinhadas a uma social-democracia à brasileira de corte paternal, essa nova espécie de jabuticaba que medra entre nós.

Frustrações nesse terreno, com Lula tão perto em São Bernardo, não seriam aconselháveis. Contudo, dado que os recursos são escassos, nada difícil prever que, com o novo governante, a hora das reformas chegará para valer, e, com ela, a queda de braços a definir quem perde e quem ganha, havendo dois times bem definidos para uma aguerrida disputa em cada ponto da sua agenda.

Dessa modelagem resultou, como seria de se esperar, uma campanha presidencial em que os movimentos sociais e seus temas tenham sido os grandes ausentes, dos sindicatos às organizações feministas. Não é, pois, por acaso, que, em sua reta final, diante de um cenário frio e despolitizado, resultado para o qual os candidatos - instituídos em ideólogos da dádiva como recurso de mobilização eleitoral - estão longe de serem inocentes, essas eleições culminem, lastimavelmente, com o reconhecimento, inclusive em documentos oficiais de candidatos, de que caberia um lugar na vida republicana brasileira para as formas mais primitivas do fundamentalismo religioso.

Para esse desastrado resultado, não conspiraram, em suas convicções pessoais, inequivocamente modernas e progressistas, nem Serra e nem Dilma, mas sim essa dita política do social reinante entre nós, produzida de cima para baixo, e que subestima a capacidade da sociedade de se auto-organizar sem a indução benevolente de um governo compadecido. Daí que outro efeito, certamente inesperado, do caráter benfazejo dessas eleições é o de ter demonstrado aos movimentos sociais e às suas organizações que a realização de suas aspirações depende das forças próprias de que falava Rousseau, e não do Estado e de suas agências, que, por natureza, são prisioneiros da lógica da conservação e expansão do poder político. Por ora, o movimento feminista é a melhor testemunha disso.


Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional. Escreve às segundas-feiras

Uma e outra coisa :: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

"Serra, você não é o cara, você tem mil caras". (Dilma Rousseff, acusada por Serra de ter duas caras)


Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, observou com sabedoria o deputado José Genoino, na época presidente do PT e empenhado em negar a existência do mensalão. Esqueceu ou só lembra vagamente do que se trata? Mensalão foi o esquema milionário de pagamento de propinas a deputados para aprovação na Câmara de projetos do governo.

Usar dinheiro suspeito para comprar consciências seria uma coisa abominável, vil, incabível, muito além dos limites da irresponsabilidade do PT. Outra coisa seria usar dinheiro não contabilizado ou não declarado à Justiça para financiar despesas de campanha do PT e de partidos aliados.

Orientado por Márcio Thomaz Bastos, seu ministro da Justiça, Lula foi curto e grosso ao resumir o assunto. Não houve mensalão, ponto. Tudo não passou de caixa dois de campanha. Aleluia, irmão! Mensalão seria crime. Caixa dois também é crime. Mas um crime corriqueiro praticado por todos os partidos, segundo Lula. De acordo? Em frente.

Uma coisa é Dilma ter dito que é a favor da descriminalização do aborto. Outra coisa é Serra, como ministro da Saúde, ter mandado o Sistema Único de Saúde (SUS) atender às mulheres vítimas de estupro e decididas a abortar como permite a lei. De acordo? O ministro que antecedeu Serra no cargo se recusou a dar a ordem ao SUS.

Por quê? Porque era contra o aborto mesmo nos casos previstos em lei — violência sexual e gravidez com risco de morte para a mãe. Serra não estava obrigado a proceder de maneira diferente. Mas, sensível à tragédia das mulheres que, tendo o direito a abortar, não dispunham de meios seguros para fazê-lo, orientou o SUS a socorrê-las.

Fez bem. Revelou-se um administrador humano. O Estado brasileiro é laico. Seu comportamento independe de doutrinas religiosas. Na época, Serra poderia ter dito que era contra a descriminalização do aborto. E acrescentado que só agia daquela forma para ser coerente com a lei e tirá-la do papel. Não disse. Por quê?

Porque em consciência era — como continua sendo — favorável ao direito da mulher de somente ser mãe na hora que quiser. Esse, por sinal, era um dos muitos pontos que aproximavam o pensamento de Serra do pensamento da socióloga Ruth Cardoso, amiga dele e mulher do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

É leviano atribuir a Serra a condição de mentor da campanha que apresenta Dilma como assassina de criancinhas. Não é leviano, porém, acusá-lo de surfar na campanha tocada por eleitores seus na internet e por pastores e bispos em igrejas. Com todas as letras, a mulher de Serra chamou Dilma de assassina de criancinhas. Ele a desautorizou? Não.

Sempre que pode ou que lhe perguntam, Serra afirma ser contra o aborto. Não perde a chance de retocar o perfil de um homem religioso. No debate com Dilma promovido pela Band no último dia 10, disse ser contra o aborto “até por uma questão pessoal”. Não lhe perguntaram que questão era essa. A frase ficou boiando no ar.

Uma coisa é ser contra o aborto. Outra é ser a favor da sua descriminalização. Todos são contra o aborto — até mesmo as mulheres que um dia abortaram. Descriminalização tem a ver com não ir para a cadeia. Em grande parte do mundo, nenhuma mulher está sujeita à prisão por ter abortado. Serra não precisa acelerar seu raciocínio para entender isso.

Dá um show de cinismo quando mistura uma coisa com a outra ou quando finge ser contra o que nunca foi. O show atinge o seu clímax quanto beija imagens de santos e até comunga. Para comungar, um católico deve ter-se confessado recentemente. Data de quando a última vez que Serra se ajoelhou diante de um padre e confessou suas culpas?

Mensalão não é caixa dois. A Justiça aceitou a denúncia contra 40 integrantes da “organização” que tentou se apoderar do aparelho do Estado. A posição de Serra sobre o aborto é igual à de Dilma. O acerto de Serra, se ele tiver sorte, será com a Justiça divina.

Ambientalistas opõem-se ao desenvolvimento? :: José Goldemberg

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Como acontece em outras áreas - tais como as de tecnologia, de padrões de consumo e até da moralidade pública -, as grandes inovações que marcaram os avanços da civilização demoram a chegar ao Brasil. Essa é uma característica geral de países periféricos que ainda têm um peso relativamente pequeno no cenário internacional.

As preocupações com a preservação ambiental caem nessa categoria, como ficou evidente na década de 70 do século passado. Na Conferência de Estocolmo de 1972, que deu origem aos esforços de reduzir a poluição no mundo todo, o Brasil teve um desempenho lamentável, defendendo posições como as que o economista e ex-ministro Delfim Netto expressou recentemente em entrevista ao jornalista Ricardo Arnt: "Se diziam que a indústria do aço ia sair da Europa por causa da poluição, eu respondia: vem para o Brasil, porque temos espaço bastante para a poluição e é mais importante fazer aço; da poluição cuidamos depois" (O que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade - Editora 34). As percepções de Delfim Netto sobre meio ambiente, contudo, melhoraram muito desde então.

Outro exemplo é dado, no mesmo livro de Ricardo Arnt acima citado, pelo também economista e ex-ministro Maílson da Nóbrega - que naquela época era alto funcionário do Banco do Brasil -, ao lembrar que a Rodovia Transamazônica (BR-230) foi criada "em meio ao clamor para se fazer alguma coisa que permitisse a expansão da fronteira agrícola e fosse capaz de resolver o problema de seca no Nordeste". Por essa razão, a legislação que criou a Transamazônica é a que criou o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), que tornou viáveis migrações para a Amazônia. Conta Maílson da Nóbrega que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chegou a fazer uma usina de álcool na Transamazônica, ignorando que a cana "era belíssima, mas sem sacarose para produzir álcool ou açúcar".

A ideia de que reduzir a poluição torna o crescimento econômico inviável é irracional, mas foi, e ainda é, o paradigma usado por muitos economistas e desenvolvimentistas no mundo todo.

