Valor Econômico
Estreitam-se as alternativas para o ex-presidente não mofar na cadeia
O acolhimento da denúncia contra o
ex-presidente era tão previsível que a reação desnorteada de Jair Bolsonaro
sugere o estreitamento das saídas de que dispõe para não mofar na cadeia.
Depois de sua defesa militar na ausência de
vínculos entre Bolsonaro e a tentativa de golpe, o ex-presidente confirmou
reunião com os comandantes militares para discutir a minuta golpista,
apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes nesta quarta como indício de
materialidade da denúncia.
Dos EUA, o blogueiro Paulo Figueiredo,
foragido da Justiça brasileira e elo dos bolsonaristas com a extrema-direita
americana, lamentou o “comportamento errático” do ex-presidente: “[Bolsonaro]
cag... tudo (...) É um ótimo homem, mas um péssimo estrategista. Não é à toa
que estamos nessa m... de dar gosto”.
O julgamento ainda vai tomar seis meses, mas uma condenação deixaria três saídas para Bolsonaro: a eleição de um aliado que o indulte, a eleição de uma bancada de senadores que alcance o quórum de 2/3 para o impeachment de ministros do STF e uma pressão americana redobrada contra a Corte.
O encurralamento começou de fora para dentro.
Ainda na noite de terça-feira o presidente americano, Donald Trump, citou o
Brasil como modelo de segurança eleitoral a ser seguido pelos Estados Unidos no
decreto destinado a impedir o voto de imigrantes. Como a insurgência contra o
resultado das urnas é um dos motivos pelos quais Bolsonaro está no banco de
réus, o decreto sugere que os constrangimentos da extrema-direita brasileira
estão na rabeira das preocupações de Trump.
São, portanto, diminutas as chances de o
deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ser bem-sucedido em suas tratativas junto à
Casa Branca e voltar ao Brasil consagrado para disputar a eleição no lugar do
pai. Restaria ao ex-presidente apoiar o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, se pretende obter um indulto presidencial.
Como ato desta natureza pode ser anulado pelo
Supremo, está dada a prioridade do ex-presidente à eleição de uma bancada para
o Senado que lhe permita atingir o quórum de 2/3 para o impeachment de togados.
A ida de Bolsonaro ao plenário do STF para
encarar seus algozes na terça ofereceu um contraponto à péssima repercussão do
refúgio do filho nos EUA, tido por covarde. A ida ao Senado na quarta, onde
assistiu a sessão ao lado de outro filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ),
poderia sugerir que o ex-presidente começava ali sua campanha para fazer a
superbancada no Senado. Não seria tão inalcançável assim, visto que em 2026
renovam-se 2/3 das cadeiras, mas o grau de desnorteamento do ex-presidente
desautoriza expectativas sobre suas estratégias de sobrevivência.
A Corte de seus algozes, por outro lado, já
esteve mais desunida. Depois de tentar, sem sucesso, abordar o ministro
Alexandre de Moraes, o ministro Luiz Fux partiu para expor suas divergências
abertamente no primeiro dia de julgamento, quando lançou suspeitas sobre a
delação.
No segundo dia, depois de avisar que
revisaria a dosimetria (“debaixo da toga bate um coração”), Fux elogiou o voto
de Moraes (“não deixou pedra sobre pedra”). Em contrapartida, o ministro
relator, num gesto de conciliação, acolheu a divergência: “Defendo a
independência de cada um e vossa excelência vai poder trazer sua reflexão para
a turma”.
Com a delação na berlinda, Moraes decidiu
focar seu voto nos indícios de materialidade tão cobrados pelos advogados, a
começar pelo vídeo com os atos mais violentos do 8/1. Ressaltou o
reconhecimento da quase totalidade da defesa à gravidade da invasão dos
Poderes, e, em resposta a José Luis de Oliveira Lima, que reclamou acesso aos
autos, citou mensagem de seu cliente (general Walter Braga Netto) - “Senta o
pau no Batista Jr, traidor da pátria. Inferniza a vida dele e da família. F...
o BJ” - antes de concluir que até a máfia tem código de conduta para não
envolver a família.
Foi seguido pelo ministro Flávio Dino, que se
valeu do golpe de 1964 para contestar a tentativa de minimização do 8/1 pela
inexistência de mortes naquele dia. “É uma desonra à memória nacional”,
afirmou, numa referência aos mortos pelos 21 anos de ditadura, iniciado por um
golpe que, no primeiro dia, também não fez vítimas. Mencionou ainda os regimes
totalitários contra a banalização dos acontecimentos. “Aqueles que, nos anos
1920 e 1930, normalizaram Mussolini e Hitler se arrependeram quando viram as consequências
nos campos de concentração”.
Na linha de que não se faz um golpe em um
dia, a ministra Cármen Lúcia citou livro no prelo da historiadora Heloísa
Starling que mostra como o golpe de 1964 começou a ser urdido a partir da
Constituição de 1946.
Lembrou a tentativa de obstrução ao voto dos
eleitores do Nordeste, pela Polícia Rodoviária Federal, e que sua sugestão de
antecipar a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do dia 19 para o
dia 12 resultou da percepção de que se vivia, naquele momento, com o “ruído”
debaixo dos pés - “Não foi um passeio na calçada do Forte Apache”.
Se Bolsonaro não tem Trump, custará a dominar
o Senado e está a reboque em 2026, ainda pode contar com motoristas bêbados. Na
noite de terça, Marcio Saldanha jogou seu caminhão contra viatura da PRF em
Brasília: “Fiz de propósito, é revoltante o Estado perder Bolsonaro”. Seu
etilômetro superou três vezes o limite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário