domingo, 9 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula se refugia entre aduladores e reforça erros do governo

Folha de S. Paulo

Presidente encara impopularidade com lentes do passado, recusa responsabilidade fiscal e se afasta de forças moderadas

Por uma mistura de falta de visão estratégica, apego a ideias obsoletas e má leitura do equilíbrio de forças na política, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avança pela segunda metade de seu mandato sem um projeto claro sobre o que pretende fazer daqui para a frente. Na dúvida, ele vira à esquerda.

Na economia livrou-se dos últimos vestígios daquele verniz que vez ou outra o fazia prestigiar a agenda de mínima responsabilidade orçamentária proposta pelo seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A opção pela gastança, que sempre foi a preferida de Lula, agora está escancarada.

O presidente está à caça de "medidas" como liberações de créditos e recursos do FGTS que, de acordo com a sua cartilha primitiva de gestão pública, possam ajudá-lo a combater a impopularidade. Como decidiu torrar recursos no início da administração, as opções agora são restritas.

Entrevista | José Sarney: 'É melhor sair da política muito bem do que já velho'

Ivan Martinez Vargas / O Globo

Prestes a fazer 95 anos, primeiro presidente civil após a ditadura, cuja posse completa quatro décadas nesta semana, defende apoio do MDB à reeleição do petista

Quem chega à sala da casa do ex-presidente José Sarney em Brasília contempla, em meio a uma coleção de arte sacra, um quadro com o retrato do frei Francisco de Bourdemare, missionário espanhol enviado ao Maranhão no século 17. Na parede em frente, uma imagem do próprio Sarney, de dimensões maiores, com a faixa presidencial, dá o tom imponente ao ambiente, frequentado por presidentes, ex-mandatários e lideranças políticas variadas. Enquanto desenvolve um raciocínio político aguçado, o ex-presidente caminha com lentidão e diz que o envelhecimento começa pelas pernas. “É melhor sair muito bem (da política) do que já velho”, diz ele.

Prestes a fazer 95 anos de idade, Sarney se mantém ativo como conselheiro político. Longe do dia a dia da vida partidária desde o fim de seu quinto mandato como senador pelo MDB , em 2015, ele divide seu tempo entre a capital federal e São Luís (MA) escrevendo um livro sobre a necessidade de uma reforma do sistema eleitoral no país, baseado na experiência do primeiro civil a ocupar a Presidência da República após a redemocratização. No próximo sábado, completam-se quatro décadas da posse, data considerada um marco do fim da ditadura.

Em uma de suas raras entrevistas, ele critica a falta de liderança no Congresso, diz que Lula está governando num tempo difícil, defende aliança do MDB com o petista em 2026 e afirma que o Brasil precisa superar a polarização para trilhar o caminho da prosperidade. “A política de inimigos foi superada”, pontua.

O governo Lula tem enfrentado queda na popularidade, em especial pela alta nos preços dos alimentos. Seu governo também sofreu com a inflação. A que o senhor atribui a atual crise?

O presidente Lula fez excelentes governos. E a democracia possibilitou um operário no poder. Isso raramente acontece. Mas ninguém governa o tempo no qual se vai governar. Há tempos em que governamos na abundância, mas há tempos em que governamos na escassez. Lula não está nos governando num tempo de bonança, mas sim num tempo difícil, não só para o Brasil, mas de uma maneira internacional. Eu governei num tempo que a História se contorcia. Criamos as eleições diretas. Asseguramos direitos civis e os direitos humanos. Criamos uma Constituição.

Sarney governou com greves e hiperinflação, mas nos legou a democracia - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O Brasil deve muito a Sarney, que enfrentou período marcado por forte instabilidade econômica e ampla mobilização social, com firme convicção democrática

O ex-presidente José Sarney, prestes a completar 95 anos, teve um papel decisivo na democratização do país, ao convocar a Constituição de 1987 e trabalhar para a que a transição política ao Estado democrático de direito chegasse a bom termo. Não foram poucos os desafios que enfrentou na Presidência, após a internação de Tancredo Neves, na véspera de sua posse. Vice, assumiu a Presidência em 15 de março de 1985.

No próximo sábado, Sarney será homenageado pela Fundação Astrojildo Pereira e pelo Cidadania, ao lado de alguns deputados constituintes, entre os quais Aécio Neves (PSDB) e Roberto Freire (Cidadania). Será durante seminário no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes. Segundo Comte Bittencourt, presidente do partido, “o objetivo é resgatar o papel histórico de Sarney e fazer balanço dos 40 anos de redemocratização do país, suas conquistas, dívidas e desafios”. O “Correio Braziliense” apoia a iniciativa.