Foram essas visões incorretas que levaram ao surgimento do movimento ambientalista mais ligado à "esquerda", que atribui o crescimento predatório a um capitalismo selvagem e, portanto, no seu entender, a solução é combater o capitalismo como um todo. Por outro lado, o ambientalismo mais ligado à "direita" vem do século 19 e tem a característica de tentar preservar o meio ambiente e a paisagem, dando a eles um sabor imobilista que às vezes serve a interesses de grupos de pressão. No atual movimento ambientalista essas duas visões coexistem.

A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 beneficiou-se do movimento ambientalista ligado à "esquerda". A escolha de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, no mesmo ano, refletiu esse apoio. Mas o que ocorreu é que o zelo da ministra em implementar a legislação ambiental logo se transformou num obstáculo às obras desenvolvimentistas que o governo pretendia realizar, como a transposição do Rio São Francisco e a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia.

A ficção de que as teses da ministra Marina Silva eram levadas a sério dentro do governo se dissipou rapidamente, resultando na sua saída do governo - tardiamente, a nosso ver. Como resultado, porém, os ambientalistas acabaram sendo caracterizados como inimigos do desenvolvimento, atrasando desnecessariamente, por motivos fúteis, obras de grande vulto, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O presidente Lula contribuiu consideravelmente para essa tentativa de desqualificação do movimento ambientalista, acusado de se preocupar mais com os "bagres do Rio Madeira" do que com a geração de eletricidade.

O problema fundamental aqui é o de distinguir entre o que os economistas chamam de "crescimento sustentável" - entendido como crescimento econômico sem sobressaltos e sem flutuações na taxa de câmbio - e o assim denominado "desenvolvimento sustentável", em que não somente o progresso econômico é levado em conta, como também o uso eficiente dos recursos naturais, com as melhores tecnologias disponíveis e com a preservação ambiental (na medida do possível). A primeira opção ("crescimento sustentável") é até viável por curtos períodos de tempo, mas só a segunda ("desenvolvimento sustentável") é duradoura. A primeira olha o curto prazo e a segunda, o médio e o longo prazos, sendo evidente que o atual governo só teve em mente o curto prazo.

Por exemplo, o desmatamento da Amazônia para expandir pastagens para gado é uma atividade de baixo rendimento econômico que terá sérias consequências, porque vai mudar (e está mudando) o regime de chuvas de todo o País, além de contribuir significativamente para as emissões de gases que provocam o aquecimento global. Portanto, é essencial dirigir os rumos do crescimento econômico da região em outras direções, o que não foi feito. Argumentar que a Europa também destruiu suas florestas para progredir e que agora querem impedir-nos de fazer o mesmo reflete pura ignorância: a eliminação das florestas europeias ocorreu ao longo de mil anos e o Brasil está fazendo isso em 30 anos, na Amazônia.

As únicas medidas sérias tomadas no Brasil nos últimos anos para orientar o País na direção do desenvolvimento sustentável foram a aprovação de leis propostas pelo prefeito Gilberto Kassab, no Município de São Paulo, e pelo ex-governador José Serra, no Estado de São Paulo, que estabelecem metas e prazos para reduzir as emissões de carbono (e outros poluentes) até o ano 2020. Essas leis vão conduzir o País a uma economia de baixo carbono e não constituem um freio ao crescimento econômico, mas, ao contrário, levarão a uma modernização da indústria brasileira, o que aumentará sua competitividade no comércio internacional.


Professor da USP, foi Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

A cor do voto :: José Roberto de Toledo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Serra (PSDB) tem mais chances entre brancos e amarelos. Dilma Rousseff (PT) vai melhor entre pretos e pardos. Se cor da pele equivale a origem étnica, o tucano ganha por 5 pontos nos caucasianos/orientais. Entre os negros, a petista tem 15 pontos de vantagem.

A divisão do eleitorado por cor obedece às mesmas categorias do IBGE. Como no Censo 2010, os entrevistados se auto-classificaram aos pesquisadores do Ibope. Os dois grupos correspondem a 46% (brancos/amarelos) e 53% (pretos/pardos) do eleitorado pesquisado.

A variável não havia sido analisada até agora nesta eleição. Foi incluída na pesquisa pelo Ibope a pedido de grupos militantes do movimento negro.

Uma das conclusões mais importantes dessa análise é que a preferência de pretos/pardos por Dilma e de brancos/amarelos por Serra sobrevive ao controle dos resultados pela renda e escolaridade dos eleitores.

Negros que ganham mais e/ou que cursaram mais séries na escola continuam votando até 30% mais na petista. É um comportamento eleitoral muito diferente dos caucasianos e orientais das mesmas faixas de renda e escolaridade, que votam até 44% mais no adversário.

Considerando-se apenas os eleitores que frequentaram o ensino médio ou superior, Dilma tem 38% entre brancos/amarelos e 51% entre pretos/pardos. Serra tem praticamente os porcentuais inversos: 52% e 42%, respectivamente.

Entre os eleitores com renda superior a 5 salários mínimos, o topo da pirâmide eleitoral, a divisão do voto por cor segue na mesma proporção. Dilma tem 36% entre os brancos (contra 52% de Serra) e 51% entre os negros (contra 40% do adversário).

Há, portanto, fatores que diferenciam o voto dos dois grupos que vão além das condições sócio-econômicas em que vivem. A explicação parece ser tampouco a identificação entre eleitores e candidatos da mesma cor. Tanto Dilma quanto Serra são brancos e filhos de imigrantes europeus.

A sondagem do Ibope fornece pistas, mas não todos os elementos para explicar a clivagem do voto em função da auto-definição do eleitorado. O conjunto de pesquisas deixa claro, porém, que a cor não é o único fator, nem sequer o principal, para a escolha do presidenciável.

O voto é uma combinação da cor, religião, renda, escolaridade, ocupação e local de moradia do eleitor -não necessariamente nessa ordem. Essas variáveis têm pesos diferentes para cada um. O religioso dá mais importância à opinião do candidato sobre o aborto, por exemplo. Mas se esse eleitor for beneficiário do Bolsa-Família a opção por um ou outro presidenciável será mais complexa: a balança penderá às vezes para o bolso, às vezes para a orientação religiosa.

Esses pesos e contra-pesos matizam a importância da cor do eleitor na decisão do voto.

Nos segmentos intermediários de renda e escolaridade, Serra ainda vai melhor do que Dilma entre brancos/amarelos, embora sua vantagem não seja tão grande quanto entre os mais ricos e escolarizados da mesma cor.Já entre os mais pobres (renda até 2 salários mínimos), o tucano apenas empata com a petista no eleitorado branco (45% a 47%), e perde por 20 pontos no negro: 36% a 56%.

A divisão do eleitorado segundo a cor de sua pele encontra um paralelo na geografia do voto nas metrópoles brasileiras. Em São Paulo, os candidatos a presidente do PSDB em 2006 e 2010 obtiveram vantagens maciças nas zonas centrais, mais ricas e tradicionais da cidade.

Em bairros como os Jardins e Pinheiros, onde a grande maioria dos moradores é branca, Geraldo Alckmin (PSDB) obteve até 79% dos votos válidos em 2006. Serra ficou em 68%, mas porque parte desses eleitores optaram por Marina Silva (PV) -uma candidata que, dependendo dos olhos de quem a vê, poderia ser enquadrada em qualquer uma das categorias étnicas.

Substitua-se esses bairros por Copacabana, Leblon e Gávea e o quadro se repete no Rio de Janeiro. A única diferença é que o voto petista não fica limitado à periferia. Está também encastelado nas zonas eleitorais dos morros da Zona Sul, como Rocinha e Vidigal, onde Dilma teve maioria absoluta de votos no primeiro turno.

Os dados sugerem pauta para novas pesquisas e investigações. Por ora, indicam que os que ascenderam recentemente a condições sócio-econômicas melhores mas ainda moram nas mesmas áreas onde viviam seus pais votam majoritariamente em presidenciáveis do PT.

Será curioso observar o comportamento desses emergentes ao longo das próximas eleições. Será que eles se manterão fiéis aos partidos que reivindicam tê-los ajudado a melhorar de vida, ou assimilarão a preferência eleitoral dos novos vizinhos?

