segunda-feira, 24 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Expansão do Minha Casa, Minha Vida é engano habitacional

O Globo

Governo deixa de financiar reforma de imóveis no Centro para construir casas novas em regiões distantes

Preocupado com a perda de popularidade, o governo Lula acaba de ampliar o teto de financiamento do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) para famílias com renda bruta mensal entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. A medida representa uma contradição com o objetivo original do programa, lançado para atender à população de baixa renda. Pode-se argumentar que, diante de um déficit habitacional de 6 milhões de moradias, toda ajuda é bem-vinda. Mas o MCMV é a política habitacional errada para as necessidades e oportunidades brasileiras.

Ele herdou distorções dos antigos programas de moradia popular. A principal é incentivar a construção de novas moradias a baixo custo, em geral conjuntos habitacionais em periferias sem infraestrutura de serviços e transportes. O governo fica contente com os números de casas entregues e as imagens para propaganda. As construtoras ficam contentes com os financiamentos generosos e os negócios em expansão. E os beneficiados? Bem, estes terão de arcar com alto custo de transporte, numa rotina desgastante que consome horas dentro de ônibus e trens, além de enfrentar a violência e as demais mazelas de um Estado ausente.

Imigrantes, os inimigos – Fernando Gabeira

O Globo

Minha esperança é que possamos sair deste momento com novas ideias, aprendendo um pouco mais sobre os seres humanos

Vivemos uma época estranha, e sinto-me muito envolvido nela para compreendê-la. Tenho algumas intuições, levanto hipóteses, mas simplesmente vou vivendo na esperança de um dia olhar para trás e dizer com calma:

— Foi assim.

Durante a semana, andei lendo sobre o cotidiano em Gaza durante o precário cessar-fogo. As pessoas vivem nos escombros, sem condições higiênicas, e há o frio que matou sete bebês de hipotermia. Quando terminei minha pesquisa, a guerra recomeçou, e o bombardeio matou 400 pessoas.

Na mesma semana, assisti ao filme “O aprendiz”, que conta a história de Donald Trump. Biografias às vezes exageram, mas, de qualquer forma, custa acreditar que ele tenha se tornado presidente dos Estados Unidos duas vezes. As lições que aprendeu com o advogado Roy Cohn talvez ajudassem a ganhar dinheiro, mas não parecem úteis para um estadista: atacar sempre, considerar a verdade algo relativo e nunca admitir uma derrota.

O sorriso de Gleisi - Miguel de Almeida

O Globo

Entre os filhos, Flávio Bolsonaro sempre pareceu ser o mais preparado para o mundo. O mais bem-dotado. Com melhor corte de cabelo. Até que, dias atrás, assisti na internet a sua participação num programa do Sílvio Santos. Ele e o brother Eduardo. Ambos dividindo um quiz show. Sílvio solta uma canção interpretada por Elba Ramalho. “Quem é a cantora?”, pergunta o apresentador. Flávio não identifica a voz, pede uma dica. Sílvio acha razoável e diz ser uma cantora nordestina. O rosto de Flávio se contrai, feliz: sente que matou a charada. Sorri, e manda:

— Fafá de Belém!

Nestes dias, o deputado federal Lindbergh Farias, novo líder da bancada petista, elencava os programas a martelar como salvadores da pátria na segunda fase do Lula 3. Ações pensadas para tirar o governo de sua baixa popularidade. Vale-Gás, Pé-de-Meia, isenção no Imposto de Renda e crédito subsidiado ao trabalhador celetista são os principais. Atendem do eleitor menos abastado às franjas da classe média.

O senador Flávio Bolsonaro integra a extrema direita, com seus habituais maus serviços prestados ao Brasil. O deputado Lindbergh Farias é da esquerda e não parece se envergonhar em arrolar uma série de planos de caráter populista. Exulta como se lançasse o LulaGPT, não caraminguás ao povo. Por certo, aliviarão os orçamentos familiares num tipo de política assistencialista comum à esquerda latino-americana. Nada estruturante, apenas paliativa.

O vazamento e o imposto de renda do bilionário - Bruno Carazza

Valor Econômico

Projeto de reforma do imposto de renda expõe conflito de classes

Não sei se foi por um lapso das autoridades do Ministério Público ou por deliberado desejo de expor um grande figurão da elite brasileira, mas o fato é que em maio de 2017 veio a público a declaração de imposto de renda de ninguém mais, ninguém menos, que o poderoso Joesley Batista.