Momento de decisão - Merval Pereira

O Globo

Uma Corte Suprema tem a sua autoridade e reputação baseadas no respeito que demonstre às regras de direito

O momento em que o país se prepara acompanhar um julgamento em que os acusados, muitos militares, incluído um ex-presidente da República, respondem por uma tentativa de golpe de Estado, é o mais adequado para a leitura do novo livro do jurista Gustavo Binenbojm, chamado “Freios e contrapesos: independência, controles recíprocos e equilíbrio entre Poderes”, que será lançado em breve. Trata das questões atuais e controversas sobre o sistema político brasileiro, como emendas de orçamento, controle da segurança pública pelo STF e o presidencialismo congressual.

Para Binenbojm, a Constituição brasileira de 1988, promulgada sob os auspícios da redemocratização, erigiu uma espécie de poliarquia no país, consagrando um complexo sistema de freios e contrapesos entre os Poderes da República. A conquista e a preservação do regime democrático há quase quatro décadas é um ativo da sociedade brasileira que merece ser celebrado. Mas isso não deve interditar, ressalva, o debate sobre a qualidade da democracia que praticamos e a funcionalidade do nosso sistema político.

O inegável bom resultado do PIB - Míriam Leitão

O Globo

O forte PIB nos dois primeiros anos é digno de comemoração, mas algumas ideias do próprio governo acabam ofuscando esse resultado

O balanço dos dois primeiros anos do governo Lula na economia é, sem dúvida, positivo. O crescimento de 3,4% em 2024 superou o do ano anterior, além de ser o dobro do que foi projetado pelo mercado no começo do ano. Foi melhor porque não dependeu de um setor só, foi puxado pelo consumo das famílias e pelo investimento. O PIB per capita cresceu 3%. Isso depois de alta de 3,2% em 2023. Tantos resultados positivos na economia não estancam a artilharia amiga e inimiga — há diferença?— contra o ministro Fernando Haddad. Nos dois anos, o PIB acumulou alta de quase 7%.

Os serviços cresceram 3,7%, a indústria de transformação cresceu 3,8%, o consumo das famílias 4,8%, o investimento 7,3%. Muitos números bons sustentaram o PIB, apesar da queda forte da agropecuária de 3,2%. O resultado é de se comemorar. Porém, o PIB perdeu fôlego no último trimestre. Quase parou, na verdade. A alta dos últimos três meses ficou em 0,2%, quando o consumo das famílias caiu 1%, o que talvez explique o mau humor nas pesquisas. O que houve no fim do ano foi uma crise de confiança na política fiscal, em parte criada pela polifonia dentro do governo. O câmbio subiu, empurrou a inflação e fez o Banco Central iniciar um forte choque de juros. Com o aperto monetário, o país crescerá menos este ano.

Delfim Netto faz falta a Lula - Elio Gaspari

O Globo

O professor Antonio Delfim Netto faz falta. Ele era um eventual conselheiro de Lula e morreu em agosto.

Diante da carestia dos alimentos, Delfim poderia mostrar a Lula como é possível fabricar quedas artificiais ou momentâneas de preços. Poderia, sobretudo, mostrar que algumas medidas servem para nada.

Confrontados com a carestia, presidentes e hierarcas passam por duas fases. Na primeira, culpam o povo que compra gêneros caros (Lula já queimou essa etapa). Na segunda, acreditam em medidas pontuais (Lula entrou nesse estágio).

Delfim alertaria o presidente contra os colaboradores que oferecem soluções mágicas. Nesse ramo, ele superou o grande Houdini, mas não acreditava nos próprios truques. Ele conhecia as limitações do poder de Brasília e por isso tornou-se um valioso conselheiro longe dela.

Na quinta-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin reuniu hierarcas para anunciar medidas de combate à carestia. Repetiu-se o cenário do anúncio do pacote de contenção de gastos, anunciado por Haddad. Estava todo mundo lá, menos Lula. Como disse um sábio à época, se fosse para dar certo, Lula faria o anúncio.

Lula não dispõe mais dos conselhos de Delfim e está diante de um processo de fritura de Fernando Haddad, seu ministro da Fazenda. Trata-se de uma fritura especial. Há quem traga o óleo e também a frigideira, mas falta o sujeito que controla o fogão, e ele é o presidente da República.

