sexta-feira, 19 de setembro de 2008

"O mercado não se regulará sozinho" (George Soros)

Osmar Freitas Jr
Correspondente em Nova York
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Promovendo em Londres o livro "O novo paradigma para o mercado financeiro: a crise de crédito de 2008 e o que ela significa", o megainvestidor George Soros disse ao JB que a culpa de tudo é do "fundamentalismo de mercado", e que "estamos nos encaminhando para o olho da tempestade, ao invés de sair".

George Soros: caminhamos para o olho da tempestade

Investidor critica fundamentalismo e defende mercado sob supervisão

O megainvestidor George Soros, chairman do Soros Fund Management, é mestre em aproveitar oportunidades. Nas crises, ele demonstra sair-se muito bem. No difícil momento atual, por exemplo, este húngaro-americano de 78 anos, tem às mãos um best seller pontual em sua chegada. O livro The New Paradigm For Financial Markets: The Credit Crisis of 2008 and What it Means (O novo paradigma para o mercado financeiro: a crise de crédito de 2008 e o que ela significa), lançado em maio, chegou bem a tempo para estourar nas vendas. E traz uma visão muito particular do sistema financeiro, passado ou contemporâneo.

Soros, em meio à tormenta, não se limita apenas a exibir sua obra como prova de profecia correta, mas continua com sua fina análise do que está ocorrendo na economia a cada exato momento. Promovendo seu livro em Londres, o investidor falou sobre o histórico da crise e o que deve ser feito para corrigi-la.

Processo histórico

– Para se entender esta crise é preciso se levar em conta o processo histórico. Eu examino em meu livro como ele se desenvolveu. Eu opino que, além da bolha imobiliária – o gatilho que disparou esta crise financeira atual, há também uma "Super Bolha", que vem acontecendo há 25 anos.

Margareth Thatcher

– Na verdade, ela começou em 1980, quando Margareth Thatcher foi eleita primeira-ministra do Reino Unido, e Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos. Foi quando passou a imperar o que chamo de Fundamentalismo de mercado. Trata-se da crença de que é melhor para os mercados que sejam deixados aos seus próprios cuidados. Que eles são seus melhores reguladores. Isso passou a ser um dogma ideológico.

Nova fase

– Baseado nisso, criou-se uma nova fase da economia: a globalização do mercado financeiro. E, o que é importante, a liberalização do mercado. Agora, como este dogma é uma falsa idéia – já que os mercados não tendem a se auto-regular – nós tivemos uma série de crises financeiras. Isso teve grande impacto em aspectos particulares do sistema financeiro. A primeira crise decorrente deste dogma foi a dos bancos internacionais, quando o México ameaçou declarar moratória em sua dívida (1982). Esta ameaça forçou as autoridades a salvar o sistema. Para isso, aglutinaram os bancos e os encorajaram a rever as regras e emprestar mais para os países devedores em perigo de moratória. Dinheiro este, suficiente para o pagamento dos juros destas dívidas.

Prejuízos ocultos

– Para conseguir que os bancos tapassem os buracos em suas balanças de pagamento, estas instituições receberam permissão para buscar novos modos de fazer dinheiro. Também foram encorajados a jogar estes prejuízos para fora de suas folhas de balanço, e repassar, vender papéis das dívidas para outros, para recuperar recursos. Assim, imaginava-se que fossem compensados.

Plano Brady

– Oito anos depois, o Plano Brady (1989) foi introduzido, o que permitiu que os países devedores a reduzir suas dívidas. Neste momento os bancos rolaram suas perdas, mas a este ponto eles já tinham reservas suficientes para aguentar o baque.

Liberalização

– Assim tivemos a primeira vez que a liberalização de regras foi ativada. No passado, toda a história do Banco Central foi uma série de crises. A cada uma delas, as autoridades examinaram o que havia dado errado e remoldaram o sistema para que aquele problema particular não ocorresse mais. Mas em 1982, pela primeira vez, a resposta foi somente a liberalização de regulamentações.

Grande Depressão

– A partir da Grande Depressão, toda a estrutura de regulamentações imposta, basicamente, congelou o sistema bancário, colocando-o numa camisa de força. Mas a partir de 1982, este conjunto de regras foi desmantelado – seguindo o dogma a que me referi anteriormente.

O fundamentalismo de mercado acreditava que quanto menos regulamentações, melhor. Caiu até mesmo os diferenciais que caracterizavam um banco de investimentos. Regras após regras foram sendo abandonadas.

Caixa de Pandora

– O resultado foi o surgimento de um mercado financeiro disfuncional, com segmentos particulares completamente sem supervisão e fazendo negócios absurdos. O resultado foi uma caixa de pandora criada por agentes do mercado financeiro, que envolveram todos os elementos deste ambiente.

Fundamentalismo

– Esta crise demonstra, mais uma vez, que o fundamentalismo de mercado é errado, suas premissas não funcionam e deve ser abandonado. O mercado e suas instituições devem obedecer regulamentações e ser supervisionados. Espero que isto esteja nos planos imediatos das autoridades econômicas. Do contrário vamos continuar navegando de crise em crise, com anarquia criada pelo mercado.

Saída distante

– De todo modo, temo que não estejamos nem perto de sair da crise. Não passamos ainda o pior. Acho que estamos nos encaminhando para o olho da tempestade, ao invés de saindo dela.

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