sábado, 22 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Orçamento satisfaz à voracidade do Congresso

O Globo

Recorde de emendas parlamentares e avanço sobre recursos do Executivo terão custo alto para população

Com atraso de três meses, o Congresso aprovou enfim o Orçamento de 2025, que vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De dezembro para cá, houve tempo de sobra para aprimorar a previsão de despesas e receitas, corrigir distorções ou desengessar gastos. Nada disso foi feito. A maioria dos deputados e senadores nunca pretendeu elaborar uma peça orçamentária sensata e realista. O objetivo da procrastinação era pressionar governo e Supremo Tribunal Federal (STF) — que tem denunciado a inconstitucionalidade de atos do Congresso — para garantir aos congressistas o controle sobre a maior fatia possível das verbas orçamentárias.

O império da lei sob ataque - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Suprema Corte terá a resiliência demonstrada pelo STF?

Subjugar o Poder Judiciário é um passo essencial na cartilha do populismo autoritário. Foi assim na Venezuela, de Chávez, na Rússia, de Putin, na Hungria, de Orbán, e na Turquia, de Erdogan. Em todos esses países a erosão do império da lei passou por ataques ao sistema de Justiça, seguidos da captura e subordinação dos tribunais pelo poder político.

A escala de ataques a juízes federais nos Estados Unidos não é um bom presságio. O atual governo está não apenas seguindo a malfadada cartilha populista como ampliando o seu repertório ao ameaçar escritórios de advocacia que estejam patrocinando ações contrárias aos interesses do governo, alerta Steven Levitski, autor de "Como as Democracias Morrem".

A partir de uma interpretação cesarista das prerrogativas do Poder Executivo, ideólogos do presidente têm proposto uma verdadeira subversão do sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição, buscando afastar do legislador e, sobretudo, dos juízes a competência para controlar os atos do Executivo.

A confusão entre movimentos e causas – Pablo Ortellado

O Globo

Intolerância mútua, alimentada por estereótipos, atrapalha o debate público

Nas guerras culturais, movimentos sociais progressistas tendem a interpretar a oposição que recebem dos conservadores como ataque às causas que defendem, e não como rejeição ao movimento enquanto grupo organizado. Quando conservadores apresentam as feministas como radicais que se masturbam com símbolos religiosos, progressistas veem nisso um ataque às mulheres, e não ao movimento feminista. Nessa leitura, a desqualificação do movimento feminista seria uma maneira mal dissimulada de atacar o direito das mulheres defendido pelas feministas. Mas será que é isso mesmo que se passa?

A história oculta da professora banida - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Yale sacrificou a liberdade acadêmica no altar da pregação identitária; agora, a incinera na submissão à Casa Branca

Helyeh Doutaghi não obteve as manchetes que anunciaram a prisão e ameaça de deportação de Mahmoud Khalil (shorturl.at/ACIPU). Ele, ativista da Universidade Columbia, é vítima direta de Trump. Ela, iraniana, professora-visitante em Yale, foi banida pela própria instituição. Sua história revela as duas faces repulsivas dos dirigentes universitários que consagram seus esforços às políticas identitárias.

O capítulo inicial da história transcorreu em 2023, quando a Escola de Direito de Yale convidou Doutaghi a ocupar a vice-diretoria do Projeto de Direito e Economia Política, que se exibe como plataforma pela "igualdade econômica, racial e de gênero". Ano passado, ela estrelou um evento do projeto intitulado "Uma Política Econômica do Genocídio e Imperialismo" —que, surpresa!, concentrou-se no "genocídio na Palestina".

Motta precisa parar o paraíso fiscal à brasileira - Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Se a proposta de cortar incentivos for para valer, presidente da Câmara deveria cortar pela raiz o movimento pela renovação do Perse

O presidente da Câmara, Hugo Motta, acenou com o corte de incentivos tributários para bancar a isenção da tabela do Imposto de Renda até R$ 5.000.

Se a proposta for para valer, Motta deveria usar toda a sua força política para cortar pela raiz o movimento no Congresso por mais uma prorrogação do Perse, programa que isenta de pagamentos de tributos as empresas de eventos.

O benefício foi criado na longínqua pandemia de Covid-19, mas se transformou numa farra fiscal em tempos de crescimento econômico para as empresas do setor e outras que, convenientemente, trataram de se encaixar no segmento. É também uma ferramenta perfeita para lavagem de dinheiro.

Juros menores ficarão acessíveis a 47 milhões - Fernando Nogueira da Costa

Folha de S. Paulo

Modelo é bem-vindo para os trabalhadores endividados amortizarem o crédito rotativo do cartão com dinheiro mais farto e barato

Eu estava atuando como banqueiro ao representar a Caixa na diretoria da Febraban (federação dos bancos) quando, em 2003, assisti a uma cena inesperada. O presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Luiz Marinho, atual ministro do Trabalho, levou aos banqueiros a proposta do crédito consignado, um tipo de empréstimo no qual as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do tomador. Devido à maior garantia, cai o custo dos empréstimos.