O documento de prestação de contas com o Fisco de um dos donos do grupo J&F foi divulgado em meio a milhares de páginas do acordo de colaboração premiada firmada por ele com a Procuradoria- Geral da República durante a Operação Lava-Jato. Utilizada para embasar as penas pecuniárias impostas aos controladores e executivos da empresa após confessarem inúmeras práticas de corrupção, a declaração de ajuste de imposto de renda de Joesley é também um atestado do quanto a legislação brasileira é uma máquina de concentração de renda.

O impacto negativo do Pix na oferta de crédito - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Impactos não superam as amplas vantagens proporcionadas pelo sistema de pagamento instantâneo

Não dá para criticar o Pix, o sistema de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central, que deu acesso barato à população ao sistema financeiro, ampliou a concorrência aos bancos e permitiu a criação de novos negócios e empregos.

Mas, depois de mais de quatro anos de sua criação, já foi possível acumular uma massa de dados significativa para identificar e tentar corrigir alguns de seus defeitos. Isso pode ajudar a melhorar não só o Pix, mas também sua versão turbinada que está sendo gestada, a moeda digital do Banco Central.

Um dos principais problemas são as fraudes, possibilitadas pelos flancos que permitiam a criação de chaves com laranjas e CPFs e CNPJs frios. O Banco Central adotou recentemente uma medida firme para coibir essas fraudes: cancelar as chaves de contribuintes com situação irregular perante a Receita Federal, que eram usados por golpistas - que, inclusive, foi vítima de uma criminosa campanha de mentiras.

Considerando um novo regime fiscal - Mario Mesquita

Valor Econômico

As taxas de juros reais têm sido muito elevadas durante praticamente todo o período do regime de metas, e não apenas no período mais recente

O Brasil tem o mesmo regime monetário desde a virada do século. Este logrou oferecer ao país um inédito período de inflação baixa para o nosso padrão histórico. O regime de metas para a inflação foi mantido e aprimorado ao longo do tempo, atravessando várias transições políticas. Tornou-se uma política de Estado.

O mesmo não pode ser dito a respeito do regime fiscal. Inicialmente, o país tentou orientar a política fiscal para gerar superávits primários consistentes com a estabilização da dívida pública. Ao longo do tempo, a proliferação de abatimentos e fórmulas contábeis criativas contribuíram para inviabilizar esse regime: o resultado primário oficial perdeu significado e se descolou muito do que seria o resultado efetivo, em termos de impacto sobre a dívida pública.

No entanto, um defeito mais fundamental da utilização de metas para o resultado primário foi não disciplinar diretamente o crescimento das despesas. Como consequência, a trajetória de gastos ininterruptamente crescentes passou a requerer um crescimento também das receitas para assegurar a sustentabilidade da dívida.

Onde está a reação a Trump? - Dani Rodrik

Valor Econômico

Mesmo quando autocratas inicialmente apoiam o mercado, acabam minando as bases institucionais de uma economia competitiva

A riqueza e o poder prodigiosos dos Estados Unidos se baseiam em dois pilares: universidades e empresas. O primeiro produz as ideias, pesquisas e formação que transformaram o país em uma Meca para as mentes mais brilhantes do mundo. O segundo gera os investimentos e inovação que alimentaram a formidável máquina econômica americana. Agora, porém, o presidente Donald Trump parece determinado a destruir ambos.

O comportamento de Trump não surpreende. Suas ideias de política econômica sempre foram absurdas, e seu ódio pelas instituições acadêmicas de elite - que ele vê como o lar da cultura “woke” - é bem conhecido. O mais chocante é que líderes corporativos e acadêmicos quase não estejam se manifestando.

Moraes não lê Moraes - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

O Supremo elevou demais a barra da punição e deu força para os pedidos de anistia no Congresso

O juiz Alexandre de Moraes não lê o professor Alexandre de Moraes. Este escreveu, alguns anos atrás, que dois princípios amplamente aplicados no direito, a razoabilidade e a proporcionalidade, estão interligados. E relacionou o primeiro ao comedimento, à “ideia de que a conduta reta consiste em não exagerar para um de mais nem para um de menos”.

Ser razoável, ou seja, ponderar se um meio é adequado à sua finalidade, é um critério para se tomar decisões proporcionais, equilibradas e justas. É possível dizer que o juiz Moraes exagerou “para um de mais” ao condenar a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos a 14 anos de prisão por escrever “perdeu, mané” na estátua da Justiça? Alguns dirão que não, em especial os que acreditam que os fins justificam os meios.