Chilique da Dilma :: Paulo Panossian

DEU NO JORNAL DO BRASIL (online)

Como aquela criança marrenta, rebelde,quequerporque quer, assim se apresentou a candidata Dilma Rousseff no bom formato do debate da Band. E pela primeira vez nesta campanha a petista se mostrou no seu estado natural – uma mulher brava, teimosa e de poucos amigos.

A depressão pela não vitória no primeiro turno ficou expressa na reação da candidata, que surpreende acusando o Serra, de estar fazendo uma campanha suja contra ela. Mas a Dilma não detalhou os fatos. Jogou no ventilador da dúvida. Será que ela quis se referir às recentes denúncias, como a de ser favorável ao aborto e as falcatruas na Casa Civil? Estas, na realidade, não partiram da oposição. No primeiro caso, a comprovação está nas entrevistas que ela mesma concedeu. Já no caso que envolveu a ex-ministra Erenice Guerra, se não fossem verdadeiras as denúncias apresentadas pela imprensa, ela não teria sido demitida.

Este fato respingou na Dilma, com consequência, nas urnas, porque, por sete anos, Erenice foi seu braço direito na Casa Civil. E por sua orientação, quando deixou o ministério, foi indicada para sucedê- la. Um fato novo surgiu, e talvez possa justificar a irritação de Dilma no debate da Band. A Folha de S. Paulo, em seu site do dia 11, divulgou informação de que a candidata petista teve um caso durante 15 anos com uma ex-empregada, e que esta entrou na justiça exigindo uma indenização. Talvez por isso Dilma tenha se insurgiu contra o candidato José Serra, no decorrer do evento, como se fosse o responsável por esta suposta calúnia. Na verdade, a Dilma não venceu no primeiro turno, porque tenha declarado sua posição a favor do aborto. Sua queda na preferência do eleitorado se deveu muito mais aos escândalos da Receita Federal, e da Casa Civil.

Mas este chilique talvez até estratégico da petista, insistindo em atacar seu concorrente, impediu que outros temas importantes fossem abordados, frustrando os milhares de telespectadores. Mesmo assim, num dos poucos temas abertos como das privatizações, José Serra poderia ser mais enfático, e valorizar este programa patrocinado em grande parte pelo governo FHC.

A retrógrada bandeira petista contra as privatizações não cola mais. E querer iludir o eleitorado dizendo que as estatais vendidas ao setor privado prejudicaram o povo e a economia brasileira é de uma inutilidade atroz. O Estado jamais foi capaz de administrar com eficiência as megaempresas, que sempre apresentavam prejuízos. E todas, sem distinção, eram na época uma fonte inesgotável de cabide de empregos, privilegiando os currais políticos.

A reação do eleitorado com esta nova faceta de campanha da Dilma, abandonando o paz e amor e partindo para o ataque, ainda é uma incógnita. O que ficou claro no primeiro turno é que uma parcela importante da população brasileira está mais do que atenta aos graves acontecimentos divulgados pela imprensa e que envolvem nossas instituições, particularmente no Executivo e no Legislativo. Não fosse isso, os mais de 100 milhões de eleitores que depositaram seus votos nas urnas no dia 3 de outubro teriam sacramentado a vitória de Dilma, logo no primeiro turno.

Ao que vai chegar - Toquinho

CAPAS DE JORNAIS DE HOJE







Marina e PV anunciam 'independência' no 2º turno

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partido não apoiará formalmente nenhum dos candidatos, mas integrantes da legenda podem fazer campanha

Em carta aberta aos candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), a senadora Marina Silva (PV) declarou "independência" no segundo turno das eleições. O PV acompanhou a decisão e não apoiará formalmente nenhum candidato. Na prática, os filiados ao PV não estão proibidos de fazer campanha para nenhum dos candidatos, desde que não portem símbolos do partido em eventos públicos. Ontem, Marina fez duras críticas ao PT e ao PSDB pelo tom da campanha no segundo turno. Ela classificou as duas legendas como "fiadores do conservadorismo renitente" - o apoio estava condicionado à convergência de programas de governo. Dos 92 membros do PV presentes à plenária, apenas quatro votaram pelo apoio explícito a Serra ou a Dilma.

Marina rejeita acenos de adversários e declara "independência" no 2º turno

Senadora do PV, que obteve cerca de 20 milhões de votos no primeiro turno da disputa presidencial, faz duras críticas ao PT e ao PSDB pelo tom adotado na campanha e classifica as duas legendas como "fiadores do conservadorismo renitente"

Roberto Almeida

Em carta aberta aos candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), a senadora Marina Silva (PV), que ficou em terceiro lugar no primeiro turno das eleições presidenciais, declarou "independência" no segundo turno. O PV, por ampla maioria, acompanhou a decisão de Marina e não apoiará formalmente nenhum dos dois candidatos - o que não impede que integrantes do partido o façam.

A mensagem de Marina foi lida ontem na plenária do PV, realizada na capital paulista. A senadora, que obteve cerca de 20 milhões de votos no dia 3, fez críticas ao PT e ao PSDB pelo tom da campanha no segundo turno. Classificou as duas legendas como "fiadores do conservadorismo renitente".

O apoio do Marina a Dilma ou Serra estava condicionada à convergência de programas de governo. Os verdes, no entanto, consideraram "fracas" as respostas dadas pelas campanhas adversárias à "Agenda por um Brasil Justo e Sustentável" - lista de 42 compromissos apresentada pelo PV.

Apesar das críticas, Marina avaliou que o PT apresentou respostas melhores que as do PSDB à demanda verde. "Tivemos acolhimento parciais nas duas respostas que nos foram enviadas", disse ela. "Identificamos, para ter senso de justiça, na resposta enviada pelo PT, um maior acolhimento."

A senadora verde, porém, preferiu definir-se como "mantenedora de utopias" e não declarou em quem votará no dia 31. "É secreto, me reservo a meu direito de eleitora", esquivou-se.

"Quero afirmar que o fato de não ter optado por um alinhamento neste momento não significa neutralidade em relação aos rumos da campanha. Creio mesmo que uma posição de independência, reafirmando ideias e propostas, é a melhor forma de contribuir com o povo brasileiro", discursou a ex-candidata.

Com essas palavras, que reforçam um provável cenário de terceira via para as eleições presidenciais de 2014, Marina passou a fazer uma crítica ao "caráter dualista" da política nacional. Ela afirmou a existência de uma "ironia histórica" no duelo entre petistas e tucanos.

Embates. Na carta, a senadora comparou a disputa travada entre PT e PSDB nos últimos 16 anos aos embates entre monarquistas e republicanos, entre UDN e PSD - que dominaram a política nas décadas de 1940 a 1960 - e entre MDB e Arena, durante o regime militar. "Dois partidos nascidos para afirmar a diversidade da sociedade brasileira, para quebrar a dualidade existente à época de suas formações, se deixaram capturar pela lógica do embate entre si até as últimas consequências", observou.

Na visão de Marina, o posicionamento "pragmático" dos dois partidos é uma "armadilha para a qual ambos caem e levam o País". "O grande nó está na política, porque é nela que se decide a vida coletiva, se traçam os horizontes, se consolidam valores ou a falta deles", sublinhou.

Ao final, em entrevista, Marina descartou a hipótese de participar em um futuro governo, independentemente de coloração partidária.

Instruções. Dos 92 membros do PV presentes à plenária de ontem, apenas quatro votaram pelo apoio explícito a Serra ou Dilma, afirmou Maurício Brusadin, presidente do PV paulista.

Dois deles são secretários da Prefeitura de São Paulo: Eduardo Jorge, do Meio Ambiente, e Marcos Belizário, da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. Completam a lista de dissidentes do posicionamento de Marina a presidente estadual do PV no Espírito Santo, Sidnéia Fontana, e um outro correligionário que não foi identificado pelos presentes.

Na prática, os filiados ao PV não estão proibidos de fazer campanha para Serra ou Dilma, desde que não portem símbolos do partido em eventos públicos para não causar constrangimento à decisão nacional.

O vice-presidente do PV, deputado eleito Alfredo Sirkis (RJ), disse que não há como fiscalizar o cumprimento da definição, amparada por documento interno do partido, mas pediu ajuda da imprensa e de correligionários para identificar traidores.

