quarta-feira, 26 de março de 2025

O efeito do consignado no humor da população - Fernando Exman

Valor Econômico

Índice de Confiança do Consumidor (ICC) de março registrou uma alta de 0,7 ponto, para 84,3 pontos, depois de três quedas seguidas

Meses atrás, um estudo publicado pelo National Bureau of Economic Research (NBER), reconhecida instituição privada apartidária sem fins lucrativos dos Estados Unidos, chamou a atenção de integrantes do governo e circulou pela Esplanada dos Ministérios. A campanha presidencial americana corria solta e o texto, na visão dessas autoridades, explicava as dificuldades enfrentadas pelo então presidente Joe Biden na disputa contra Donald Trump. Era um alerta para quem estivesse preocupado com a queda na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Intitulado “O Custo do dinheiro é parte do custo de vida: novas evidências sobre a anomalia no sentimento do consumidor”, o artigo apontava que a confiança do cidadão americano estava insistentemente reduzida, apesar do baixo desemprego e da inflação em queda, e a explicação para isso era o encarecimento do acesso ao crédito. Ou seja, uma variável que não era captada pelos índices de inflação, mas afetava diretamente a vida de milhões de famílias.

Seus autores, renomados economistas com atuação na academia ou instituições multilaterais (Marijn Bolhuis, Judd Cramer, Karl Oskar Schulz e Lawrence Summers), acrescentavam que isso criava um cenário confuso para os especialistas. Afinal, sempre se considerou esses dois fatores, taxa de desemprego e inflação, para avaliar como os consumidores percebem a economia. Mas agora o problema era que os custos dos empréstimos vinham crescendo a taxas não vistas há décadas e isso não estava sendo incluído nos índices tradicionais de preços. Como resultado, havia uma desconexão entre os custos efetivos enfrentados pelos cidadãos e as medidas preferidas para a aferição do sentimento dos consumidores - ou, em última instância, o humor dos eleitores.

“Mostramos que as quedas no sentimento do consumidor nos EUA, que não podem ser explicadas pelo desemprego e pela inflação oficial, estão fortemente correlacionadas com os custos de empréstimos e a oferta de crédito ao consumidor”, resumiram os economistas, complementando que havia uma correlação entre o sentimento da população e mudanças nas taxas de juros.

Esse fenômeno não era exclusivo dos EUA nem daquele momento histórico, apontavam os autores. Para eles, inclusive, foram encontradas poucas evidências de que os Estados Unidos se diferenciavam significativamente de outras democracias ocidentais, apesar do aumento do sectarismo partidário e dos crescentes níveis de desconfiança. O mesmo ocorria em outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O artigo não cita especificamente o Brasil. Mas, lido hoje, ele pode ajudar a explicar o que pesquisas de opinião têm captado e o que o governo passou a fazer para melhorar a avaliação do presidente Lula.

No Palácio do Planalto, reconhece-se que existe uma decepção com a atual gestão e pessimismo de parte considerável da população, ainda que o Brasil tenha voltado a ser uma das dez maiores economias do mundo, o salário mínimo esteja apresentando alta real contínua, a pobreza esteja caindo e o país apresente a menor taxa de desemprego da série histórica. A inflação está acima da meta, mas mercado e governo dão sinais de que preveem uma queda dos preços, ainda que relativamente pequena, já neste ano.

Destaca-se no governo, por outro lado, que o clima não é de revolta. E cabe ao Executivo reforçar a comunicação sobre como encontrou o país, como estão agora as diversas políticas públicas setoriais e o que vem por aí.

Uma novidade que já veio, aliás, foi o programa de crédito consignado para o trabalhador privado, lançado no Planalto na semana passada justamente para atacar o problema mencionado no artigo publicado pelo NBER: o custo do acesso ao crédito.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, desde sexta-feira foram fechados mais de 48 mil contratos, com valor médio de R$ 7 mil por trabalhador. Ao todo, 8,7 milhões de solicitações de crédito foram registradas e 64,7 milhões de simulações realizadas. Uma movimentação que petistas já tentam capitalizar politicamente, dando publicidade ao programa em que o trabalhador pode acessar linhas de crédito a juros mais baixos como se seu nome fosse “Empréstimo do Lula”.

Nessa terça-feira (25), o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) divulgou que o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) de março registrou uma alta de 0,7 ponto, para 84,3 pontos, depois de três quedas seguidas que somaram o total de 10,8 pontos de recuo. O resultado não foi visto como reversão de uma tendência, mas apenas uma calibragem. As expectativas em relação à situação da economia e compras de bens duráveis melhoraram, enquanto as perspectivas para a situação financeira das famílias recuaram.

Já há quem aponte a possibilidade de que estejam sendo observados alguns efeitos políticos de três notícias: o anúncio do consignado para trabalhadores da iniciativa privada, alterações na tabela do Imposto de Renda (IR) e a liberação dos recursos de quem optou pelo saque aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Seus impactos na política monetária e na inflação, contudo, ainda são incertos.

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