DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O New Deal foi um programa de investimentos maciços em obras públicas que o presidente Roosevelt concebeu e executou com grande sucesso para retirar a economia norte-americana da Grande Depressão. Que concepções de um New Deal se pode observar entre os que defendem essas políticas no atual contexto da crise econômico-financeira no Brasil?
Em primeiro lugar, tem-se o que se pode denominar a concepção de um keynesianismo ingênuo, que defende a expansão do gasto público e da redução da carga tributária sem se preocupar com sua focalização, sua composição e seus impactos de médio e de longo prazos.
De fato Keynes chegou a afirmar que, se o governo autorizasse o emprego de pessoas para encher velhas garrafas com dinheiro, enterrasse-as bem fundo em minas de carvão desativadas, enchesse essas minas com lixo da cidade e deixasse as empresas privadas desenterrarem o dinheiro, poderia não haver mais desemprego. Ora, interpretando ao pé da letra, todo o gasto público com custeio de pessoal e com políticas sociais compensatórias se justificaria à medida que a elevada propensão a consumir desses grupos sociais ajudaria a alavancar a demanda agregada com seus efeitos multiplicadores. Esses efeitos poderiam reduzir a ociosidade da capacidade produtiva disponível na economia e estimular a aceleração de novos investimentos, provocando a interação do multiplicador com o acelerador, com seus efeitos benéficos para os mercados de trabalho.
Na verdade, a principal mensagem de Keynes não recomendaria o gasto público adicional em formas bizarras de desperdício dos recursos dos contribuintes. Sua proposta era a de que o déficit público deveria ser usado para construir habitações ou executar obras do mesmo gênero. Mas é o gasto em si, e não o tipo da atividade, que iria contribuir para a retomada do crescimento.
Assim, tem-se uma segunda concepção, de um New Deal que enfatiza o gasto público e os incentivos colaterais para eliminar os gargalos ou pontos de estrangulamento da economia, visando a acelerar o seu crescimento. Incorpora-se, nessa concepção, uma visão de longo prazo para orientar a composição do gasto público e a direção dos incentivos fiscais e financeiros.
No Brasil, o início da recessão encontrou um programa de obras públicas (o PAC) bem concebido e estruturado, e com muitos grandes projetos de investimento sendo realizados em diferentes setores. De fato, o que se necessita é acelerar o próprio PAC com mais recursos fiscais e financeiros, com mais flexibilidade operacional e com mais convicção política de que esse tipo de gasto público é, no longo prazo, qualitativamente superior aos gastos correntes que não param de crescer atualmente, uma vez que os interesses das futuras gerações não estão sendo devidamente representados pelo Estado no processo decisório.
Uma terceira concepção poderia denominar-se "New Deal da sustentabilidade ambiental". Muitos países (China, Coreia do Sul, Austrália, Dinamarca, Reino Unido, EUA), ao desenhar os pacotes de recuperação do seu processo de crescimento econômico, deram particular atenção aos estímulos e investimentos para a segurança energética, às infraestruturas de baixo carbono, à proteção e à preservação ecológica.
Dois exemplos são ilustrativos no caso brasileiro. Será imensa a geração de empregos que resultará dos investimentos de modernização ou de reestruturação dos atuais padrões de produção e de consumo do País para atender às metas de redução das emissões de carbono, se estas forem expressivas. Da mesma forma, os investimentos previstos no Plano Nacional de Recursos Hídricos serviriam para equacionar a questão dos conflitos no uso múltiplo da água, um bem que tende a ser mais escasso do que o petróleo no Brasil de 2050.
Trata-se de um passo à frente na concepção de um "New Deal Verde", visando a proteger e a promover os ecossistemas, o que é vital para a produtividade da economia e o bem-estar das populações no futuro. Mais do que uma visão de longo prazo, essa concepção incorpora um novo paradigma de desenvolvimento, com suas tecnologias limpas, agricultura sustentável, cidades sustentáveis, etc., e, principalmente, com suas preocupações distributivas quanto aos benefícios do progresso econômico e social entre as gerações presentes e as gerações futuras.