Lula não fritou Antonio Palocci no seu primeiro mandato, apesar dos sinais emitidos por Dilma Rousseff, chefe de sua Casa Civil. (Hoje, quem está na cadeira é Rui Costa, com sua malquerença em relação a Haddad).

Defesa no ataque - Bernardo Mello Franco

O Globo

Em entrevista recente, Jair Bolsonaro admitiu que deve ser condenado, disse que teme morrer na cadeia e comparou a Primeira Turma do Supremo a uma “câmara de gás”. O desespero ajuda a entender as cambalhotas de sua defesa na Corte.

Antes de se manifestar sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República, o capitão apresentou uma extensa lista de pedidos. Queria anular a delação de seu ajudante de ordens e afastar três dos cinco ministros que devem julgá-lo.

O advogado de Bolsonaro sustentou que Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin deveriam ser declarados impedidos. Na véspera do carnaval, o ministro Luís Roberto Barroso frustrou a manobra por falta de amparo na lei.

Impossível desver 'Sem chão' – Dorrit Harazim

O Globo

Obra de um inédito coletivo de quatro diretores (dois israelenses e dois palestinos), o documentário tem dificuldades de exibição até nos países de origem

Nesta semana estreia no Brasil o filme “Sem chão” (“No other land”, em inglês), ganhador do Oscar de Melhor Documentário, concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Ao contrário do que ocorreu no Brasil com “Ainda estou aqui” , ou na Letônia com a premiação de “Flow”, não houve estado de graça nem festança nacional pela conquista da estatueta. Nem poderia. Obra de um inédito coletivo de quatro diretores (dois israelenses, Yuval Abraham e Rachel Szor, e dois palestinos, Basel Adra e Hamdan Ballal), “Sem chão” enfrenta dificuldades de exibição até mesmo em seus países de origem. Em Israel, berço dos diretores israelenses, o ministro da Cultura e dos Esportes, Miki Zohar, instruiu entidades nacionais a não divulgar a obra que, no seu entender, “calunia Israel no cenário global”. Na Cisjordânia palestina, onde nasceram e vivem os outros dois diretores, nada há para celebrar. A Palestina não existe como Estado independente, continua sob ocupação. É essa ferida aberta que o documentário estatela à nossa frente, com cenas reais filmadas ao longo de cinco anos, muitas vezes com apenas a câmera de um celular. Quem assistir não conseguirá desver.

‘Medidas drásticas’ - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Lula despachou Dilma para bem longe, mas ela nunca esteve tão próxima

Ao ameaçar o agronegócio com “medidas drásticas”, caso os preços dos alimentos não caiam, o presidente Lula não apenas deu uma de Donald Trump como desautorizou o seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que se esfalfaram para dar garantias para a sociedade, produtores, distribuidores, atacadistas e redes de supermercados de que não haveria “soluções heterodoxas”. Todo o esforço foi jogado no lixo.

Neste momento tenso no Brasil e no mundo, Lula subiu no palanque justamente num evento do MST e no dia do anúncio de um PIB animador para, mais uma vez, matar a boa notícia do PIB e conquistar reações amargas por toda parte, reforçando a percepção de que insiste em repetir os erros de Dilma Rousseff e descamba perigosamente para uma esquerda sem rumo.

O governo começa, enfim, a ver a obviedade - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Não há como restabelecer a sanidade econômica sem a contenção da demanda. Nesse caso, a solução inclui, como ponto essencial, um controle severo do gasto público federal

Empenhado em descobrir e redescobrir o óbvio, o governo anunciou a intenção de investir na formação de estoques de alimentos, essenciais para garantir alguma normalidade nos preços e assegurar o abastecimento a mais de 200 milhões de consumidores. Assombrados durante meses pela inflação da comida, esses brasileiros viram o presidente Lula e seus ministros mobilizarem-se, finalmente, para cuidar da nova ameaça à popularidade presidencial.

Seguida durante décadas, a política de estoques de segurança foi amplamente relaxada nos últimos dez anos – e até abandonada, no caso de alguns produtos. Entre 1987 e 2024, o estoque total de arroz disponível em dezembro superou em 14 anos 1 milhão de toneladas. No mesmo período, o milho estocado no fim de ano ultrapassou 1 milhão de toneladas em 22 ocasiões e, em vários momentos, ficou acima de 2 milhões e até 3 milhões de toneladas.