Para as disputas de governo estadual, onde o partido é coligado e ainda há disputa de segundo turno, o apoio formal será mantido. Enquanto isso, presidentes de diretórios e porta-vozes do PV estão proibidos de declarar voto em Serra ou Dilma.

TRECHOS DA CARTA DE MARINA

"Mesmo sem concorrer, estamos no segundo turno com nosso programa, que reflete as questões aqui colocadas. Esta é a nossa contribuição para que... ...o processo eleitoral transcenda os velhos costumes e acene para a sustentabilidade política que almejamos.

Como disse, ousei trazer a vocês essas reflexões, mas não como formalidade ou encenação política nesta hora tão especial na vida do País. Foi porque acredito que há terreno fértil para levarmos adiante este diálogo. Sei disso pela relação que mantive com ambos ao longo de nossa trajetória política.

De José Serra guardo a experiência de ter contado com sua solidariedade quando, no Senado, precisei de apoio para aprovar uma inédita linha de crédito para os extrativistas da Amazônia e para criar subsídio para a borracha nativa. Serra dispôs-se a ele mesmo defender em plenário a proposta porque havia o risco de ser rejeitada, caso eu a defendesse.

Com Dilma Rousseff, tenho mais de cinco anos de convivência no governo do presidente Lula. E, para além das diferenças que marcaram nossa convivência no governo, essas diferenças não impediram de sua parte uma atitude respeitosa e disposição para a parceria, como aconteceu na elaboração do novo modelo do setor elétrico, na questão do licenciamento ambiental para petróleo e gás e em outras ações conjuntas.

(...)Por isso me atrevo, seja quem for a assumir a Presidência da República, a chamá-los a liderar o País para além de suas razões pessoais e projetos partidários, trocando o embate por um debate fraterno em nome do Brasil."

Oposição quer investigar Cardeal, ligado a Dilma

DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. A oposição vai se reunir entre hoje e amanhã, no Congresso, para articular providências em relação às últimas denúncias envolvendo a Casa Civil e o diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobras, Valter Cardeal — homem da confiança da presidenciável petista, Dilma Rousseff. Segundo líderes do PSDB e do DEM, a estratégia é definir ações que possam produzir um resultado efetivo, como um nova representação no Ministério Público Federal e na Justiça.

— As denúncias não se elucidam e se acumulam. A oposição irá trabalhar sobre os pontos críticos e agir com equilíbrio, mas de forma incisiva — disse o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Ao mesmo tempo, a Comissão de Ética Pública do governo federal tem reunião hoje e deverá analisar as denúncias.

Segundo a revista “Veja”, o chefe de gabinete da Casa Civil, Vladimir Muskatirovic, teria cobrado R$ 100 mil para regularizar a situação da emissora de TV da família do deputado Roberto Rocha (PSDB-MA).

— Ninguém sabe o que acontece lá dentro (da Casa Civil). Só se sabe que não é coisa boa. Primeiro, foram as lambanças da Erenice Guerra (ex-ministra). Agora começam a aparecer outras peças — disse o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC).

A revista “Época” revelou que o banco público de desenvolvimento da Alemanha, Kreditanstalf fur Wiederaufbau, ingressou com uma ação de danos materiais e morais envolvendo Valter Cardeal.

— (Valter) Cardeal é o cara a ser investigado — afirmou Bornhausen.

Irmão de aliado de Dilma negocia com a Eletrosul

DEU EM O GLOBO

Edgar Cardeal negociou projeto de R$ 1 bilhão com a Eletrosul, cujo conselho é presidido pelo irmão Valter Cardeal, aliado de Dilma Rousseff.

Irmão de Cardeal tentou agilizar negócio

Prefeitura petista no RS chegou a anunciar "parceria" com a Eletrosul, cujo conselho é presidido por Valter

Leila Suwwan

SÃO PAULO. A consultoria oferecida pelo empresário Edgar Cardeal tentou tirar do papel um projeto de R$ 1 bilhão em parques de energia eólica no Rio Grande do Sul graças a uma “parceria” com a Eletrosul, cujo Conselho de Administração é presidido por seu irmão, Valter Cardeal, atual diretor de Engenharia da Eletrobras e homem de confiança da presidenciável Dilma Rousseff (PT) no setor elétrico.

O empreendimento só poderia ser apresentado às autoridades do setor elétrico e participar dos leilões públicos de energia após a realização de estudos técnicos, que durariam dois anos. Mas a prefeitura petista do pequeno município de Pinheiro Machado (RS) — onde alguns dos parques seriam instalados — chegou a anunciar e comemorar, em abril deste ano, a “parceria” entre a empresa ECBrasil e a Eletrosul, que cederia os dados captados por uma torre instalada na região.

Edgar foi um dos mentores do empreendimento O site da prefeitura afirma que foi o próprio Edgar Cardeal, que se apresenta no município como “sócio” da ECBrasil, que informou às autoridades locais da parceria: “A ECBrasil deu um importante passo para a realização do parque eólico na cidade.

‘Em parceria com a Eletrosul, a empresa tem a possibilidade do uso dos dados anemômetros (de velocidade do vento) da torre instalada há cerca de dois anos’ afirma o vice-prefeito José Antônio Rosa”.

E segue: “Rosa conta que o sócio da ECBrasil, Edgar Cardeal, informou que esta parceira possibilita que a empresa participe do próximo leilão de energias ainda este ano, e não mais em 2012, como previam os membros da organização.” Edgar Cardeal, conforme revelou ontem reportagem da “Folha de S.Paulo”, foi contratado como “consultor” da ECBrasil.

Ricardo Pigatto, presidente da empresa, confirmou que Edgar foi uma espécie de mentor do empreendimento: “Ele trouxe a oportunidade e me propiciou contato com alguns proprietários de terras”.

Edgar, dono da DGE Desenvolvimento e Gestão de Empreendimentos, teria remuneração mensal pelos estudos de viabilidade do projeto e ganharia uma “taxa de sucesso” de 0,2% a 10% do total se os parques fossem vendidos a terceiro ou conseguissem vender energia leilões públicos de energia reserva, que são de responsabilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Os dois irmãos sustentam que não há conflito de interesses entre o cargo de Valter Cardeal na Eletrobras e a atuação no setor privado de Edgar Cardeal. Valter Cardeal é um dos braços direitos de Dilma Rousseff no setor elétrico.

A assessoria de imprensa da Eletrobras não informou sobre a suposta parceria com a Eletrosul. No site da Eletrosul, não há menções sobre o empreendimento em Pinheiro Machado.

Energia eólica ganhará R$ 10 bilhões do PAC2 O negócio de energia eólica está em franca expansão, alavancado pela previsão de investimentos de quase R$ 10 bilhões do PAC2, idealizado pela candidata Dilma Rousseff. A Eletrosul já tem participação societária em três empreendimentos de geração de energia eólica no estado com uma empresa alemã do ramo de aerogeradores — o grupo venceu um leilão para exploração desse tipo de energia alternativa em dezembro do ano passado e as usinas serão implantadas até 2012.

O prefeito de Pinheiro Machado é Luiz Fernando Leivas (PT) e seu vice, José Antonio Rosa se apresenta como “facilitador” do negócio na cidade, que tem cerca de 16 mil habitantes. Segundo os informativos da prefeitura, se a ECBrasil tiver sucesso no leilão, as obras poderiam começar em 2011.

Homem forte também na Belo Monte

DEU EM O GLOBO

Valter Cardeal foi eleito presidente do conselho da empresa que vai construir a usina orçada em R$ 19 bilhões

BRASÍLIA. Valter Luiz Cardeal de Souza é um homem poderoso no setor elétrico. Braço direito da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, em sua trajetória como gestora na área energética, ele está à frente de um dos maiores projetos de infraestrutura do país: a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Em julho, Cardeal foi eleito presidente do Conselho de Administração da Norte Energia S.A., empresa que vai construir e operar a usina orçada em R$ 19 bilhões, valor tido como conservador pelo setor privado e que poderá chegar a R$ 25 bilhões.

