sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Apoio oficial à união de homossexuais


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Agora é para valer: nunca, desde o marechal Deodoro da Fonseca a Fernando Henrique Cardoso, passando pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e pelos quase 21 anos dos cinco generais-presidente da ditadura militar, um presidente da República ousou tanto como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na fantástica entrevista concedida ao canal oficial da TV Brasil, na estréia do programa 3 a 1.

Com a ênfase da voz impostada para a solenidade do recado à posteridade, Lula defendeu com apaixonada ênfase a união civil entre homossexuais e condenou a hipocrisia com que o tema é tratado pelos que fogem do debate, com medo de dizer o que pensam.

Em dia inspirado, só titubeou uma vez ao driblar com ginga de corpo à pergunta se pretendia enviar ao Congresso projeto de lei abrindo a janela para a oficialização da união entre homens e mulheres.

Mas compensou a esquiva com o vigor com que desnudou as sua opinião pessoal, que é a do Presidente da República: "Temos de parar com a hipocrisia porque a gente sabe que existe". Não deixou o verbo no ar e foi adiante: "Tem homem morando com homem, mulher com mulher e muitas vezes vivem bem, de forma extraordinária". Achou que ainda era pouco e emendou de primeira: "Constroem uma vida juntos, trabalham juntos e por isso sou favorável".

O presidente não quis deixar pedra sobre pedra no pedestal da sua militância pela causa. E virou a chibata para a surra nos adversários da felicidade conjugal do casal gay: "Porque os políticos que são contra não recusam os votos deles, por que o Estado brasileiro não recusa os impostos que eles pagam?" A pergunta, como que formulada diante do espelho, ricocheteia na justificativa frouxa e óbvia: "O importante é que sejam cidadãos brasileiros, respeitem a Constituição e cumpram com seu compromisso com a nação". E arrematou com o recado da despedida: "O resto é problema deles e eu sou defensor da união civil".

Já se pode prever, sem a pimenta da malícia, que o presidente Lula será o grande homenageado das próximas paradas gays. Com toda a justiça.

Mas como estava com a mão na massa, da união civil entre homossexuais, o presidente passou, sem mudar a toada, para a defesa da legalização do aborto.

Começou por invocar a coerência de exatos 26 anos da "posição de tratar o aborto como questão de saúde pública". Moderou a cadência para a ressalva explícita: "Se você perguntar para mim, presidente Lula, o senhor é contra ou a favor do aborto? Sou contra, minha mulher é contra, mas o Estado tem de dar atendimento".

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

Os próximos dias esclarecerão se o presidente Lula decidiu renovar o estilo de campanha para a disparada na reta final ou se apenas viveu o seu momento de desabafo para desfazer dubiedades que o aborreciam.

Não cabe o balanço da dúvida quanto a sua inabalável certeza de que nada abalará a sua popularidade recordista e em ascensão nas pesquisas, nas alturas de 62% e da eleição da ministra-candidata Dilma Rousseff, em 2010, para sucedê-lo. Uma candidata feita em casa, imposta pela sua liderança e aceita ou engolida pela virtual unanimidade do PT, com pequenas ranhuras no bloco dos aliados.

Mais dia, menos dia, todos acertarão o passo na marcha para as urnas. A crise que tensiona os mercados do mundo não preocupa o presidente que já combinou com o ministro Guido Mantega, da Fazenda, que ela será "imperceptível pelos brasileiros".

Portanto, nada a temer. Nem o repique da crise econômica ou a oficialização da união civil entre homossexuais. E também a legalização do aborto.

O governo é pra frente, moderno, puxa o cordão.

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