O mensageiro do caos - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Índices das bolsas dos EUA têm sofrido sucessivas quedas, eliminando ganhos com vitória de Trump

Donald Trump está derrubando os pilares da relativa igualdade de oportunidades, justiça racial, tolerância, prosperidade e segurança, conquistadas pelos americanos com esforço e talento ao longo de décadas. Ele anunciou o fechamento do Departamento de Educação, encarregado de conceder bolsas para alunos de baixa renda e com deficiências, e verbas para capacitação profissional. O departamento não influi em currículos e conteúdos, a cargo de Estados e municípios.

É um ataque à mobilidade social, que garante não só justiça e paz social, mas também o máximo aproveitamento do potencial dos americanos, independentemente de renda e condição física. Isso contribui para o êxito do capitalismo americano.

'Ainda Estou Aqui' abre portas para mudanças na sociedade - Sylvia Colombo

Folha de S. Paulo

Obras como a de Walter Salles, que venceu Oscar de melhor filme internacional, iluminam as consciências

"Quem vai atrás de osso é cachorro", já disse Jair Bolsonaro, referindo-se à busca por desaparecidos da ditadura militar brasileira (1964-1985).

Quando contei isso para Mariela Fumagalli, diretora da Eeaf (Equipe de Antropologia Forense Argentina), fez-se uma pausa na conversa. "Não é possível que uma parte considerável da sociedade se expresse dessa maneira. Se na Argentina há quem concorde com essa visão, ela é minoritária e envergonhada", me respondeu.

A entidade que ela comanda trabalha desde 1984 na busca, recuperação, identificação e restituição da identidade das vítimas do terrorismo de Estado no país. Desde sua criação, revelou os nomes de 840 pessoas, algumas enterradas em cemitérios clandestinos, outras encontradas às margens do rio da Prata por terem sido arremessadas nos chamados "voos da morte". Todo ano, esse número aumenta, porque o trabalho nunca foi interrompido.

Os ovos de Lula, Trump e demagogia - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Conversa do governo sobre preço de alimentos tem cada vez mais demagogia conspiratória

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos investiga se grandes produtores de ovos fazem conluio a fim de aumentar preçosDonald Trump fica entediado com esses assuntos, preço de comida, mas falou de ovos em seu discurso no Congresso, cheio de mentiras, demagogia imunda, ódio e delírio narcisista. Ao que parece, a carestia por lá se deve ao grande massacre de galinhas da gripe aviária.

Em discurso para o pessoal do MST, Luiz Inácio Lula da Silva falou com ira santa de sua missão de encontrar um culpado pela carestia dos ovos. "Ainda não encontrei uma galinha pedindo aumento do ovo. A coitadinha sofre, ainda canta quando põe o ovo, mas o ovo está saindo do controle. Uns dizem que é o calor, outros dizem que é a exportação. Eu estou atrás", disse o presidente.

Gleisi ministra - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

A melhor chance de ela ser bem-sucedida é Haddad entregar resultados na economia

Gleisi Hoffmann é a nova ministra da Secretaria de Relações Institucionais do governo Lula. Sua indicação gerou reações negativas no centrão e no mercado, como tudo que Lula fez nos últimos meses.

Do ponto de vista do mercado, o medo é que a nomeação de Gleisi enfraqueça ainda mais o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Como presidente do PT, ela criticava abertamente a política econômica do ministro, que a derrotou na disputa pela candidatura do PT em 2018.

As críticas de Gleisi e de seus aliados a Haddad foram completamente irresponsáveis. Ajudaram a difundir na esquerda a ideia de que Haddad, o primeiro ministro da Fazenda petista a propor taxar os ricos, é um neoliberal maluco. Entre os operadores do mercado, ajudaram a criar a imagem de que Haddad pode até ter ideias certas, mas não consegue se impor dentro do PT.

Homens-fortes - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro analisa trajetória de ditadores e líderes populistas de direita, de Mussolini a Trump

"Apesar de ouvirmos com frequência que homens-fortes são gênios da estratégia, poucos deles, ou talvez até mesmo nenhum, seguem um plano diretor. Seus verdadeiros talentos não são os do mestre de xadrez, mas os dos valentões de rua e vigaristas: rapidez para extrair o máximo das oportunidades que lhes são oferecidas, habilidade para fazer com que as pessoas se liguem a eles e acreditem em suas ficções, e a disposição para fazer qualquer coisa para obter a autoridade absoluta pela qual anseiam. A maioria deles termina com muito mais poder do que jamais imaginou".