*Paulo R. Haddad, professor do IBMEC/MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco
O New Deal foi um programa de investimentos maciços em obras públicas que o presidente Roosevelt concebeu e executou com grande sucesso para retirar a economia norte-americana da Grande Depressão. Que concepções de um New Deal se pode observar entre os que defendem essas políticas no atual contexto da crise econômico-financeira no Brasil?
Em primeiro lugar, tem-se o que se pode denominar a concepção de um keynesianismo ingênuo, que defende a expansão do gasto público e da redução da carga tributária sem se preocupar com sua focalização, sua composição e seus impactos de médio e de longo prazos.
De fato Keynes chegou a afirmar que, se o governo autorizasse o emprego de pessoas para encher velhas garrafas com dinheiro, enterrasse-as bem fundo em minas de carvão desativadas, enchesse essas minas com lixo da cidade e deixasse as empresas privadas desenterrarem o dinheiro, poderia não haver mais desemprego. Ora, interpretando ao pé da letra, todo o gasto público com custeio de pessoal e com políticas sociais compensatórias se justificaria à medida que a elevada propensão a consumir desses grupos sociais ajudaria a alavancar a demanda agregada com seus efeitos multiplicadores. Esses efeitos poderiam reduzir a ociosidade da capacidade produtiva disponível na economia e estimular a aceleração de novos investimentos, provocando a interação do multiplicador com o acelerador, com seus efeitos benéficos para os mercados de trabalho.
Na verdade, a principal mensagem de Keynes não recomendaria o gasto público adicional em formas bizarras de desperdício dos recursos dos contribuintes. Sua proposta era a de que o déficit público deveria ser usado para construir habitações ou executar obras do mesmo gênero. Mas é o gasto em si, e não o tipo da atividade, que iria contribuir para a retomada do crescimento.
Assim, tem-se uma segunda concepção, de um New Deal que enfatiza o gasto público e os incentivos colaterais para eliminar os gargalos ou pontos de estrangulamento da economia, visando a acelerar o seu crescimento. Incorpora-se, nessa concepção, uma visão de longo prazo para orientar a composição do gasto público e a direção dos incentivos fiscais e financeiros.
No Brasil, o início da recessão encontrou um programa de obras públicas (o PAC) bem concebido e estruturado, e com muitos grandes projetos de investimento sendo realizados em diferentes setores. De fato, o que se necessita é acelerar o próprio PAC com mais recursos fiscais e financeiros, com mais flexibilidade operacional e com mais convicção política de que esse tipo de gasto público é, no longo prazo, qualitativamente superior aos gastos correntes que não param de crescer atualmente, uma vez que os interesses das futuras gerações não estão sendo devidamente representados pelo Estado no processo decisório.
Uma terceira concepção poderia denominar-se "New Deal da sustentabilidade ambiental". Muitos países (China, Coreia do Sul, Austrália, Dinamarca, Reino Unido, EUA), ao desenhar os pacotes de recuperação do seu processo de crescimento econômico, deram particular atenção aos estímulos e investimentos para a segurança energética, às infraestruturas de baixo carbono, à proteção e à preservação ecológica.
Dois exemplos são ilustrativos no caso brasileiro. Será imensa a geração de empregos que resultará dos investimentos de modernização ou de reestruturação dos atuais padrões de produção e de consumo do País para atender às metas de redução das emissões de carbono, se estas forem expressivas. Da mesma forma, os investimentos previstos no Plano Nacional de Recursos Hídricos serviriam para equacionar a questão dos conflitos no uso múltiplo da água, um bem que tende a ser mais escasso do que o petróleo no Brasil de 2050.
Trata-se de um passo à frente na concepção de um "New Deal Verde", visando a proteger e a promover os ecossistemas, o que é vital para a produtividade da economia e o bem-estar das populações no futuro. Mais do que uma visão de longo prazo, essa concepção incorpora um novo paradigma de desenvolvimento, com suas tecnologias limpas, agricultura sustentável, cidades sustentáveis, etc., e, principalmente, com suas preocupações distributivas quanto aos benefícios do progresso econômico e social entre as gerações presentes e as gerações futuras.
*Paulo R. Haddad, professor do IBMEC/MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco
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