Fomos todos levar a proposta ao Ministério da Fazenda, em Brasília, em busca do apoio governamental necessário para o desconto nas folhas de pagamentos dos servidores públicos e aposentados. Por rivalidade ou ciúme, o então presidente da Força Sindical atuou para melar a reunião com provocações dirigidas aos banqueiros. Fizeram "cara de paisagem"...

Mais dinheiro, mais juros – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Famílias estão com o orçamento apertado por causa da inflação elevada e precisam recompor seus gastos

Semana intensa na economia, aqui e lá fora. E reveladora de contradições em andamento. Comecemos pelas locais.

Antes, uma questão preliminar. O Banco Central integra ou não o governo? Mais exatamente, o BC faz parte da política econômica? Sim e não. Sim, porque toda a diretoria do BC é indicada pelo presidente da República. Sim, também, porque o BC decide a taxa básica de juros, fator essencial no andamento da economia. Mas não, porque o BC tem independência para fixar aquela taxa, podendo colocá-la em níveis que não interessam ao governo de plantão.

Aconteceu de novo nesta semana. O governo apresentou sua proposta de mudança no Imposto de Renda, com uma medida essencial: a isenção para quem ganha até R$ 5 mil e descontos para quem vai daí até R$ 7 mil. Sobrará mais dinheiro no orçamento das famílias incluídas nessas faixas salariais. Quanto? Há divergências. Para o Ministério da Fazenda, algo como R$ 27 bilhões. Para analistas independentes, é mais que isso. Saíram vários cálculos — até prevendo perda de arrecadação de mais de R$ 50 bilhões, diferença enorme em relação à estimativa oficial.

Por que não saímos do lugar? - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Nossas elites pouco ou nada fizeram para projetar um futuro diferente para esse Brasil em que nos é dado viver

Vinte e quatro séculos atrás, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) sacou o que até hoje nós, brasileiros, parecemos não entender: que uma república ( pólis) estável e justa requer uma classe média robusta.

Passamos os sete dias da semana discutindo se Lula e Bolsonaro serão candidatos em 2026 (queira Deus que não), de onde irão tirar dinheiro para financiar suas campanhas e quais serão as consequências previsíveis da vitória de um ou outro. Mas ao essencial nunca vamos: que distorção profunda em nossa estrutura social nos impede de atingir objetivos que aparentemente compartilhamos? Por que não conseguimos promover o bem-estar social num ritmo adequado e sustentável? Por que a corrupção parece não ter fim (e por que o pior exemplo dela são os “penduricalhos” do Judiciário)? Por que a violência não só cresce, como parece se tornar cada vez mais bestial?

Quase ficção - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

A aprovação – em março de 2025 – da Lei Orçamentária Anual para 2025 antecipa o conjunto bandalheiro em que consistirá o Orçamento do ano eleitoral, aquele que garantirá os dinheiros à (tentativa de) reeleição de todos. Não será apenas Lula o candidato. Há um esquema de poder a ser prorrogado. O Congresso – o orçamento secreto – também pretende se reeleger.

Farão o diabo. Juntos. Como o feito, com (por) Bolsonaro, em 2022. Você pagará. Depois da eleição. Não existe Gás para Todos de graça. E, se o governo quer dobrar a aposta eleitoreira na gastança, o Parlamento dirá – diz – “tudo bem”; desde que tenha o seu incluído na farra. Para rir, tem de fazer rir.

O bonde da história - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O país das próximas décadas será necessariamente muito diferente do atual. E a história está cheia de exemplos de pessoas, instituições e países que foram engolfadas pelo rápido processo de desenvolvimento

Nos últimos dias, foram realizadas merecidas homenagens aos políticos que trabalharam no sentido de o brasileiro poder comemorar hoje os 40 anos da redemocratização. O Brasil, vez por outra, produz esses milagres: um deles foi a transição do poder militar para o civil sem que tenha havido tiros, bombas ou prisão, nem mesmo a tradicional censura à imprensa. O movimento foi obra de uma turma de políticos experientes, calmos e tocados pelo mesmo desafio: o governo dos militares pressionava a todos por igual e significava o fim da política.

Havia, portanto, um adversário comum, que não raro agia como inimigo; torturava, matava, exilava. Os jovens de hoje não conheceram os rigores daquela época. Os discursos dos apologistas das soluções radicais de direita não conheceram a censura de imprensa, nem viveram os momentos angustiantes da falta de expectativas da juventude. O Brasil cresceu na economia cheio de desigualdades que políticos não foram capazes de consertar nos tempos democráticos. Acabou a hiperinflação, o país ganhou uma moeda forte, a administração federal foi razoavelmente modernizada, mas o país continuou a ser o legítimo herdeiro do velho do Restelo, personagem imortal de Camões nos Lusíadas.

Trump e os capitais em movimento - Luiz Gonzaga Belluzzo

O protecionismo e a proposta de taxação do fluxo financeiro buscam

Donald Trump e seus assessores lançaram um petardo contra o livre movimento de capitais, um dos bastiões da economia financeiramente globalizada. A proposta trumpista de taxar os ingressos de capitais na economia norte-americana busca atenuar a valorização do dólar e, assim, conter seus efeitos sobre a competitividade das exportações de Tio Sam.

Gillian Tett, colunista do Financial Times, escreveu recentemente sobre as consequências prováveis da taxação dos capitais em livre movimento:

“O economista Michael Pettis vê essas entradas de capital não ‘apenas’ como o corolário inevitável do déficit comercial dos Estados Unidos, mas como uma maldição debilitante. Isso ocorre porque as entradas aumentam o valor do dólar, fomentam a financeirização excessiva e esvaziam a base industrial dos Estados Unidos, diz ele, o que significa que ‘o capital (financeiro) se tornou o rabo que abana o cachorro do comércio’, gerando déficits”.

A proposta de Donald Trump aponta para o verdadeiro sentido da globalização: o acirramento da concorrência inserida em uma estrutura financeira global monetariamente hierarquizada e comandada pelo poder do dólar. Sob os auspícios do capital financeiro e de um sistema monetário-financeiro internacional assimétrico, ocorreu a brutal centralização do controle das decisões de produção, localização e utilização dos lucros em um núcleo reduzido de grandes empresas e instituições financeiras à escala mundial.

Imposto de Renda e Justiça Tributária - Marcus Pestana

Independente do modelo de Estado que se defenda, por menor que seja seu papel, é inevitável a presença de políticas públicas na vida da sociedade. Setores como educação, saúde, segurança pública, sistema judiciário, moradia popular, saneamento, meio ambiente e infraestrutura demandam ações e investimentos públicos. O importante é que o Estado seja o mais enxuto e eficiente possível. Dependendo da natureza da política pública ela pode ser executada pelo poder local, regional ou nacional. Neste sentido, é preciso erguer um padrão de financiamento consistente compatível. O Estado tributa a sociedade extraindo parcela de sua renda para financiar as despesas públicas. Isso resulta em determinada carga tributária.

Democracia viva - Cristovam Buarque

Revista Veja  

Os dilemas do Brasil aos quarenta anos do fim da ditadura

A comemoração dos quarenta anos do fim da ditadura faz lembrar que a democracia não ocorreu naturalmente. Ela foi resultado de uma engenharia política que uniu adversários radicalmente antagônicos. A data também provoca reflexão sobre as conquistas realizadas e as promessas não cumpridas no período. Desperta para a necessidade de os líderes atuais se unirem por uma causa comum: superar as amarras que dificultam a construção do Brasil que desejamos.

A democracia fez uma Constituição Cidadã, implantou o SUS, criou o Real, acabou com a censura, recuperou a liberdade, montou uma rede de transferência de renda que reduz a penúria de metade da população do país e aumentou o número de alunos no ensino superior, inclusive com a adoção de cotas raciais e sociais. Mas o país continua com a mesma baixa renda per capita, sem mudar a concentração de riqueza em pequena parte da população. Mantemos a péssima posição internacional na qualidade da educação e na desigualdade com que ela é oferecida. O número de adultos analfabetos continua praticamente o mesmo. Não temos uma estratégia para abolir a pobreza e dar à população instrumentos para sobreviver sem necessidade de políticas de compensação.

Uma Homenagem ao “Partido da Democracia” - Alberto Aggio

Revista Será?

Foi bastante importante, em termos políticos e também históricos, a propositura, montagem e realização do evento de lembrança dos quarenta anos da nossa redemocratização, celebrado no Seminário “40 anos de democracia no Brasil – conquistas, dívidas e desafios”, realizado em 15 de março no “Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves”, em plena Praça dos Três Poderes de Brasília. O evento, promovido pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e pelo Cidadania-23, contou com apoio do jornal Correio Braziliense, que produziu uma exposição magnífica de fotos, documentos e objetos significativos. As palestras e debates reuniram políticos, intelectuais, dirigentes e militantes políticos, além do público interessado.

Pelo espírito que guiou o encontro e pelas personalidades que lá discursaram, destacando-se o ex-presidente José Sarney, tratou-se de um evento que, no essencial, homenageou o “partido da democracia” – o “partido” que conduziu a transição, produziu a Constituição de 1988 e a sustenta até os dias que correm. Não se trata de um “partido” com registro no TSE. Refiro-me aqui a uma “invenção política”, melhor dizendo, a uma “convicção política”. Para todos que lá estiveram, o sentimento era de que esse “partido da democracia” lá se expressou desde a ideia que decantou o evento até as últimas palavras pronunciadas naquele espaço. Por outro lado, a contrapelo, a celebração dos 40 anos de democracia no Brasil não foi a produção de mais uma “narrativa”. Diferentemente, o que se fez foi refletir e produzir História in atto, a saber, um “discurso” interpretativo e aberto, mas colado aos fatos históricos. 

Poesia | Mar português, de Fernando Pessoa

 

Música | Chico Buarque - Choro Bandido