Guerra e valores ocidentais - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Internamente, Trump continua defendendo irrestritamente a liberdade de expressão, despreocupando-se, porém, com a soberania popular, outro valor, encarnado pelos ucranianos

A invasão russa na Ucrânia e as atuais tratativas conduzidas por Donald Trump de um cessar-fogo têm suscitado uma série de questões relativas a valores, uma vez que o presidente Volodmir Zelenski posiciona-se como defensor de valores ocidentais, enquanto o presidente americano o faz dos interesses americanos. Os russos, por sua vez, colocam-se, também, como protagonistas de valores, só que de outro tipo, os da cultura russa.

Quando falamos de Ocidente, estamos precisamente falando do quê? A resposta mais imediata consiste nos valores da liberdade, igualdade, democracia e economia de mercado, sobretudo em suas realizações políticas após o término da Segunda Guerra Mundial. Notese que estamos, em termos históricos, tratando de um pouco mais de 70 anos, e a história humana se conta por milênios. Viemos a considerar como “normal” e “natural” o que corresponde a um curto período de tempo. Ocorre, porém, que essas formulações, produtos de um longo processo, tiveram sempre o seu avesso, o colonialismo, o racismo e o antissemitismo, destacando, outrossim, concepções revolucionárias gestadas em seu seio como o comunismo e a sua violência totalitária.

Presidente criminoso e a teoria do Executivo unitário - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Os EUA defrontam-se com o dilema de conter um presidente fraco constitucionalmente, mas forte para o abuso

Quando Nixon ascendeu ao Poder, em 1968, seu chefe de gabinete distribuiu cópias de "Presidential Power" (1960) de Richard Neustadt —um clássico da ciência politica— para todos os assessores do presidente. Após o escândalo do Watergate (1974), um desses assessores advertiu Neustadt : "você é corresponsável".

A principal mensagem do livro é que os poderes constitucionais do Executivo americano eram muito limitados comparativamente falando. O foco eram as relações Executivo-Legislativo. Em coluna recente enumerei alguns exemplos da fraqueza do Executivo. Nixon distorceu a lição e abusou dos poderes presidenciais. Mais do que isso: utilizou a Presidência institucional em esquemas criminosos que levaram ao seu impeachment.

A extrema direita na eleição no Chile - Sylvia Colombo

Folha de S. Paulo

Campo se expande com postulantes ultraconservadores e admiradores de Pinochet

Esqueça a festa que houve quando se comemorou o fim da Constituição de Pinochet, numa noite de outubro de 2020, com um esmagador 78,22% dos eleitores pedindo uma substituição da Carta Magna filha da ditadura. Ficou pouco nas lembranças a praça Baquedano, depois ponto de encontros que terminaram num acordo para levar o esquerdista Gabriel Boric ao poder. Outra festa que levou milhares às ruas a celebrar sua vitória, em 2022.

Agora, o mais provável é que os chilenos se encontrem diante das urnas, em outubro deste ano, com uma esquerda desarticulada. Mais grave, com uma extrema direita em ascensão.

Descontentamento com as políticas antimigratórias, que muitos chilenos consideram permissiva, aumento da violência (ainda que em cifras reduzidas na comparação com outros países da região), além das derrotas em aprovar suas reformas no Parlamento conservador, deixam o legado de Boric com uma sensação de que as vitórias —que existiram— não superaram as derrotas.

Entrevista | Daniel Aarão: "Transição dos anos 80 não blindou a democracia brasileira"

Correio Braziliense

Para o historiador Daniel Aarão, a ausência de uma justiça de transição impactou negativamente a consolidação da democracia no país. Isso permitiu que setores militares mantivessem uma autonomia excessiva, funcionando como um "Estado dentro do Estado"

Professor titular de história contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF), o historiador Daniel Aarão Reis Filho, autor de diversas obras sobre a história da esquerda brasileira e das experiências socialistas no século XX, conversou, com exclusividade, com o Correio.

Nesta entrevista, ele aborda a transição política brasileira após a ditadura militar, destacando a influência contínua das Forças Armadas na política nacional. Aarão argumenta que a ausência de uma justiça de transição, com a manutenção da Lei da Anistia e a falta de julgamento dos crimes cometidos durante o regime militar, impactou negativamente a consolidação da democracia no país. Essa lacuna permitiu que setores militares mantivessem uma autonomia excessiva, funcionando como um "Estado dentro do Estado". A seguir, os principais trechos:

Poesia | Vinicius de Moraes - Mensagem à poesia

Música | Boca Livre - O Trenzinho do Caipira com poema de Ferreira Gullar