sábado, 19 de junho de 2010

Vitória do cidadão:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O mais importante para a democracia brasileira da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na noite de quinta-feira, foi que a lei da Ficha Limpa não foi considerada uma punição aos candidatos, mas simplesmente uma exigência a mais para que tenham registradas suas candidaturas “para resguardar o interesse público”.

Relator da consulta, o ministro Arnaldo Versiani afirmou em seu voto que não é possível dizer, por isso, que lei que trata de inelegibilidades não pode retroagir para prejudicar os direitos de um cidadão candidato.

“A causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento do registro. Não se trata de perda de direito político, de punição. Inelegibilidade não constitui pena.

A condenação é que por si só acarreta a inelegibilidade”, raciocinou o relator, que foi seguido pela maioria dos ministros.

É justamente disso que se trata, de preservar o interesse do cidadão eleitor ao impedir um condenado em segunda instância de se candidatar.

Esse projeto de lei de iniciativa popular, figura criada na Constituinte de 1988, que acabou tendo cerca de seis milhões de assinaturas com a ajuda da internet, encarna com perfeição a capacidade de atuação da sociedade civil sobre os chamados “representantes do povo”.

A questão que ele coloca é simples e direta: por que a mesma pessoa impedida de fazer concurso público, se tiver antecedentes criminais de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Várias tentativas já haviam sido feitas para impedir candidatos que respondem a processos de participarem das eleições, mas esbarraram sempre na exigência da lei complementar das inelegibilidades de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer, ou de tomar posse.

Só mesmo com a pressão popular contínua, graças à mobilização de diversas ONGs coordenadas pelo Movimento Pelo Voto Consciente, levou o projeto adiante.

Várias vezes houve tentativas de pará-lo ou simplesmente esquecê-lo no fundo de uma gaveta.

O hábito de postergar os projetos que não interessam à “corporação” está tão arraigado que o líder do governo no Senado, Romero Jucá, um político experiente, mas provavelmente convencido de que controla a burocracia da Casa, disse candidamente que aquele projeto que chegava, depois de uma tramitação de grande repercussão na Câmara, simplesmente não era a prioridade do governo.

Uma confissão de que o que interessava à opinião pública não tinha o mesmo significado para o governo, a explicitação de um divórcio entre a classe política e o eleitorado.

Houve diversos movimentos dentro da Câmara, e depois do Senado, durante o processo de análise do projeto, para desvirtuar seu sentido, e, para que fosse aprovado, foi preciso negociar vários abrandamentos, sendo o mais importante o que levou a inelegibilidade para a condenação em segunda instância, fazendo com que o impedimento da candidatura atingisse uns poucos parlamentares.

No projeto original, bastava a condenação em primeira instância para que a inelegibilidade fosse decretada.

Mesmo assim, o alcance da medida será ampliado nos estados e municípios, onde diversos políticos passam a ficar inelegíveis por estarem envolvidos com condenações a nível local.

A última tentativa de adiar a vigência da lei foi a alteração de tempos verbais no projeto aprovado no Senado, dando a entender que apenas os candidatos que fossem condenados por um colegiado (segunda instância da Justiça) a par tir da aprovação da lei estariam inelegíveis.

A manobra parecia que daria resultado, tanto que o presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, deu entrevistas afirmando que, em princípio, pelo texto que fora aprovado no Senado, somente os condenados a partir da promulgação da lei estariam inelegíveis.

Ontem, ele votou com o relator, assim como os ministros Aldir Passarinho Junior, Cármen Lúcia e Hamilton Carvalhido.

Lewandowski foi além, salientando que a lei tem como objetivo defender os valores republicanos, complementando os direitos e garantias e os valores individuais e coletivos estipulados pela Constituição Federal.

“Tem como meta proteger a probidade administrativa, a moralidade eleitoral, que são vAlores fundamentais do regime republicano”, lembrou o presidente do TSE.

O TSE entendeu o chamado“ espírito da lei” que fora apresentado pela população, e decidiu que não apenas ela valeria já para esta eleição como atingir á todos aqueles condenados.

O relator destacou que as condições de elegibilidade de um candidato são verificadas pela Justiça Eleitoral no momento em que ocorre o pedido de registro de sua candidatura.

“ A lei tem aplicação imediata e atinge uniformemente a todos no momento da formalização do pedido de registro da candidatura”, ressaltou o ministro.

Com o teor dos votos, retira-se da decisão qualquer carga punitiva, ou mesmo um ranço moralista que pudesse ser utilizado como desculpa pelos atingidos.

Os condenados em segunda instância simplesmente não preenchem as condições para se candidatar, assim como não podem ser funcionários públicos, que é o que os congressistas na verdade são.

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