Cardeal é atualmente diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobras, empresa que, inclusive, já presidiu interinamente. Ele é também presidente do Conselho de Administração de duas empresas vinculadas ao sistema Eletrobras: a Eletrosul Centrais Elétricas S.A., responsável pela geração e transmissão de energia na Região Sul e em Mato Grosso do Sul, e a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), subsidiária que opera termelétricas no Rio Grande do Sul.

O currículo de Cardeal no setor elétrico inclui ainda passagens pela presidência do Conselho de Administração de outras duas gigantes do setor: Furnas e Eletronorte. Não à toa que um empresário da área resumiu ao GLOBO, em julho, logo após a escolha de Cardeal para presidir o Conselho de Administração da Norte Energia, qual será o papel dele à frente do terceiro maior empreendimento hidrelétrico do planeta: — A diretoria executiva faz o que o conselho determina.

Cardeal será o olho do dono na empresa, por quem passarão todas as diretrizes de Belo Monte —disse o empresário.

Em sua página na internet, a Eletrobras dá detalhes da bagagem profissional de Cardeal.

Ele é formado em Engenharia Elétrica e Eletrônica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre. Já atua no setor elétrico há 32 anos.

Cardeal é funcionário da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE) desde 1971, onde ocupou, entre outros cargos, o de diretor das áreas de geração, transmissão e distribuição de energia.

Quando Dilma Rousseff foi secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, durante o governo de Olívio Dutra (PT), de 1999 a 2002, Cardeal era diretor da CEEE. Após assumir o Ministério de Minas e Energia em 2003, Dilma trouxe o técnico para o governo federal.

Dilma deixou o Ministério de Minas e Energia em junho de 2005, no auge do escândalo do mensalão, para assumir a Casa Civil — de onde havia sido demitido o então ministro José Dirceu.

O consórcio Norte Energia tem a seguinte composição: Eletronorte com 19,98%; Eletrobras e Chesf com 15% cada; Fundação Petrobras de Seguridade Social e Participações Bolzano com 10% cada; Gaia Energia e Participações com 9%; Caixa Fundo de Investimento em Participações Cevix com 5%; Construtora Queiroz Galvão e OAS, com 2,51% cada; Fundação dos Economiários Federais com 2,5%; Contern, Cetenco Engenharia, Galvão Engenharia, Mendes Júnior Trading e Engenharia e ServengCivilsan S.A. Empresas Associadas de Engenharia com 1,25% cada; Siderúrgica Norte Brasil e J. Malucelli Construtora de Obras com 1% cada, e J. Malucelli Energia com 0,25%.

Dilma defende Cardeal e diz que banco 'está chorando'

DEU EM O GLOBO

Petista afirma que instituição alemã errou ao dar empréstimo e que há uma central de boatos contra sua candidatura

Wagner Gomes

SÃO PAULO. A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, reagiu ontem à denúncia contra um de seus aliados e culpou o banco alemão Kreditanstalt fur Wiederaufbau (KfW) por conceder um “empréstimo ilegal” a uma subsidiária da Eletrobras. Dilma disse que o banco, que já demitiu o funcionário responsável pela negociação, está querendo se beneficiar da questão.

— Eu acho bom que na campanha eleitoral a gente mude as fofocas. Quem está falando isso está beneficiando o banco.

O KfW errou. O banco fez e aceitou um empréstimo com aval ilegal e agora está querendo ganhar essa questão — disse Dilma, logo após visitar o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

Controlado pelo governo alemão, o KfW emprestou 157 milhões de euros a duas empresas brasileiras (Winimport e Hamburgo) para a construção de usinas de biomassa no Sul do Brasil, mas nem todas as obras saíram do papel, segundo reportagem publicada neste fim de semana pela revista “Época”. A Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), presidida por Valter Cardeal, homem de confiança de Dilma no setor elétrico e diretor da Eletrobras, foi a fiadora do empréstimo, o que vai contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.

— O que o banco está fazendo é chorando — afirmou Dilma ontem.

KfW afirma que Cardeal sabia de garantia ilegal O banco alemão de desenvolvimento ingressou com uma ação de danos materiais e morais na 10 aVara Cível de Porto Alegre pedindo indenização à CGTEE. De acordo com o KfW, havia evidências de que Cardeal sabia das garantias ilegais. De acordo com a revista, em 2007, Cardeal também foi denunciado pelo Ministério Público Federal por gestão fraudulenta e desvio de recursos com base em uma operação (Navalha) da Polícia Federal, que investigou irregularidades em obras públicas.

Sob a proteção de Dilma, no entanto, ele teria se mantido firme no governo, assumindo a presidência do Conselho de Administração da Eletronorte e de Furnas. No documento, o banco afirma que até mesmo alguns políticos, como Dilma Rousseff, tinham conhecimento da fraude em torno das garantias exigidas para o empréstimo.

Dilma ataca privatizações; Serra acusa o PT de mentir

DEU EM O GLOBO

Candidatos voltam a se enfrentar em debate tenso, mas sem mencionar a religião

Em debate ontem à noite na RedeTV!, os candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) voltaram a trocar acusações, com a petista insistindo nos ataques às privatizações e na tese de que os tucanos pretendem privatizar estatais. Serra, por diversas vezes, acusou o PT de Dilma de mentir, criticando resultados do governo Lula e destacando avanços das privatizações, como no setor de telecomunicações. Para ele, não está em questão qualquer privatização atualmente e, por isso, o PT usa o assunto com fins eleitorais. Os dois discutiram também sobre educação, segurança e infraestrutura. Serra voltou a criticar o Enem, "desmoralizado no governo do PT", mas o exame foi defendido por Dilma, que o acusou de pretender acabar com o teste, o que o tucano negou. Durante todo o debate, tanto Serra como Dilma não falaram de aborto, casamento gay e outros temas que envolvem questões religiosas e que têm dominado o embate entre eles neste segundo turno. Para especialistas que acompanharam o programa a pedido do GLOBO, o tom beligerante entre os candidatos não ajuda o eleitor indeciso a fazer sua escolha.

Muito embate, pouco debate

Dilma ataca privatizações; Serra diz que PT mente; e propostas não são aprofundadas

Fábio Vasconcelos, Henrique Gomes Batista e Rafael Galdo

O segundo debate entre os candidatos à Presidência, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), realizado ontem pela RedeTV! e pela “Folha de S.Paulo”, foi marcado por troca de acusações do início ao fim. Como no primeiro debate deste segundo turno, a petista voltou a acusar Serra e tucanos de serem favoráveis à privatização de empresas públicas. O candidato tucano acusou Dilma de mentir para os eleitores e disse que o PT é que “privatiza” a estatal, dividindoa entre seus partidos aliados. A descriminalização do aborto, o casamento gay e o discurso religioso, que têm provocado polêmica entre eles neste segundo turno, não foram abordados por nenhum deles.

Os dois candidatos começaram o debate aparentemente nervosos.

Eles não responderam à primeira pergunta feita pelo mediador, que pedia a cada um que apontasse defeitos e qualidades do adversário. Além das privatizações, Serra e Dilma discutiram sobre formação profissionalizante, segurança pública, saúde, educação, infraestrutura e corrupção.

Serra foi o primeiro a fazer pergunta. Cobrou de Dilma explicações para o baixo número de trabalhadores que tiveram acesso a cursos de capacitação com recurso do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT). Segundo Serra, no governo Lula apenas 2 milhões de trabalhadores participaram dos cursos, contra 14 milhões no governo Fernando Henrique.

Dilma não respondeu à pergunta e preferiu citar números de escolas técnicas criadas nos últimos oito anos. A candidata do PT acusou o governo FH de proibir a construção de escolas técnicas: — Nos últimos cem anos foi criada uma quantidade de escolas técnicas abaixo do que nós criamos. Nós estamos criando, até o final deste ano, 214 escolas técnicas contra 140. Por que foram criadas tão poucas escolas técnicas (antes)? No período do governo anterior, do Fernando Henrique, na qual o candidato adversário foi ministro do Planejamento e também ministro da Saúde, o que aconteceu? Foi feita uma lei proibindo que se criasse escolas técnicas a não ser que estados e municípios assumissem a manutenção dessas escolas — disse a petista.

