quinta-feira, 27 de março de 2025

Banco dos réus desnorteia Bolsonaro - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Estreitam-se as alternativas para o ex-presidente não mofar na cadeia

O acolhimento da denúncia contra o ex-presidente era tão previsível que a reação desnorteada de Jair Bolsonaro sugere o estreitamento das saídas de que dispõe para não mofar na cadeia.

Depois de sua defesa militar na ausência de vínculos entre Bolsonaro e a tentativa de golpe, o ex-presidente confirmou reunião com os comandantes militares para discutir a minuta golpista, apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes nesta quarta como indício de materialidade da denúncia.

Dos EUA, o blogueiro Paulo Figueiredo, foragido da Justiça brasileira e elo dos bolsonaristas com a extrema-direita americana, lamentou o “comportamento errático” do ex-presidente: “[Bolsonaro] cag... tudo (...) É um ótimo homem, mas um péssimo estrategista. Não é à toa que estamos nessa m... de dar gosto”.

O julgamento ainda vai tomar seis meses, mas uma condenação deixaria três saídas para Bolsonaro: a eleição de um aliado que o indulte, a eleição de uma bancada de senadores que alcance o quórum de 2/3 para o impeachment de ministros do STF e uma pressão americana redobrada contra a Corte.

O encurralamento começou de fora para dentro. Ainda na noite de terça-feira o presidente americano, Donald Trump, citou o Brasil como modelo de segurança eleitoral a ser seguido pelos Estados Unidos no decreto destinado a impedir o voto de imigrantes. Como a insurgência contra o resultado das urnas é um dos motivos pelos quais Bolsonaro está no banco de réus, o decreto sugere que os constrangimentos da extrema-direita brasileira estão na rabeira das preocupações de Trump.

São, portanto, diminutas as chances de o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ser bem-sucedido em suas tratativas junto à Casa Branca e voltar ao Brasil consagrado para disputar a eleição no lugar do pai. Restaria ao ex-presidente apoiar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se pretende obter um indulto presidencial.

Como ato desta natureza pode ser anulado pelo Supremo, está dada a prioridade do ex-presidente à eleição de uma bancada para o Senado que lhe permita atingir o quórum de 2/3 para o impeachment de togados.

A ida de Bolsonaro ao plenário do STF para encarar seus algozes na terça ofereceu um contraponto à péssima repercussão do refúgio do filho nos EUA, tido por covarde. A ida ao Senado na quarta, onde assistiu a sessão ao lado de outro filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), poderia sugerir que o ex-presidente começava ali sua campanha para fazer a superbancada no Senado. Não seria tão inalcançável assim, visto que em 2026 renovam-se 2/3 das cadeiras, mas o grau de desnorteamento do ex-presidente desautoriza expectativas sobre suas estratégias de sobrevivência.

A Corte de seus algozes, por outro lado, já esteve mais desunida. Depois de tentar, sem sucesso, abordar o ministro Alexandre de Moraes, o ministro Luiz Fux partiu para expor suas divergências abertamente no primeiro dia de julgamento, quando lançou suspeitas sobre a delação.

No segundo dia, depois de avisar que revisaria a dosimetria (“debaixo da toga bate um coração”), Fux elogiou o voto de Moraes (“não deixou pedra sobre pedra”). Em contrapartida, o ministro relator, num gesto de conciliação, acolheu a divergência: “Defendo a independência de cada um e vossa excelência vai poder trazer sua reflexão para a turma”.

Com a delação na berlinda, Moraes decidiu focar seu voto nos indícios de materialidade tão cobrados pelos advogados, a começar pelo vídeo com os atos mais violentos do 8/1. Ressaltou o reconhecimento da quase totalidade da defesa à gravidade da invasão dos Poderes, e, em resposta a José Luis de Oliveira Lima, que reclamou acesso aos autos, citou mensagem de seu cliente (general Walter Braga Netto) - “Senta o pau no Batista Jr, traidor da pátria. Inferniza a vida dele e da família. F... o BJ” - antes de concluir que até a máfia tem código de conduta para não envolver a família.

Foi seguido pelo ministro Flávio Dino, que se valeu do golpe de 1964 para contestar a tentativa de minimização do 8/1 pela inexistência de mortes naquele dia. “É uma desonra à memória nacional”, afirmou, numa referência aos mortos pelos 21 anos de ditadura, iniciado por um golpe que, no primeiro dia, também não fez vítimas. Mencionou ainda os regimes totalitários contra a banalização dos acontecimentos. “Aqueles que, nos anos 1920 e 1930, normalizaram Mussolini e Hitler se arrependeram quando viram as consequências nos campos de concentração”.

Na linha de que não se faz um golpe em um dia, a ministra Cármen Lúcia citou livro no prelo da historiadora Heloísa Starling que mostra como o golpe de 1964 começou a ser urdido a partir da Constituição de 1946.

Lembrou a tentativa de obstrução ao voto dos eleitores do Nordeste, pela Polícia Rodoviária Federal, e que sua sugestão de antecipar a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do dia 19 para o dia 12 resultou da percepção de que se vivia, naquele momento, com o “ruído” debaixo dos pés - “Não foi um passeio na calçada do Forte Apache”.

Se Bolsonaro não tem Trump, custará a dominar o Senado e está a reboque em 2026, ainda pode contar com motoristas bêbados. Na noite de terça, Marcio Saldanha jogou seu caminhão contra viatura da PRF em Brasília: “Fiz de propósito, é revoltante o Estado perder Bolsonaro”. Seu etilômetro superou três vezes o limite.

 

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