sexta-feira, 28 de março de 2025

Fernando Abrucio - Políticas para a juventude do século XXI

Valor Econômico

Os jovens precisam saber que não há uma única via da felicidade na vida adulta, sendo que o cardápio das melhores escolhas reside na convivência coletiva com os diferentes

A minissérie “Adolescência” trata da dor mais dura que uma família e uma comunidade podem enfrentar: uma criança assassinando, futilmente, outra. Trata-se não só de uma tragédia presente, mas, pior, um prenúncio de um futuro distópico, pois se os jovens de hoje são capazes de fazer essa barbaridade, o que serão como adultos?

Desse episódio nefasto, múltiplas culpas emergem: dos pais, da escola, das redes sociais, dos que propagam um conceito cruel e falso de masculinidade aos meninos, do crescente número de pessoas que alimentam o ódio e a violência como forma de viver. Transformações nesse cenário passam, primeiramente, por grandes mudanças culturais, com a adoção de valores realmente humanistas para a realidade do século XXI. Também dependem de modificações na esfera privada, especialmente da superproteção que grande parte das famílias ocidentais dão aos seus filhos sem que efetivamente estabeleçam vínculos com eles e construam um caminho de orientação para a vida adulta.

É uma agenda enorme e inadiável, se quisermos que nossos filhos e netos tenham uma vida decente e uma sociedade justa no futuro. Só que grandes mudanças culturais e nos padrões de educação familiar são ou muito amplas (no primeiro caso) ou muitos dispersas (no segundo). Continuam como questões a serem enfrentadas urgentemente, mas é necessário encontrar igualmente um caminho de respostas que passe por uma decisão coletiva originada de nosso voto e participação política, gerando ideias que possam ser debatidas publicamente e depois monitoradas como políticas públicas.

Em outras palavras, mesmo que não seja a única solução, é fundamental ter políticas públicas que criem as condições para a juventude se desenvolver de uma maneira mais humanista, tolerante e responsável pelas consequências de seus atos. “Adolescência” não é sobre um indivíduo nem acerca de apenas uma comunidade no interior da Inglaterra. Trata-se da história de uma geração cujos jovens não conseguem ver um futuro radiante pela frente. Isso porque o seu presente não produz vínculos e visões de mundo capazes de semear sonhos individuais e coletivos que sejam bons para todos. Os sentimentos de abandono, raiva e isolamento tornam-se marcantes, especialmente entre os meninos.

O desafio da reformulação do sentido e funcionamento das políticas públicas, na verdade, vai além da questão da juventude. Muitas políticas se alimentam ainda de modelos do século XX. Por ora, há poucas ações que dialogam com a contemporaneidade do século XXI, o que significa apontar não só o que devemos fazer para termos um futuro melhor, como no caso da mudança climática, mas entender de que modo vivem hoje as pessoas, o que elas pensam e o que conseguem almejar como projetos diante de suas experiências.

Um bom exemplo para além da juventude é pensar em políticas no seu estrato populacional inverso: os idosos. Programas que tocam no crescente envelhecimento da população concentram-se, no mais das vezes, na garantia de uma renda de aposentadoria e em algumas ações de cuidados assistenciais. Só que o aumento da expectativa de vida é acompanhado de novas ambições e projetos dessas pessoas, em termos de lazer, cultura e até participação no mundo do trabalho. Além disso, um olhar antenado com o século XXI deveria conceber políticas públicas que nos preparassem, ao longo da vida, para envelhecer com qualidade, e não apenas para atuar quando os males do tempo mal digerido chegarem.

Em vários tipos de problemas públicos e/ou em determinados grupos sociodemográficos acontece a mesma situação: predominam políticas públicas lastreadas em conceitos do século passado. Construir intervenções governamentais sobre o mundo infantil e depois sua passagem para a juventude envolve entender como essas fases da vida têm se estruturado atualmente. Tomando como base novamente a minissérie, o que ela destaca, sob a perspectiva infantojuvenil, é o enfraquecimento dos vínculos pessoais, a relevância desmedida da tecnologia e do mundo virtual, o desencontro cada vez maior entre meninos e meninas, a falta de espaços que semeiem sonhos individuais e coletivos que agreguem as pessoas, para não falar do sentimento de que a desigualdade é naturalizada e pouco questionada.