Na réplica, Serra acusou Dilma de citar números “fantasiosos” e afirmou que o número de vagas em escolas técnicas em São Paulo supera os dados do governo federal: — A pergunta (sobre o FAT) não foi respondida. Na verdade, investia-se por ano cerca de R$ 700 milhões nesse treinamento, e o FAT foi feito para isso. E a lei que permitiu usar recursos do FAT para treinamento foi de minha autoria. No entanto, a partir de 2003, isso mergulhou. Passou-se a se investir quase nada. Sete vezes menos.

Não é verdade que o governo anterior proibiu escola técnica. Escola técnica não é a mesma coisa que curso profissionalizante do FAT. Os números (citados por Dilma) são sempre apresentados na base da fantasia, “vamos ter, faremos isso e aquilo”.

Na tréplica, Dilma insistiu no ataque: — O que o candidato está fazendo é tergiversando. De fato proibiram.

Queriam que as escolas técnicas fossem custeadas por estados e municípios.

Ora, estados do Nordeste, cidades menores do interior de São Paulo, não poderiam ter.

Na sua vez de perguntar, Dilma voltou a falar nas privatizações. Acusou o governo de São Paulo de recorrer ao Cade para suspender a venda da empresa Gas Brasiliano à Petrobras.

Serra voltou a criticar a falta de uso de recursos do FAT para treinar trabalhadores.

Ao responder depois, Serra afirmou: — Esse não é um assunto que dependa do governo de São Paulo. Há uma agência, e nós respeitamos a autonomia e a liberdade das agências, em vez de fazer como o governo federal, que faz um loteamento político e passa a usar as agências como instrumento para criar dificuldades para vender facilidades. Segundo, o argumento é de outra natureza, é que a Petrobras é a fornecedora do gás. Em geral quem fornece não distribui o gás porque aí fica o poder de monopólio, e é uma coisa que limita a concorrência para o consumidor. A campanha da candidata na TV mente a respeito da minha posição sobre a Petrobras. Fui um dos que lideraram a luta em defesa pela Petrobras.

No segundo bloco do debate, Dilma tentou monopolizar o tema da privatização. A candidata explicou melhor o caso da Gas Brasiliano, empresa de capital italiano que está querendo vender seus ativos no Brasil e que, por conta da distribuidora paulista de gás, tem participação do governo do estado em seu capital.

Ela acusou o governo de Serra, enquanto governador, de questionar no Cade, órgão de controle da concorrência no país, a possibilidade de a Petrobras comprar a Gas Brasiliano: — A Petrobras ofereceu o maior preço (pela Gas Brasiliano), a segunda colocada é uma empresa japonesa e a terceira é uma empresa privada nacional. Mesmo dando o maior preço, por que a agência reguladora do estado e a Secretaria de Energia aqui de São Paulo não são favoráveis à compra? Eu gostaria de entender.

Serra disse que o PT e a candidata tratam do tema da privatização por questões eleitorais.

— Não tem nada a ver (o debate da privatização) com os problemas atuais, hoje não há na agenda do Brasil empresas para serem privatizadas.

O que há, isso sim, são empresas para serem estatizadas, ou seja, são empresas públicas das quais o governo é proprietário mas que são usadas para fins privados de um partido, de um grupo, de uma turma, como acontece, por exemplo, infelizmente, na própria área da Petrobras, que é toda dividida, diretoria para tal partido, empresa distribuidora para tal força política, dizem até que é para o ex-presidente Collor, que é um entusiasta apoiador da candidata petista — respondeu o tucano.

Serra disse ainda que é tão favorável à Petrobras que o próprio mercado reconhece isso: — Quando houve o segundo turno, só essa notícia, da possibilidade da minha vitória, a situação das pesquisas, as ações da Petrobras melhoraram — disse, provocando aplausos de tucanos e vaias de petistas.

Na sequência, Serra questionou Dilma sobre políticas antidrogas e disse que o governo de Lula pouco fez, principalmente no controle de fronteiras.

— Até o presidente Evo Morales (Bolívia), que é amigo de Lula, reconheceu que há muito contrabando de droga em seu país. Essa droga vem para o Brasil — disse Serra, afirmando que a política de segurança do PT é a adotada pelo governo petista no Pará, onde uma jovem foi presa numa cela masculina.

Dilma disse que o melhor seria comparar o que os dois governos fizeram, e no governo federal há uma maior política de reaparelhamento da Polícia Federal.

— O candidato Serra vive falando que tem um política de apoio aos viciados.

Estima-se que há 300 mil viciados em droga no Estado de São Paulo, mas, como ele mesmo corrigiu, só há 300 vagas em clínicas do governo do Estado — disse Dilma. — A característica do governo Serra é fazer programas pilotos. Eles fazem pouco para poucos. Nós fazemos muito para muitos.

Na sua segunda pergunta, Dilma voltou a falar de privatização, questionando se Serra colocaria novamente as empresas do sistema Eletrobras no rol das que poderiam ser privatizadas. Serra respondeu dizendo que há coisas boas na privatização, como a privatização do sistema de telecomunicações.

Na última pergunta do bloco, Serra perguntou a Dilma por problemas em infraestutura, afirmando que há poucos investimentos em rodovias.

— O custo de levar a soja do porto de Paranaguá à China é menor que o custo de levar a soja do Mato Grosso ao porto de Paranaguá — disse Serra.

Dilma respondeu dizendo que nunca se investiu tanto em infraestrutura como agora, acusou Serra de “roubar” seus projetos, que estão no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No que o tucano afirmou que o PAC é uma lista de obras, mas que pouco sai de fato do papel.

Serra, diversas vezes, disse que Dilma mente, e afirmou que ela fala muito e faz pouco. “Vê tudo pelos óculos do PT, tudo azul” e disse que o PT sempre critica São Paulo.

Dilma respondeu que as críticas que faz é em relação ao governo paulista de Serra, não contra o estado ou o povo paulista.

Eleitores indecisos avaliam que Serra se saiu melhor no debate

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em pesquisa feita em SP após o encontro, tucano ganhou 12 votos, e Dilma, 4 Eleitores acham que Serra começou melhor, Dilma se recuperou no meio, mas tucano voltou a crescer ao final

DE SÃO PAULO - Para um grupo de 27 eleitores que avaliou o debate em tempo real a convite da Folha e da RedeTV!, José Serra (PSDB) se saiu melhor que Dilma Rousseff (PT).

No início do programa, os avaliadores se dividiam assim: 23 indecisos, dois dispostos a votar no tucano e outros dois na petista.

Ao fim do debate, Serra tinha 14 votos. Dilma contava seis votos, e sete eleitores permaneciam indecisos. Ou seja: Serra conquistou 12 indecisos, e Dilma, só quatro.

O resultado acompanha a avaliação do desempenho de cada um: 14 acharam Serra melhor, seis preferiram Dilma e sete não opinaram. A pesquisa foi feita com um grupo reduzido de eleitores de São Paulo e não pode ser usada para avaliar a repercussão do debate no país.

O grupo foi recrutado pela empresa Interactiva, que usa o sistema "view facts". É o mesmo método usado pelos partidos para medir o desempenho dos candidatos.

Os convidados receberam uma espécie de controle remoto para dar notas de 0 a 100 a cada resposta. Ontem, as notas oscilaram entre 40 e 75, o que indica que nenhum candidato teve momentos de grande brilho ou de deslize.

Para os indecisos, Serra venceu três blocos: o primeiro, o quarto e o quinto, de considerações finais. Dilma ganhou o terceiro bloco, de perguntas de jornalistas, e o segundo ficou empatado.

Em seu melhor momento, Serra alcançou 75 pontos ao criticar a entrada de drogas no país. Sua pior nota foi 48, quando teve que responder sobre a denúncia de que Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, teria desviado R$ 4 milhões de caixa dois da campanha tucana.

Dilma teve pico de 70 pontos ao defender investimentos em educação e acusar Serra e o PSDB de não gostar do Enem. A petista caiu aos 40 ainda no primeiro bloco, ao se confundir numa resposta sobre ensino técnico.

De forma geral, os eleitores consideraram que Serra começou melhor, Dilma se recuperou no meio do debate, e o tucano recuperou a dianteira na parte final.

