Folha de S. Paulo
Números divulgados até agora não têm sentido;
refazer o estado exige um plano diferente
O Rio Grande do Sul precisa de pelo menos R$ 19
bilhões para a reconstrução, diz Eduardo Leite (PSDB), governador do
estado. O governo federal afirma que adotou medidas com
"impacto de R$ 50,945 bilhões". Há por aí estimativas
de que o estado precisaria de mais de R$ 90 bilhões —contas de guardanapo.
Esses números não têm significado algum, até
porque ninguém tem ideia do tamanho das perdas ou de como deve ser a
reconstrução. O "como" é muito importante.
É fácil perceber a incongruência e a falta de significado dos números. Com os R$ 50 bilhões federais se pagam os R$ 19 bilhões gaúchos? Claro que não.
Do pacote federal, até R$ 35 bilhões podem
ser aumento de crédito privado para pequenas empresas e agricultores. O governo federal vai colocar mais dinheiro nos fundos
que cobrem perdas (calote) desses empréstimos bancários, o que pode
facilitar empréstimos e torna-los mais interessantes. Parte desse dinheiro pode
ser a fundo perdido, pois. Ainda com juros salgados, embora menores que os da
praça, são financiamentos com carência de dois ou três anos e prazos de
pagamento de seis a dez anos.
A fim de diminuir taxas de juros de algumas
dessas linhas, o governo federal vai também doar até R$ 2 bilhões.
Mas não dá para estimar quanto dinheiro virá
daí, de resto dirigido apenas para empresas.
Parte do pacote federal é apenas antecipação
de pagamentos devidos (abono, Bolsa Família etc.), extensão do seguro desemprego ou do prazo de pagamento
de imposto. No fim das contas, o dinheiro a fundo perdido não
chegaria a R$ 8 bilhões em até dez anos, se tanto.
Não quer dizer que o governo federal seja
malévolo ou inepto. É difícil arrumar dinheiro, enviá-lo ao lugar certo e
evitar que espertos peguem carona na catástrofe.
Para quais projetos deve ir qualquer dinheiro
que se arrume para a reconstrução? Haverá critério de planejamento ambiental
para liberar verba, seja a fundo perdido ou via crédito? Quem vai fazer os
projetos técnicos?
Haverá planejamento econômico ou geográfico?
Atividades decadentes, com retorno em baixa, deverão ter verba de reconstrução?
Ou haverá algum incentivo e financiamento para renovação produtiva e
relocalização?
Quem vai coordenar tudo isso? Instituições
técnicas, em falta, ajudam a evitar bobagem; centralização, porém, ignora a
criatividade e o conhecimento dos locais.
Por motivo de risco de vida, ambiental e
econômico, não se pode reconstruir, sem mais. Parecem questões abstratas e
frias, ainda mais quando se vê tanto sofrimento em carne viva. Sem pensar
nisso, porém, vem besteira.
Quem vai pagar a reconstrução de
infraestrutura (estrada, saneamento, energia), de escola e hospital? De quanto
vai ser o auxílio emergencial para pessoas? Quanto dinheiro virá de crédito,
quanto a fundo perdido? O dinheiro federal até agora não dá conta de nada disso
(algo mais deve ser anunciado na semana que vem). De resto, não se sabe nem
quanto dos bens privados têm seguro.
Leite quer deixar de pagar a dívida gaúcha com a União
por dois anos. Daria uns R$ 3,5 bilhões por ano. Quer também
outras autorizações para descumprir regras fiscais, mais duras com seu estado,
um dos mais quebrados do país. Quer um fundo de financiamento subsidiado com
recursos federais, como aqueles que beneficiam Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Os R$ 19 bilhões da estimativa inicial de
Leite equivalem a uns 2,6% do PIB gaúcho. A receita do governo estadual foi de
R$ 78 bilhões em 2023; R$ 4,7 bilhões foram para investimentos em obras e
equipamentos, segundo o Tesouro Nacional.
Mesmo que os R$ 19 bilhões de Leite sejam
apenas a conta do reparo da infraestrutura, não parece ser assim um dinheiro
impossível, gasto em dois ou três anos, talvez em parte financiado por crédito
mais barato de instituições multilaterais internacionais. Assistência social
(auxílio) e obras de reconstrução podem acelerar o crescimento, de resto,
pagando parte da conta. Isso se houver planejamento, projeto e eficiência no
gasto da ajuda e reforma do Orçamento estadual.
O problema é que essa numeralha que aparece
em manchetes não quer dizer nada.
Um comentário:
Uma barafunda sem fim.
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