Nem tudo será resolvido pelas políticas públicas, mas as destinadas ao público infantojuvenil precisam, urgentemente, dialogar com o século XXI, ao custo de termos um futuro pior do que o presente. E elas têm um potencial enorme de influenciar comportamentos e visões de mundo. Mais do que isso: tal como é possível ter famílias que construam vínculos de amor e autoridade equilibrados, políticas públicas podem incentivar novos modos de sociabilidade, além de disseminar conhecimentos e capacidades que libertem os indivíduos em formação das amarras autoritárias de ideias feitas e de lideranças sedutoras e opressoras. Os jovens precisam saber, por meio das políticas públicas que os atingem, que não há uma única via da felicidade na vida adulta, sendo que o cardápio das melhores escolhas reside na convivência coletiva com os diferentes - é a alegria de ser gente que gosta de gente e quer mais gente diferente ao seu lado.

Entre os possíveis caminhos de ação pública e coletiva, quatro políticas públicas à juventude podem ser destacadas. A primeira, obviamente, é a da educação. Hipnotizados que estamos pelo necessário desenvolvimento de conhecimentos básicos dos estudantes, deixamos de ver a integralidade deles. Penso aqui em seus sentimentos, principalmente o medo de não serem reconhecidos ou respeitados, pois têm um enorme desejo de compartilhar caminhos e sonhos com outros. O ensino também não tem olhado para os talentos múltiplos dos jovens, forçando um modelo muito padronizado. O fato é que o melhor processo de ensino é aquele que estabelece vínculos marcantes no convívio diário na escola, tanto entre os pares, como entre professores e alunos.

“Adolescência” revela como as escolas são muitas vezes marcadas pelos preconceitos dos professores em relação aos alunos e vice-versa. Para modificar esse cenário, é preciso transformar a formação e a forma de atuação dos docentes, que junto com outros profissionais da educação têm de pensar no processo formativo como algo além das aulas, avaliações e notas. O exemplo de vida e o prazer em ensinar do professorado são essenciais para evitarmos uma juventude solitária, violenta e, ao final, presa fácil dos piores populistas.

A escola não tem capacidade de modificar sozinha os horizontes dos jovens. Ela precisa estar alicerçada numa estrutura mais intersetorial de garantia dos direitos da juventude e de acolhimento das múltiplas dimensões dos problemas juvenis. Esse é um segundo campo de política pública que precisa urgentemente ser atualizado. A educação tem de estar entrelaçada, intrinsecamente, com o esporte, com a cultura, com o mundo digital, pois este último não pode ser um refúgio contra as escolas que se realiza nos quartos fechados e sombrios de nossas casas. Também é necessário que a saúde e a assistência social façam parte do processo formativo de nossos adolescentes, que dependem de um amparo científico para lidar com suas frustrações e temores.

Não será possível mudar as condições de desenvolvimento da juventude sem, de algum modo, propor melhorias no mundo familiar. Mais uma vez voltando à minissérie, ela realça muito bem como uma família amorosa, não violenta, de pessoas que ao final sempre vão achar que fizeram menos do que poderiam aos filhos pode, mesmo assim, ter dificuldades para estabelecer os laços fundamentais com aqueles que mais amam. Muitas coisas são importantes aqui, porém fico apenas com mais uma - a terceira - política pública: é preciso repensar a organização da jornada de trabalho. Pais precisam ter mais tempo com suas crianças, e os governos e empresas deveriam estimular isso, para termos uma sociedade melhor em todos os âmbitos.

A regulação do uso da tecnologia e das redes sociais às crianças e jovens certamente deve fechar esse ciclo de políticas públicas. O estudo de Jonathan Haidt sobre a “Geração Ansiosa” revela o monstro que estamos criando nos últimos 15 anos. O mundo da internet pode ser sim uma fonte de desenvolvimento para a juventude, contanto que as comunidades e governos estipulem os caminhos e os limites desse processo virtual. Os donos desse mundo das redes sociais, não se enganem, criaram uma máquina para produzir adultos antidemocráticos e violentos. Talvez tenhamos alguma luz no fim do túnel se coletivamente, por meio de políticas públicas, começarmos a ensinar nossos filhos a não seguirem a trilha que está desvirtuando a vida dos adultos atuais.

Todos estes desafios de políticas aos mais jovens ganham uma natureza ainda mais complexa no Brasil por conta das desigualdades que marcam nossa sociedade. Ao terminar de ver a minissérie, pensei: como seria “Adolescência” em sua versão brasileira? Ou, de outro modo, o que deveríamos fazer aqui para termos uma juventude melhor? Sem responder a essa questão, nunca seremos o país do futuro.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.

 

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