No debate Folha/RedeTV! do primeiro turno, em que havia quatro candidatos na arena, Marina Silva (PV) foi a mais bem avaliada, mas Dilma ganhou mais indecisos.

Na reta final, PSDB insiste no elo entre Dilma e Erenice

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ana Paula Scinocca

BRASÍLIA - Enquanto o comando de campanha de Dilma Rousseff (PT) faz ofensiva para retirar a polêmica do aborto da pauta eleitoral, o PSDB de José Serra quer insistir na comparação das biografias dos candidatos e nas companhias da petista - sobretudo a ex-ministra Erenice Guerra, que deixou a Casa Civil após um escândalo de corrupção - nestas duas últimas semanas de campanha.

Animados com as mais recentes pesquisas de intenção de voto, que apontam diminuição da vantagem de Dilma, a cúpula tucana deve insistir mostrando que a petista "não tem biografia" e é "uma incógnita" - uma candidata à sombra de seu padrinho político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na avaliação do comando da campanha do PSDB, por sua história, biografia e propostas, Serra projeta um futuro melhor.

"Estamos no caminho certo. Quem fica mudando toda hora é quem está perdido", disse o presidente nacional do PSDB e coordenador da campanha de Serra, senador Sérgio Guerra (PE).

A campanha de Serra também diz não estar preocupada com eventuais novas investidas dos adversários citando Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto.

Denúncia. Integrantes do PT têm usado denúncia da revista IstoÉ, de que o ex-diretor da Dersa teria supostamente sumido com R$ 4 milhões, captados à margem da legislação eleitoral, da campanha do PSDB.

Na avaliação de tucanos, Serra não fugiu do assunto ao ser questionado sobre Souza. Para o PSDB, nova investida do PT neste caso não passa de "desespero". "Isso é tentar desviar o foco da Erenice e do esquema dos Correios", resumiu um importante coordenador da campanha.

Privatizações. Embora acreditem que o tema das privatizações não é popular junto ao eleitorado, os tucanos acreditam já ter criado uma "vacina" para evitar que a pecha de privatista cole em Serra como ocorreu em 2006 com o então candidato tucano Geraldo Alckmin.

À época, o candidato tucano Geraldo Alckmin disputava a Presidência com o atual presidente Lula e não conseguiu escapar do tema e do rótulo.

Serra, ao contrário, avaliam os tucanos, têm dado declarações que mostram claramente a sua posição, como a defesa que tem feito de fortalecimento da Petrobrás e da Caixa Econômica Federal, entre outros.

Itamar quer oposição 'autêntica' contra o PT

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-presidente e senador eleito fala sobre o governo Lula e analisa disputa Serra-Dilma

Malu Delgado
Enviada Especial Belo Horizonte

O ex-presidente Itamar Franco parece mais sereno com a idade. "Eu me eduquei a não ter mágoas", diz o recém-eleito senador pelo PPS de Minas Gerais a reboque da popularidade do ex-governador Aécio Neves (PSDB).

As rusgas - ou "algumas tristezas", como ele diz - com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o PSDB foram deixadas para trás, talvez com base no ensinamento do velho senador Teotônio Vilela, que lhe recomendou a "não deixar a mágoa passar da garganta para baixo porque faz mal ao coração". Hoje, aos 80 anos, Itamar Franco é um dos principais cabos eleitorais do presidenciável José Serra (PSDB) em Minas.

"Minas pode indicar a virada necessária para o Serra ganhar as eleições. Agora, ele precisa tocar os corações mineiros. Aí vem o problema político", afirma o ex-presidente. Apesar de mais suave, Itamar continua direto e franco. O problema político, analisa, é a necessidade de Serra se assumir como oposição e de adaptar o discurso para diferentes estratos sociais. Ao lado de Aécio, Itamar acha que a oposição precisa ser mais autêntica e se contrapor ao governo Lula, mostrando as transformações sociais obtidas graças ao Plano Real, implantado na transição entre o seu governo e o de FHC.

"Quando a dona Dilma (Rousseff, presidenciável do PT) diz que todos melhoraram de vida, por que eles não rebatem dizendo o seguinte: o pãozinho custava de manhã um preço, de tarde outro, de noite outro. E, além do pãozinho, o salário do trabalhador à noite estava totalmente corroído. A inflação era de 4% ao dia. Hoje é de 5% ao ano."

Enquanto rabisca um papel e diagnostica o resultado das eleições em Minas, Itamar Franco manda recados aos tucanos, a Serra e a Fernando Henrique. "Sei que eles vão jogar tudo no lixo, mas eu falo assim mesmo. Eles não gostam que eu fale." Logo em seguida, deixa claro que as advertências ao presidenciável são feitas com extrema cautela e consideração: "Eu estou fazendo uma crítica positiva. Serra terá meu voto, meu apoio cívico".

"Leio que o ex-presidente Fernando vai querer uma conversa cara a cara quando o petista puser o pijama. Ora, o que assistimos a todos os dias na televisão? Ataques ao presidente Fernando. E por que ele vai esperar o homem por pijama? Por que não já vem agora, com um minuto ou 45 segundos no programa do Serra, e diz assim: olha presidente Lula, eu estou aqui, e me chame para o debate na hora que quiser. Faça isso antes de terminar o horário eleitoral. Porque não adianta ele querer esconder a face. Toda hora eles (o PT) mostram a face dele. O que vai adiantar ele dizer que quer debater com o Lula depois que ele sair do governo? Nada", irrita-se Itamar.

O senador eleito repudia estratégias baixas de campanha, atribuídas por ele a parte do PT. Reconhece, porém, que também os tucanos cometem seus excessos, como o vídeo que comparou petistas a cães rottweilers. E os reprova. "Empobrece muito a política brasileira e é por isso que começa a haver essa descrença. Agora também o PSDB faz isso porque a agressão parte primeiro deles. Eles ficam toda hora atacando o ex-presidente. Cada um usa a arma que quer usar. Eu condeno. Acho que a campanha deve se dar em alto nível."

O debate religioso e de valores terá seu espaço em Minas Gerais, com seu lado conservador, reconhece Itamar Franco. Porém, mais uma vez, o ex-presidente faz advertências a seus aliados e adversários: "Tem horas que você tem que buscar os valores sim. Temos que mostrar aos moços e às moças que o Brasil não surgiu com o presidente Lula. Mas, de repente, todo mundo volta a ser religioso. Uma hora fala de aborto, outra hora fala dos gays. São temas muito sensíveis. Por que não falou logo de uma vez: eu defendo a legislação atual em relação ao aborto. O Serra, pelo que sei, defende a legislação atual", afirma. Minas, segundo ele, "é fundamentalmente religiosa". "Acho errado é usar a religião para ganhar votos."

O discurso duro de Itamar reserva momentos de bom humor, coisa rara de se ver em suas atuações políticas no passado. "O governo do pão de queijo foi tão bom que eu poderia ter cobrado royalties", brinca, relembrando a maneira pejorativa a que muitos se referiam a seu mandato.

Segundo ele, Serra não tinha campanha em Minas. "Por mais que falássemos do nome de Serra, tinha cidade em que não havia nenhuma propaganda dele. Ele descuidou de Minas. Mas para eles não perderem muito tempo, é só chamar Aécio. É colocar Aécio na campanha"", prega. Serra, segundo ele, deve ter a humildade de deixar Aécio ""ensiná-lo"" a fazer campanha em Minas.

Ex-presidente critica salto alto de Dilma e ataca soberba de Lula

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Itamar, candidata petista faz um discurso decorado e presidente gosta do poder e está com o ego inchado

Para o engenheiro Itamar Franco, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, certamente seria reprovada em cálculo. "Porque ela só faz um discurso decorado. Artificial e pedante", justifica. O excesso de confiança petista no primeiro turno fez Dilma perder, afirma Itamar.

Ao presidente Lula, ele também reserva uma boa dose de críticas e reprovações, inclusive a constatação de que o petista deixou de ser um democrata e um homem simples. "Em 2005 eu apoiei o presidente. Mas ele não tem mais postura democrática. Um sujeito que fala "nunca antes". Será que ninguém antes dele fez alguma coisa por esse País? Isso é uma ofensa. Ele não respeita a Justiça Eleitoral, não respeita a imprensa. Em 2005 ele era um homem simples. Hoje ele é um homem soberbo, que gosta do poder. E a gente sabe que o poder é fugaz, é passageiro. O ego dele está muito inchado. Só que a gente aprende que o poder é passageiro", ataca Itamar.