Mutação identitária do regime americano - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Nas brechas abertas pela crise da democracia emerge com Donald Trump um autoritarismo sujeito a anacrônicas veleidades monárquicas

Quem olhou pode não ter visto tudo. No Salão Oval da Casa Branca, Donald Trump calado à mesa enquanto Elon Musk, de casaco e boné esportivos, com o filho X de quatro anos nos ombros, fala a um pequeno grupo de jornalistas. A certo instante, Trump tenta dizer alguma coisa, mas X, já no chão, o interpela: "Cale a boca, você não é o presidente!". Cena bizarra, um garoto não só refreia a língua do poderoso boquirroto como deixa transparecer o que deve ouvir em casa. Um episódio miúdo com relevância política que passou batido.

Lançamento: Alberto Aggio

Nesse livro procuro realizar uma reflexão sobre o processo político brasileiro das últimas quatro décadas. Uma ideia organiza o livro: a construção da democracia. Nesse processo coincidem mudanças, metamorfoses e transformismos que marcam os principais atores políticos dessa construção. 


Avanço do conservadorismo e erosão da democracia no Brasil

Folha de S. Paulo

'A Lei da Bala, do Boi e da Bíblia' aborda estratégias de grupos rurais, religiosos e da segurança no centro do poder

Diante de uma série de efervescentes debates em torno de direitos como a separação entre Estado e religião, armamento, demarcação de terras indígenas e direitos reprodutivos, incluindo o aborto, crescem bancadas como a da Bíblia, do boi e da bala, que utilizam desses temas para promover uma realidade mais fragmentada e menos acessível, favorecendo sua própria agenda diante da sociedade brasileira.

É essa hipótese que o livro "A Lei da Bala, do Boi e da Bíblia: Cultura Democrática em Crise na Disputa por Direitos" busca investigar, tentando entender o histórico e as estratégias políticas e jurídicas de grupos mais conservadores no centro do poder no país.

A obra, elaborada por pesquisadoras do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo), também busca fazer paralelos sobre como os discursos de grupos e lideranças conservadoras no país, como Jair Bolsonaro (PL), estão ligados ao processo de erosão democrática em todo o mundo.

STF não tem menor condição de reorganizar sistema político, diz Fernando Limongi

Mauricio Meireles / Folha de S. Paulo

Ao lado de historiador, professor lança livro sobre Nova República, critica atuação do Supremo e diz que intelectuais deveriam respeitar o Congresso

Nova República foi fundada na construção de consensos entre elites políticas. Esse traço pode ser visto como negativo ou positivo. Por um lado, tais negociações impediram soluções definitivas para desigualdades que marcam a sociedade brasileira; por outro, também evitaram que os conflitos descambassem em violência, produzindo estabilidade.

Esse é um dos eixos de "Democracia Negociada - Política Partidária no Brasil da Nova República", do historiador Leonardo Weller e do cientista político Fernando Limongi, ambos professores da FGV-SP.

No livro, os dois retornam à lenta transição iniciada no governo de Ernesto Geisel para mostrar como a ditadura se empenhou para que a direita continuasse a ter seu quinhão de poder na democracia —e, de fato, vários aliados do regime conseguiram se perpetuar. Os autores passam pelos embates na Constituinte e avançam por diversos governos, até chegar ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016.

O resultado é uma síntese informativa sobre a história recente do país. A dupla defende que a democracia brasileira viveu seu auge entre o governo Itamar Franco e a gestão da petista —quando, à direita ou à esquerda, havia um consenso em defesa de avanços sociais.

Agora, bem, agora é tudo mais complicado, diz Limongi à Folha. Ele defende que não adianta espernear contra o conservadorismo da sociedade brasileira, diz que os intelectuais do país deveriam respeitar o Congresso como voz da sociedade e sustenta que o Supremo Tribunal Federal não tem capacidade para tutelar o sistema político.

Uma grande preocupação da ditadura é que, após a transição, a direita pudesse continuar no poder. E várias lideranças desse campo, de fato, conseguiram continuar na política. O sistema que nasce na Nova República tende ao conservadorismo ou esse traço é uma vocação do eleitor brasileiro?

Difícil dizer. Mas não há um viés institucional que provoque maior ou menor conservadorismo. Não há nenhum preceito, é o funcionamento da democracia. A democracia é intrinsecamente conservadora, o jogo democrático tende para o centro.

Você precisa negociar, você não consegue impor a sua vontade. Aqui, a pressão por reformas e mudança bate no Executivo —e a pressão por conservação também.

Poesia | Papel, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Elba Ramalho - Leão do Norte