Para o ex-presidente, Lula tem vulnerabilidades e pontos fracos, tanto que perdeu a eleição em Minas Gerais, Estado onde quis interferir diretamente, e é obrigado a enfrentar agora um segundo turno difícil entre a candidata que escolheu e Serra. Escândalos de corrupção do atual governo precisam ser explicados e mencionados constantemente pela oposição, reivindica Itamar. "Esse caso da Dona Erenice. Tocam de levezinho. Cadê a dona Erenice? Tem que explicar ao eleitor quem é."

Aécio aproximou o novo senador do tucano Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Itamar Franco não esconde que a construção de pontes entre ele e o tucano José Serra foi mérito exclusivo de Aécio Neves. "Aqui em Minas foi Aécio que fez nos aproximarmos dele."

Aécio, que será seu colega de Senado, foi escolhido por Itamar como o grande líder nacional. Sem poupar elogios, Itamar demonstra a certeza de que o futuro político do colega mineiro é promissor. Sobre compromissos entre o ex-governador de Minas e Serra sobre 2014, Itamar Franco demonstra descrença.

"É uma bobagem jogar com o tempo. O tempo às vezes favorece, mas às vezes também não ajuda. Não acredito que ninguém faça compromisso para 2014. Não sabemos se virá reforma política, não sabemos os desígnios de Deus. É muito difícil."

"Aécio", continua, "é suficientemente inteligente e sabe que hoje é ele a grande liderança nacional". Sobre o futuro do colega, ele faz uma menção filosófica que explica também aonde ele próprio chegou: "Ele tem o tempo a seu favor. Isso me faz lembrar o filósofo Plutarco, que dizia que o importante não é correr, é andar"".

Itamar diz que chegará ao Senado para libertá-lo "das teias do Executivo". "O presidente esquece-se da Constituição, esquece-se de que os poderes são independentes. O Senado hoje é ajoelhado perante o Executivo."

Aliados de Lula ficam divididos no segundo turno

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Luciana Nunes Leal

RIO - Enquanto o PR do Rio mantém suspense sobre a posição no segundo turno da eleição presidencial, outros partidos da base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acentuaram as divisões internas, com novas adesões à campanha do tucano José Serra.

Com um pé em cada canoa, PMDB, PP e PTB deixam as portas abertas para se aproximarem do futuro governo, seja ele do PT ou do PSDB. No Rio Grande do Sul, os peemedebistas, depois da neutralidade do primeiro turno, indicaram o voto em Serra e se associam a grupos dissidentes como os liderados pelos ex-governadores Orestes Quércia em São Paulo, Jarbas Vasconcelos em Pernambuco e Luiz Henrique em Santa Catarina.

"No caso do Rio Grande do Sul, é natural a aliança do PMDB com o PSDB. A neutralidade do primeiro turno foi feita em favor de Michel Temer (presidente do PMDB e candidato a vice de Dilma Rousseff). Michel cortou uma parte da nossa ponte com o PSDB. Reduziu de seis pistas para cinco, mas não foi desfeita. É normal que o PMDB seja chamado para conversar e isto vale para a vitória de Dilma ou de Serra", diz o deputado serrista Eliseu Padilha (PMDB-RS).

O PP tem 22 diretórios favoráveis a Dilma Rousseff, também apoiada pelo presidente nacional da legenda, Francisco Dornelles (RJ). No Paraná, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, no entanto, a legenda está com o presidenciável tucano.

"O PP não está desunido, está livre", define Dornelles, lembrando que a posição oficial do partido, decidida em convenção, foi de não se coligar a nenhuma candidatura. "O problema todo é fazer eleição nacional coincidente com as eleições locais", afirma o senador. Dornelles tem certeza de que, independentemente do vencedor da disputa presidencial, "a bancada estará unida de 2011 em diante".

O PTB é outro partido com aliados dos dois lados. Depois de aprovar em convenção apoio a José Serra, apesar de líderes regionais como os senadores Fernando Collor (AL) e Gim Argello (DF) estarem com Dilma desde o primeiro turno, o presidente do partido, Roberto Jefferson (RJ), rompeu com Serra, anunciou o voto em Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) em 3 de outubro e foi voto vencido na decisão da legenda de manter a coligação com os tucanos.

Seja Serra ou Dilma o futuro presidente, Jefferson aposta no diálogo com o PTB."O senador Gim Argello é o relator do Orçamento de 2011. É claro que o presidente eleito vai ter que conversar com ele, seja quem for", diz.

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Infância – Paulo Mendes Campos

Há muito, arquiteturas corrompidas,
Frustrados amarelos e o carmim
De altas flores à noite se inclinaram
Sobre o peixe cego de um jardim.
Velavam o luar da madrugada
Os panos do varal dependurados;
Usávamos mordaças de metal
Mas os lábios se abriam se beijados.
Coados em noturna claridade,
Na copa, os utensílios da cozinha
Falavam duas vidas diferentes,
Separando da vossa a vida minha.
Meu pai tinha um cavalo e um chicote;
No quintal dava pedra e tangerina;
A noite devolvia o caçador
Com a perna de pau, a carabina.
Doou-me a pedra um dia o seu suplício.
A carapaça dos besouros era dura
Como a vida — contradição poética —
Quando os assassinava por ternura.
Um homem é, primeiro, o pranto, o sal,
O mal, o fel, o sol, o mar — o homem.
Só depois surge a sua infância-texto,
Explicação das aves que o comem.
Só depois antes aparece ao homem.
A morte é antes, feroz lembrança
Do que aconteceu, e nada mais
Aconteceu; o resto é esperança.
O que comigo se passou e passa
É pena que ninguém nunca o explique:
Caminhos de mim para mim, silvados,
Sarçais em que se perde o verde Henrique.
Há comigo, sem dúvida, a aurora,
Alba sangüínea, menstruada aurora,
Marchetada de musgo umedecido,
Fauna e flora, flor e hora, passiflora,

Espaço afeito a meu cansaço, fonte,
Fonte, consoladora dos aflitos,
Rainha do céu, torre de marfim,
Vinho dos bêbados, altar do mito.
Certeza nenhuma tive muitos anos,
Nem mesmo a de ser sonho de uma cova,
Senão de que das trevas correria
O sangue fresco de uma aurora nova.
Reparte-nos o sol em fantasias
Mas à noite é a alma arrebatada.
A madrugada une corpo e alma
Como o amante unido à sua amada.

O melhor texto li naquele tempo,
Nas paredes, nas pedras, nas pastagens,
No azul do azul lavado pela chuva,
No grito das grutas, na luz do aquário,
No claro-azul desenho das ramagens,
Nas hortaliças do quintal molhado
(Onde também floria a rosa brava)
No topázio do gato, no be-bop
Do pato, na romã banal, na trava
Do caju, no batuque do gambá,
No sol-com-chuva, já quando a manhã
Ia lavar a boca no riacho.
Tudo é ritmo na infância, tudo é riso,
Quando pode ser onde, onde é quando.

A besta era serena e atendia
Pelo suave nome de Suzana.
Em nossa mão à tarde ela comia
O sal e a palha da ternura humana.
O cavalo Joaquim era vermelho
Com duas rosas brancas no abdômen;
À noite o vi comer um girassol;
Era um cavalo estranho feito um homem.
Tínhamos pombas que traziam tardes
Meigas quando voltavam aos pombais;
Voaram para a morte as pombas frágeis
E as tardes não voltaram nunca mais.
Sorria à toa quando o horizonte
Estrangulava o grito do socó
Que procurava a fêmea na campina.
Que vida a minha vida! E ria só.

Que âncora poderosa carregamos
Em nossa noite cega atribulada!
Que força do destino tem a carne
Feita de estrelas turvas e de nada!
Sou restos de um menino que passou.
Sou rastos erradios num caminho
Que não segue, nem volta, que circunda
A escuridão como os braços de um moinho.